Maria Nunes é a última tecedeira de Monchique

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Tem 80 anos, nasceu no concelho de Monchique, e é, atualmente, a única tecedeira na vila. Orgulhosa de uma vida dedicada ao tear, só a entristece não haver quem queira seguir os seus passos, pois nada lhe dá mais prazer do que ensinar tudo o que sabe. Quando sobe para o tear são os tecidos que lhe dizem como fazer. Trabalha sem suporte visual e com vários tipos de material.

 

Texto: Marisa Avelino
Fotos: Eduardo Jacinto

 

Apesar da respeitosa idade, o rosto de Maria Nunes ilumina-se e as maleitas parecem desvanecer-se quando sobe para o tear. As mãos dão vida à máquina e eis que começam a surgir belas peças que outrora eram apenas fios. Esta é a magia que tem tecido a vida da única tecedeira monchiquense.

Maria Nunes da Silva Lourenço nasceu a 1 de dezembro de 1934 e aprendeu a tecer com a sua mãe, Perpétua Nunes, que trabalhava para fora onde “ganhava a metros”. Desde pequena que a viu tecer no tear antigo (com mais de cem anos) que tem hoje em casa e que só arma quando vai à FATACIL (ver caixa). “Ganhei este ofício por herança”, refere com alegria Maria Nunes em declarações à Algarve Vivo. “Fui crescendo a ver a minha mãe tecer, aprendendo com ela. Até que um dia teve um acidente num braço e ficou sem puder trabalhar”, conta. Na altura, Maria Nunes tinha 14 anos e começou ela própria a “tecer a teia”.

Tudo se faz no tear
Hoje em dia, o que mais tece são tapetes e outros trabalhos pequenos, porque a idade já pesa. Apesar de ter problemas na vista – não pode usar óculos porque tem cicatrizes nos olhos – continua a fazer todo o tipo de trabalhos (painéis, peças de roupa e alforjes para os burros, sendo este o artigo mais solicitado). “Faço quase tudo o que quero no tear. Às vezes, é o tecido que me diz como hei-de trabalhar”, afirma, com orgulho, Maria Nunes, que utiliza frequentemente a memória visual, sem recorrer a desenhos/croquis.

A sua mãe só trabalhava o linho, ao contrário desta tecedeira monchiquense que sempre gostou de explorar outros materiais (ver caixa). “Adapto-me àquilo que vejo, que posso fazer, ou que não me aborreça, e também aos pedidos que me fazem”, explica.

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Amor ao tear não desvanece
É com um brilho nos olhos e um carinho enternecedores que fala sobre o tear e a tecelagem, arte que a tem acompanhado durante toda a sua vida. Mesmo andando com a ajuda de uma muleta, resultado de um acidente que sofreu há algum tempo, a tecedeira não se coíbe de colocar de parte aquele objeto de apoio para subir mais depressa umas escadas, a fim de mostrar orgulhosamente um painel que teceu e onde está inscrito o símbolo antigo da autarquia de Monchique. A doçura e a alegria com que conta como é viver para a arte de tecer só esmorecem pela tristeza de não ter a quem passar os ensinamentos desta arte. “Há muita gente que gosta e se interessa. Mas como dá muito trabalho e não dá grande rendimento monetário, não é atrativo para as pessoas. Se fosse ao contrário, não me faltava aprendizes. Assim não vamos a lado nenhum”, desabafa com desalento.

No concelho de Monchique já são poucos os artesãos de ofícios antigos (tecelagem, vime, madeira e sapatos). Na sociedade contemporânea, surgem artistas que se adaptam aos tempos modernos trazendo algo de novo ao que já existe, no entanto, “outras artes se perdem por não serem tão rentáveis como seria o desejado”. “Sendo a última tecedeira em Monchique, fico com muita pena de não haver ninguém que dê continuidade a esta arte”, salienta com tristeza.

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Na FATACIL há 30 anos
A primeira vez que participou na FATACIL, em Lagoa, foi em 1984 e desde essa altura não tem falhado nenhuma edição. Já lá vão 30 anos, sempre acompanhada pelo seu velho tear, onde o público a viu inúmeras vezes tecer, tomando contacto com esta arte antiga que muitos atrai, mas poucos conquista. A tecedeira monchiquense tem no seu currículo dezenas de participações em feiras e exposições, de norte a sul do país, continuando a receber convites e sendo obrigada a recusar alguns, “pois a saúde já não é a mesma”. Hoje em dia, Maria Nunes apenas participa na FATACIL, Feira dos Enchidos, Feira do Presunto e na Feira de Artesanato ‘Arte Chique’, estas últimas três ocorrem na sua vila natal, em Monchique, onde aproveita para vender alguns dos seus trabalhos.

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