Joaquim Castelão Rodrigues: “Valorização do património natural do Algarve estará na linha da frente”

Texto: Ana Sofia Varela


Quais são os principais desafios do ICNF?

São, sobretudo, relacionados com a gestão das 48 áreas protegidas pertencentes à Rede Nacional, bem como dos Sítios Ramsar, Sítios de Interesse Comunitários e Zonas de Proteção Especial. Os desafios centram-se ainda na sensibilização das populações para a importância dos valores naturais, na vigilância de habitats naturais classificados, no controle de espécies exóticas invasoras, assegurando uma atuação integrada no território, promovendo a valorização económica, ambiental e social dos espaços florestais, da conservação da natureza e da biodiversidade.

 

E no caso da floresta?

Estão ligados à contribuição para um melhor ordenamento dos nossos espaços florestais, criando condições para que possam ser geridos de forma profissional, tornando-os mais produtivos e mais resilientes aos incêndios. O objetivo passa por aumentar o espaço florestal gerido de forma associada, quer através das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), quer das Sociedades de Gestão Florestal (SGF). Com a recente publicação do Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF) Algarve, também se deseja que este ordenamento florestal tenha maior intervenção do poder autárquico com a transposição das orientações nele contidas para os Planos Diretores Municipais (PDM).

 

Que projetos estão a ser preparados? 

A valorização do património natural do Algarve estará na linha da frente, passando pela recondução dos Planos de Ordenamento (PO) das Áreas Protegidas a programas, bem como a revisão dos respetivos PO. Em breve, teremos em execução dois projetos de intervenção nas áreas protegidas que visam a recuperação e valorização de habitats naturais e de promoção de educação ambiental de áreas integradas na Quinta do Marim, Ludo e Pontal, do Parque Natural da Ria Formosa. É o projeto ‘FlorFormosa’ que engloba cerca de 200 hectares. O outro é o projeto ‘Vicentiana’ que é de valorização de habitats mediterrânicos naturais no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e de habitats de espécies ameaçadas com intervenção na área específica do Pinhal Santo. Está prevista a colocação de sinalização nas entradas das áreas protegidas, no início e no final de percursos, com sistemas que permitam a recolha, a visualização e a gestão de dados de contagem de visitantes, através de sistemas informáticos. A intenção é também marcar os limites, territorial e visualmente, de forma inequívoca, eficaz e uniforme, em todas as entradas, sendo clara a respetiva identificação da área protegida.

 

E quais são os projetos em execução?

De entre outros, estão em execução a síntese e mapeamento da biodiversidade e avaliação de alterações nas comunidades marinhas no âmbito do projeto MARSW, dedicado a toda a área do PNSACV, coordenado pela LPN; o Plano de Salvaguarda dos Cavalos Marinhos na Ria Formosa, o Life Ilhas Barreira, liderado pela SPEA; o Projeto Garveland, liderado pela AREAL.

E haverá outras intervenções?

Temos em curso vários projetos nas matas e áreas públicas sob a nossa gestão que visam a proteção desses espaços contra os incêndios florestais, cofinanciados pelo PDR2020, POSEUR e Fundo Ambiental. Há ainda a aposta na prevenção de incêndios florestais em continuidade com os apoios já dados aos municípios para a abertura de Faixas de Interrupção de Combustível (FIC), e a execução, em breve, de uma empreitada para alargar essas faixas, construindo aquilo que é a Rede Primária de Faixas de Gestão de Combustível na região. Em paralelo, há um aumento no Programa de Sapadores Florestais, com a criação de uma Brigada de Sapadores da AMAL já equipada com trator e maquinaria florestal para aumentar a capacidade de intervenção na manutenção das faixas, agora executadas pelo DRCNF Algarve. Lançamos com algum sucesso na região o programa das ‘cabras sapadoras’, onde temos já cerca de dez projetos em execução, em que as faixas de redução de combustível se fazem com o pastoreio de animais sendo os pastores remunerados por esse trabalho.

 

Há muito que se fala da reforma florestal. Qual é o ponto de situação?

Muito se tem feito nestes dois últimos anos, com vários diplomas legislativos e enquadramento nacional que visam ultrapassar alguns dos maiores estrangulamentos dos espaços florestais. É o caso da ausência de cadastro, da forma retalhada e pequena dimensão dos espaços florestais e o elevado absentismo. O reforço da figura das ZIF e a criação da possibilidade de serem criadas SGF são o maior contributo para que essa mudança ocorra na floresta. No entanto, como sabemos, trata-se de uma mudança que demorará algum tempo para que possa ser percecionada pelas pessoas, como tudo o que acontece, de resto, nos espaços florestais. A nível regional foi publicado o Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF), criadas mais equipas de Sapadores Florestais ao nível das autarquias e a AMAL, além de ter constituído um Gabinete Técnico Florestal, criou uma brigada de 15 elementos de Sapadores Florestais. Foram executados cerca de mil quilómetros de Faixas de Intervenção Florestal, cerca de 200 quilómetros da Rede Primárias Faixas, através PDR2020 pelos municípios, que foram fundamentais para um combate mais eficiente e célere no controle dos fogos que, este ano, assolaram a nossa região, contribuindo para que apenas tenham sido consumidos este ano pouco mais de 500 hectares de floresta, matos e incultos.

 

Outra das preocupações são as consequências das alterações climáticas. Que medidas estão a ser tomadas?

As alterações climáticas são uma realidade e o estudo elaborado pela AMAL situa-nos no que poderá ser a região nos anos vindouros. As medidas não passam só pelo ICNF, mas por toda a comunidade, desde as autarquias, os empresários, os cidadãos, não dispensando a comunicação social. Todos nós temos de tomar medidas tão simples como poupar água, reduzir as emissões de carbono, evitando o uso do automóvel, a combustão, e prevenindo os fogos florestais. No caso concreto do ICNF, há medidas que vão das ações de Educação Ambiental, que desenvolve com as suas equipas nas escolas e em parceria com as autarquias e associações junto da população, passando pelos pareceres técnicos que emite no âmbito do ordenamento do território. Há projetos em parceria com a Universidade do Algarve, Fundação Oriente, entre outras entidades, que têm em atenção as alterações climáticas com o objetivo da preservação dos recursos naturais, a manutenção dos habitats e ecossistemas na manutenção da biodiversidade da fauna e flora.

Que projetos sob a tutela do ICNF no Algarve beneficiam de apoio?

Temos dois projetos aprovados pelo POSEUR para, pela primeira vez em vários anos, o ICNF intervir nas áreas protegidas nos Parques Naturais. Temos em execução um projeto POSEUR para prevenção de incêndios florestais nas áreas públicas, além de três projetos PDR2020 de beneficiação e recuperação da área ardida na Mata Nacional da Herdade da Parra, em Silves, e uma empreitada financiada pelo Fundo Florestal Permanente que se estenderá até 2022 para executar a faixa de gestão de combustíveis primária em toda a região.

 

A proteção da natureza e atividades como a caça e pesca são compatíveis?

De modo nenhum considero que haja incompatibilidades entre a caça e a pesca com a proteção da natureza. A nossa visão é que é possível, na maioria dos casos vantajosa, a integração do Homem como agente protetor da natureza, onde o ordenamento cinegético permite uma melhor gestão da fauna da vida selvagem, gerindo e controlando os efetivos nesses espaços, garantindo os equilíbrios necessários entre a predação e capacidade de carga dos espaços naturais. A presença dos caçadores e da atividade cinegética, em especial no interior da região, é também das poucas atividades que vai garantindo a presença humana, essencial na prevenção de incêndios florestais. São também os caçadores, que vão ainda garantindo no interior algumas sementeiras que alimentam a fauna cinegética e criam descontinuidades necessárias num território que, infelizmente, tem sofrido um abandono acentuado nos últimos anos. Este abandono é também a causa do aumento do risco de incêndios florestais, pelo que a presença desta atividade é essencial para a redução do risco.

 

Há casos de sucesso?

Um exemplo muito feliz do interesse e participação dos caçadores na prevenção de espécies em risco, está a acontecer na reintrodução do lince ibérico no Baixo Guadiana, só possível pelo interesse e participação dos caçadores na preservação dessa espécie.

 

Qual é o balanço destes primeiros meses à frente da Direção Regional do ICNF?

Após um primeiro período para me inteirar sobre os diferentes parques nacionais, as paisagens protegidas e a reserva natural, sobre os serviços, os colaboradores e a constituição da equipa e os diferentes agentes que intervêm num território tão sensível e complexo, com diversos interesses, não me deixa arrependido ter assumido este lugar. Sinto-me à altura do desafio, tendo a consciência que ainda existe um caminho a percorrer na gestão da biodiversidade da região.

Qual tem sido a linha de atuação desde que tomou posse?

Desde logo, promovi o diálogo com todos os ‘stakeholders’ que têm intervenção no território, como as diversas entidades (autarquias, Polícia Marítima, Proteção Civil, GNR/UCC, Universidade do Algarve, Instituto Português do Mar e Atmosfera), associações de pescadores e agrícolas, associações de desenvolvimento local, investidores. A intenção foi conhecer os problemas e anseios. Por outro lado, internamente, a reorganização dos serviços, uma vez que a passagem de departamento a direção regional, e sendo vogal do Conselho Diretivo do ICNF, implica mais competências e autonomia com o objetivo de os serviços serem mais céleres na resposta aos utentes.

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