Parlamento adia aprovação de projeto de lei e guardas-noturnos continuam a usar armas de fogo

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PSD/Madeira contestou a iniciativa parlamentar dos partidos da maioria por não terem sido pedidos pareceres às regiões autónomas sobre o projeto de lei que estabelece o regime jurídico e o estatuto profissional da atividade de guarda-noturno, impedindo o uso de armas de fogo. Aqueles profissionais tinham programado uma manifestação na Assembleia da República, em Lisboa, se tivesse sido aprovada no dia 1 de abril a nova legislação. Em declarações à Algarve Vivo, o presidente da direção da Associação Sócio Profissional dos Guardas-Noturnos, Carlos Tendeiro, esclarece o que está em causa.

José Manuel Oliveira

 Afinal, o projeto de lei nº. 775/XII/4º., da iniciativa dos grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP, que estabelece o regime jurídico e o estatuto profissional da atividade de guarda-noturno, impedindo o uso de armas de fogo, e por isso tão contestado pela associação do sector e pelas autarquias, acabou por não ser discutido e aprovado na especialidade como estava previsto nesta quarta-feira, 1 de abril, na Assembleia da República. E por enquanto nem se sabe quando será aprovado pelos deputados.

É que, depois de a Associação Sócio Profissional dos Guardas-Noturnos ter insistentemente apelado aos Grupos Parlamentares no sentido da retirada daquela iniciativa parlamentar, uma vez que a mesma mereceu parecer desfavorável da Associação Nacional de Municípios Portugueses por esta entidade considerar que a legislação em vigor se coaduna com a realidade inerente ao exercício da atividade de guarda-noturno, foram, perante alguma surpresa geral, deputados do PSD/Madeira a travar, pelo menos para já, a aprovação do polémico documento elaborado pelos partidos da própria maioria, relacionado com a Lei das Armas.

Segundo apurou a revista Algarve Vivo, a contestação dos sociais-democratas madeirenses baseou-se na falta de pedido de pareceres sobre aquela matéria às regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

O adiamento da discussão daquele projeto de lei evitou, igualmente, o início da tomada de medidas enérgicas por parte dos guardas-noturnos, já que estava programada uma vigília na Assembleia da República e a presença dos profissionais nas bancadas aquando da aprovação do documento no plenário. “Iremos recorrer a todos os meios legais de forma a proteger não só os interesses dos guardas-noturnos, mas também da população”, garante à Algarve Vivo Carlos Tendeiro, presidente da direção da Associação Sócio Profissional dos Guardas-Noturnos, que exerce a sua atividade em Lagos.

E explica o que está em causa no projeto de lei nº. 775/XII/4º., da iniciativa do PSD e do CDS-PP: “está em causa a segurança de pessoas e bens e a dos próprios guardas-noturnos, dado que atualmente estes profissionais rondam e vigiam os arruamentos das suas áreas protegendo pessoas e bens. Isto é, todas as pessoas e todos os bens, independentemente se contribuem ou não para o guarda-noturno, assim refere a legislação em vigor. O nosso equipamento é composto por arma de fogo, cassetete, algemas e rádio. O uso da arma de fogo em serviço é de carácter permanente, o que constitui – para além de um direito – um dever. Contudo, o projeto de lei não faz menção a este equipamento, referindo apenas que a arma preferencial para uso em serviço é a da classe E, ou seja, ‘gás pimenta’ e aparelho de descarga elétrica. Prevê que quem tenha arma de fogo tenha que informar a força de segurança territorialmente competente. E é a este nível que surge o problema, uma vez que, ao estarmos sujeitos às regras impostas pela Lei das Armas, será fácil prever que a Policia de Segurança Pública venha a negar novas emissões de licença de uso e porte da arma, dado que a Lei deixa de prever a arma de fogo como parte do equipamento e a obrigatoriedade da mesma no exercício de funções”.

E acrescenta: “apesar de, atualmente, ser um direito e um dever dos guardas-noturnos portarem arma de fogo em serviço, a PSP está já a negar novas licenças de uso e porte de arma, alegando que o facto de se ser guarda-noturno em nada consubstancia argumento válido para a emissão da licença de uso e porte de arma. Por isso, temos desde já uma resposta antecipada caso o projeto de lei não seja alterado, ou seja, guardas-noturnos desarmados, até pelo facto de o legislador prever como arma preferencial as da classe E. O projeto de lei também muda por completo o princípio da profissão, a segurança de todas as pessoas e bens, limitando a intervenção dos guardas-noturnos somente a quem lhes pague. Por isso, estaremos perante uma privatização completa da profissão, com os claros prejuízos para a segurança comunitária”.

 “Como é que os guardas-noturnos poderão proteger os bens de terceiros, se não têm meios para se de defender a si próprios?”

Numa altura em que aumentam os problemas de insegurança na via pública, Carlos Tendeiro não tem dúvidas de que os próprios guardas-noturnos correm sérios riscos se for aprovado o projeto de lei. “São graves as repercussões. Não nos podemos esquecer que os guardas-noturnos trabalham sozinhos na via pública e durante a madrugada, sendo esta a altura mais propícia para a ocorrência de crimes graves e violentos, em que o perigo pode estar ao virar da esquina. E, perante a legislação que PSD e CDS-PP pretendem aprovar, o guarda-noturno ficará sem meios para se defender. Por isso, a situação terá graves repercussões, uma vez que pensamos que as pessoas possam deixar de contribuir para o serviço dos guardas-noturnos. Como é que estes poderão proteger os bens de terceiros se não têm meios para se defender a si próprios?”

Outra das consequências tem a ver com “o risco de desemprego elevado”, até porque, lembra, “o sistema sancionatório é incomportável”. É que, exemplifica, “se um guarda-noturno entrar ao serviço com as botas por engraxar, o que é considerado falta de aprumo, logo a violação de um dos deveres instituídos, pode ser autuado e a licença que o permite trabalhar ser suspensa até um prazo máximo de dois anos. Consideramos essa situação violadora dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Portuguesa, no que respeita ao princípio da proporcionalidade e no direito ao trabalho”.

“Assim, podemos afirmar que o risco de desemprego é elevado, uma vez que a Lei torna a profissão ainda mais precária, retirando os meios de defesa aos guardas-noturnos que sempre fizeram parte do equipamento, pelo menos desde 1910”, avisa Carlos Tendeiro.

Algarve tem apenas 16 guardas-noturnos e Albufeira é dos concelhos com mais carências a esse nível

Em Portugal, existem cerca de 300 guardas-noturnos, mas para aquele dirigente associativo poderia haver no mínimo mais um milhar. “Bastaria para isso cada Câmara Municipal criar cinco áreas de atuação, logo iríamos ao encontro de duas necessidades do nosso país: a criação de emprego e o reforço da segurança comunitária”, sublinha

No Algarve, “temos conhecimento de que há apenas 16 profissionais”. Albufeira é um dos concelhos com mais lacunas a esse nível. “Nota-se a falta de guardas-noturnos, por exemplo em Albufeira, onde poderiam contribuir para o aumento do sentimento de segurança de quem ali reside, desempenho da sua atividade comercial e para quem passa férias. Cremos que os reflexos são negativos para a região, uma vez que se os guardas-noturnos ficarem limitados à proteção dos bens de quem lhes paga, deixará de haver as dezenas de detenções e identificações de suspeitos como tem acontecido ao longo dos últimos anos no Algarve. Isto, como é do conhecimento geral, sendo que algumas das intervenções dos guardas-noturnos são dadas a conhecer através de publicações da comunicação social”, salienta o responsável.

Assim, insiste, “podemos afirmar que a limitação da intervenção dos guardas-noturnos levará ao aumento da criminalidade e do sentimento de insegurança, o que em nada beneficia a população nem o turismo”

E destaca alguns exemplos para reforçar a importância daqueles profissionais: “dois guardas-noturnos de Quarteira apanharam um dos autores de um roubo a uma moradia em Almancil, no qual foi utilizada violência para a consumação do crime, tendo nesse dia acabado a vaga de assaltos que ocorriam no município de Loulé; um guarda-noturno de Lagos apanhou um individuo que havia acabado de furtar uma caçadeira, entre outros, tendo no seu cadastro assaltos à mão armada. Tais intervenções só são possíveis devido ao serviço público que prestam e pelo facto de terem de proteger todas as pessoas e bens da sua zona de atuação. Mas podemos também referir o importante empenho dos guardas-noturnos de Faro, que por mais de uma vez apanharam indivíduos a vandalizar uma exposição na baixa da cidade, composta por árvores de Natal”.

O mais importante na atividade de guarda-noturno “é a prevenção e dissuasão”, nota Carlos Tendeiro. E sem o equipamento atualmente previsto “deixará de ser dissuasor, logo, o projeto de lei “matará” a profissão e empurrará os profissionais para o desemprego”, alerta o presidente da direção da Associação Sócio Profissional dos Guardas-Noturnos.

Isto, numa altura em que espera o “bom senso” dos deputados na Assembleia da República e que o projeto legislativo acabe por ficar na gaveta.

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