Domingos Guerreiro: Viver na solidão por vocação

Texto e foto: Ana Sofia Varela


A principal função de Domingos Guerreiro é manter a luz do Farol de Alfanzina, no concelho de Lagoa, sempre acesa, desde que o sol se põe até que este se volte a ‘levantar’. Uma responsabilidade que, acima de todas as outras, dá segurança a quem navega pelo mar.

A comemorar 34 anos de profissão, o chefe de farol garante que se fosse hoje voltaria a percorrer o mesmo caminho. “Estava na Marinha, quando abriu um concurso e, na altura, concorri. Entrei eu e um colega, em outubro de 1985. A verdade é que sou uma daquelas pessoas que faz mesmo aquilo que gosta. Se me perguntasse se voltava a fazer tudo de novo, responderia que seria tudo igual”, confidencia Domingos Guerreiro. Viveu sempre em terra, mas com os olhos postos no mar, e a solidão como companheira. Claro que, hoje, a vida mudou e há mais facilidade de acesso a alguns faróis, mas continua a ser uma profissão que vive no isolamento. Recorda, com alguma distância, os tempos em que esteve na Ilha da Culatra em Olhão. “Há pessoas que não gostam do isolamento e do sossego, eu sou o contrário. Fui para aquele farol ainda não havia energia elétrica na ilha. Trabalhávamos com geradores. Era um sossego total. Com a eletricidade, mudou, a nível de população, sobretudo, com um grande aumento de turistas no Verão”.

E se a evolução é a palavra chave na atualidade, será que com tanta tecnologia ainda faz sentido continuar a existir o faroleiro? Domingos Guerreiro não tem dúvidas que sim. “A maioria das pessoas julga, que o farol não é assim tão importante mas essa ideia não é verdadeira. Continua a ter a mesma importância. É muito bonito existirem radares e GPS, mas no dia em que ficarmos sem esses instrumentos, o farol está cá presente”, afiança. Sem tecnologia a bordo, basta tirar um azimute (medida, definida em graus, que corresponde ao ângulo entre o norte e um ponto) ou confirmar as características da luz, para verificar qual a posição em mar, reforça o capitão-de-mar-e-guerra Cortes Lopes, chefe de Departamento Marítimo do Sul.

Ainda assim, muito foi atualizado e as tarefas são agora mais fáceis. “Tudo tem mudado, principalmente na parte da automatização do farol. Quando eu entrei nesta profissão ainda fazíamos ‘quartos’. Ou seja, estávamos a pé 24 horas ou rendíamo-nos por quartos. Fazíamos o serviço de dia, o primeiro quarto, segundo quarto e assim sucessivamente. Tudo para garantir a segurança de quem navegava”, explica.

Aos 58 anos, foi parar ao local onde tudo começou e mais perto de Silves, as suas origens. “Só estive aqui em estágio em 1986. Depois, daqui, fui para Leça da Palmeira, em Matosinhos, e daí fui andando pelo país todo, como Vila Real de Santo António. Ao fim de mais de 30 anos de profissão vim para o farol mais perto de casa, o que nem sempre acontece”, refere.

 

Formação multifacetada

“Há rotinas, de abrir e fechar cortinas, verificações diárias que têm que ser feitas. Algumas tarefas já podem ser feitas automaticamente, mas não dispensam que estejam aqui faroleiros”, explica o capitão-de-mar-e-guerra Cortes Lopes. Por um lado, as novas tecnologias levam a que não sejam necessários tantos recursos humanos como no passado, mas não os dispensa.

Por outro lado, “a formação dos faroleiros habilita-os a nível da eletricidade, da construção civil e de outras áreas. Sempre fizeram tudo. Limpavam, mantinham, além de zelarem pelo espaço, porque os faróis estavam muito isolados das povoações. Muitos levavam a família. Hoje já não é assim, não estão tão afastados, mas estes profissionais ainda continuam a ter uma formação muito diversificada. São eles que pintam, arranjam, mudam os azulejos”, resume o chefe de Departamento Marítimo do Sul. São também estes profissionais, muitas vezes, que mantêm as boias e balizas, em canais de navegação, e os enfiamentos.

 

Viver no farol

“Aqui estamos três faroleiros, somos uma família”, diz. Cada um dos profissionais tem a sua casa, o seu espaço, o que leva a que estejam sempre disponíveis para qualquer serviço que seja necessário. Se acontecer alguma coisa, mesmo nas folgas, estamos cá”, afirma Domingos Guerreiro.

E há sempre muito que fazer, pois a manutenção é exigente. Além das tarefas como a limpeza da luz e a manutenção dos equipamentos, há a pintura do espaço, obras de reparação, restauro e conservação.

Uma vez por semana, à quarta-feira, o imóvel abre também a visitas da população. E até têm uma pequena oficina, onde algumas horas são dedicadas ao restauro de objetos antigos. A ideia é que o farol seja quase como um museu, preservando a sua história.

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