Carla Pontes: “O que faço é de forma sincera, simples e despretensiosa”

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Cresceu em Alfama e viveu na margem sul do Tejo onde cantou numa banda de ‘heavy metal’, mas foi no Algarve, onde é professora de Educação Visual e Tecnológica desde 1999, que descobriu o canto lírico e a ópera. Falamos de Carla Pontes, uma das mais singulares vozes da nossa região, que nos últimos anos tem protagonizado alguns dos mais interessantes espetáculos de canto.


Texto: Rui Pires Santos
Fotos: Eduardo Jacinto


É professora de profissão. Como e quando surge a música e o canto na sua vida?

Desde sempre que a música fez parte da minha vida. Vivi em Alfama até aos 9 anos e o fado esteve sempre presente. Mais tarde, na adolescência, tive uma banda de garagem de ‘heavy metal’ e no tempo de universidade cantava fado. Mas foi quando vim para o Algarve que comecei a estudar canto com a professora alemã Birgit Wegemann, na Academia de Música de Lagos.

Também cantou em hotéis?
Sim, fiz espetáculos regulares em hotéis, mas paralelamente continuei com as aulas de canto e fui conhecendo pessoas ligadas à música, que em muito contribuíram para a minha formação. A dada altura, a minha professora ausentou-se definitivamente do Algarve e senti necessidade de procurar formação com outros professores de outros pontos do país e, em alguns casos, no estrangeiro.

E como surgiu a ópera?
Foi através do pianista brasileiro Jeferson Mello, que já tinha trabalhado com cantores de ópera, o qual viu em mim potencial. Embora eu já cantasse árias de ópera em audições, foi com ele que desenvolvi mais esta paixão. Mais tarde, após convidar o Francisco Brazão para participar num recital meu, sentimos vontade de fazermos algo juntos e surgiu assim o evento anual ‘Noite de Ópera’, em Lagoa, um trabalho conjunto com a Associação Cultural Ideias do Levante.

Qual é a sua maior paixão, o ensino ou a música?
É a música, sem dúvida. Mas também gosto muito de ensinar e de ensinar no âmbito da música, uma vez que também dou aulas particulares de técnica vocal, em Lagoa e Portimão, e ocasionalmente ‘workshops’ de voz. Tenho fascínio por tudo o que diz respeito à voz e à sua relação com as emoções e com o corpo. O meu trabalho com as pessoas neste âmbito é mais do que puramente ensinar técnica.

Atualmente, está a participar em que projetos?
Tenho alguns projetos com pessoas diferentes, pois apesar de gostar de fazer recitais a solo, gosto muito de convidar pessoas que julgo terem potencial para participar em projetos. Um deles é a Noite de Ópera, um espetáculo em formato pequeno que conta com dois cantores, pianista e narrador. Vai na terceira edição e apresenta árias e duetos de óperas famosas, com o objetivo de formar públicos e promover o gosto pela ópera. Outro é o projeto Dell’acqua, um trio feminino de voz, flauta transversal e piano. Iniciámos com um concerto intitulado ‘Natureza Cantada’, que reúne temas ligados à temática da natureza. E há ainda o Lyra, um duo de voz e harpa que apresenta música do mundo, de várias épocas e estilos

O que sente quando canta?
Quando canto, entrego-me intensamente ao que estou a fazer e sinto algo que não controlo. Há uma preparação técnica que faço antes de entrar em palco, mas depois, quando começo a cantar, deixo de controlar. É como que um ato de fé e as coisas acontecem naturalmente.

Ainda há aquele nervosismo quando entra em palco?
Sinto necessidade de estar focada e concentrada antes de entrar em palco. O nervosismo que sentia transformou-se ao longo do tempo. Sinto sempre responsabilidade e isso coloca-me alerta. Procuro dar o meu melhor sem julgamento nem receio do mesmo, o que me dá alguma tranquilidade.

O público estrangeiro continua a ser o que mais marca presença neste tipo de espetáculos, ou já se sente uma maior adesão dos algarvios?
Noto que já há um grupo cada vez maior de portugueses que adere a este tipo de espetáculos e, por experiência própria, aos meus concertos. Isso deixa-me muito feliz. Mas é claro que ainda há mais estrangeiros, quer residentes, quer turistas, que parecem mais sensibilizados para este tipo de eventos.

E já há um público fiel a Carla Pontes?
Sim, acho que sim (risos). Há pessoas que têm acompanhado o meu percurso, outras que levam amigos aos espetáculos, que depois acabam por voltar a assistir a um ou outro concerto meu. Para mim, é importante formar públicos e que as pessoas tomem, pouco a pouco, o gosto de ouvir coisas diferentes do que estão habituadas, e para que se abram a outro tipo de música.

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Houve algum espetáculo que tenha sido mais marcante?

Todos têm sido marcantes. Encaro-os com muita paixão. O que mais me faz sentir feliz é quando alguém vem ter comigo e diz que, não sendo apreciador deste género musical, se sentiu muito bem no meu concerto, que gostou e que sentiu algo transcendente. Acho que as pessoas que assistem aos meus espetáculos percebem que aquilo que faço é de uma forma muito sincera, simples e despretensiosa.

Já passou pelos principais palcos do Algarve. Dar um salto para uma sala de espetáculo fora da região, com outra dimensão e projeção, é um objetivo?
Não em demasia, pois também não tenho muito tempo. Mas é óbvio que gostava de atuar fora do Algarve. Não tenho ambições muito grandes, tenho noção do meu lugar, daquilo que faço. Nunca procurei concursos, nem papéis em ópera, pelo menos não o tenho feito até agora, o que não quer dizer que não o venha a fazer no futuro.

Como analisa o panorama musical no Algarve? Falta apostar mais nos artistas que vivem na região?
Ainda há muito para fazer. Há períodos em que está a acontecer muita coisa e, por vezes, há outros em que não se passa nada. Devia existir uma maior constância ao longo do ano. Depois, não compreendo porque não se valoriza o que há cá, ou se valorize pouco. Eu própria senti isso na pele, quando tentava apresentar o meu trabalho e perguntavam-me se era de Lisboa, o que parecia ser um pormenor facilitador para ter espetáculos cá. Há um pouco a ideia de que o que é de cá tem pouco valor e a sensação do que o que vem de fora é que é bom.

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