Paulo Morais (candidato a Presidente da República): “Cavaco Silva é refém do apoio partidário que o elegeu e gerou instabilidade no país”

paulo morais

Em entrevista concedida ao site da revista Algarve Vivo no final da tarde de ontem, numa unidade hoteleira de Lagoa e pouco antes da palestra no Pavilhão Desportivo Municipal Jacinto Correia, nesta cidade, Paulo de Morais, candidato a Presidente da República, não poupa críticas à atuação do atual chefe de Estado, Cavaco Silva, a vários níveis. Considera “tardia” a decisão de só agora ter nomeado Passos Coelho como Primeiro-ministro e entende que é “obrigação” do líder do PSD “encontrar a solução para a estabilidade governativa para os próximos quatro anos”. Mas admite que existem condições para um executivo de maioria de esquerda e aponta exemplos na Europa, como o Luxemburgo e a Dinamarca, onde é o líder do terceiro partido quem governa. Nos próximos dias, será publicada a outra parte da entrevista em que Paulo de Morais diz como será a sua campanha eleitoral e o que fará se chegar a Belém, além de falar sobre si a nível pessoal.

Texto: José Manuel Oliveira

 Foto: Eduardo Jacinto

Como avalia a decisão do Presidente da República, Cavaco Silva, de nomear Passos Coelho como Primeiro-ministro numa altura em que o PS, o Bloco de Esquerda e a CDU já se apresentavam como alternativa de Governo?

Foi uma decisão tardia, pois o Presidente da República devia ter indigitado Passos Coelho como Primeiro-ministro há mais de 15 dias.

O PS, o Bloco de Esquerda e a CDU preparam-se para rejeitar na Assembleia da República um governo de coligação PSD/CDS-PP. E agora, o que pode acontecer neste quadro político?

Caberá ao doutor Passos Coelho encontrar a solução para a estabilidade governativa para os próximos quatro anos. De resto, tem obrigação disso. Se Passos Coelho entender não possuir condições para tal, então é melhor dizê-lo já.

Se o senhor fosse neste momento Presidente da República, daria posse a Passos Coelho ou convidaria António Costa para esse cargo?

Se eu fosse Presidente da República no dia 5 de outubro, ou seja, no dia imediatamente às eleições legislações, e não hoje, porque já é demasiado tardio, conversaria com todos os partidos com assento parlamentar, o que teria feito durante a manhã. E na tarde do mesmo dia teria pedido ao líder do maior partido, o doutor Passos Coelho, que encontrasse uma solução governativa em 48 horas. E no meu ponto de vista, ao fim de 48 horas o doutor Passos Coelho não devia andar nem em reuniões nem a dar entrevistas à televisão e muito menos em expressões públicas da sua vontade. Quando alguém é incumbido pelo Presidente da República de fazer seja o que for, tem de o fazer de forma discreta, em silêncio. E depois, vir de volta ou com uma solução ou manifestar a sua impossibilidade em o conseguir. Se o doutor Passos Coelho não conseguisse formar governo, eu chamaria o líder do segundo partido. Se tal não fosse possível, chamaria ainda o líder do terceiro partido.

Existem países na Europa onde há líderes do terceiro partido que lideram o governo. Dou-lhe dois exemplos: a Dinamarca e o Luxemburgo. No caso português como houve uma coligação, ainda chamaria eventualmente alguém do CDS. Não o doutor Paulo Portas, porque entendo que ele não tem idoneidade para ser primeiro-ministro de Portugal. Todo o processo teria de decorrer no prazo máximo de uma semana para não criar instabilidade nos cidadãos, nas empresas. E do dia 4/5 ao dia 22 ficou-se em toda uma angústia. Houve aqui, mais uma vez, um processo de inquietação na sociedade portuguesa porque entretanto os partidos andaram a brincar às campanhas eleitorais mesmo depois das eleições.

Pode considerar-se que Cavaco Silva também acaba por ser refém do atual sistema político?

O Presidente da República é refém do apoio partidário que o elegeu. É refém do apoio logístico e financeiro. Eu não aceito apoio partidário. Fui sondado nesse sentido, mas recusei.

De que partido?

Não revelo.

Haveria condições em Portugal para um governo de maioria de esquerda, entre PS, Bloco de Esquerda, e CDU, no parlamento?

Acho que qualquer solução estava lá desde que os portugueses percebam quais são as linhas de ação de cada governo. Seria mau é se o doutor Passos Coelho ou o doutor António Costa encontrassem soluções de governo que fossem contra as vontades dos seus programas eleitorais que lhes dão suporte no Parlamento. Mas eu não via qualquer problema de haver entendimento do PSD com o Bloco de Esquerda ou do PS com o CDS. Acho que todas estas conjugações são positivas desde que sejam claras. Não pode é haver acordos secretos. Na Europa civilizada, um líder partidário encontra apoio parlamentar em dois, três, quatro partidos.

Acredita em estabilidade governativa para os próximos quatro anos ou o próximo executivo será de curta duração, como já perspetiva?

Pode haver sempre estabilidade se as grandes decisões forem tomadas no Parlamento, se o Governo as executar e se os cidadãos sentirem justiça. O que não pode acontecer são situações que ocorreram na anterior legislatura por exemplo com a privatização da TAP a ser decidida entre compradores e um secretário de Estado num gabinete escondido. Isso não pode acontecer. A privatização da TAP ou qualquer assunto desta relevância tem de ser alvo de uma grande discussão pública. E na sequência dessa discussão pública deve haver uma discussão parlamentar. E depois, ao fim de uma semana há a votação e ganha a maioria. O que eu não promulgaria era a privatização da TAP feita no gabinete de um secretário de Estado.

Qual é a avaliação que faz dos dois mandatos de Cavaco Silva como Presidente da República?

O professor Cavaco Silva está a terminar o seu mandato e imagino que o terá desempenhado da forma que considerava mais adequada. Não imagino outra coisa. Mas para mim foi uma deceção. Imaginei há uns anos que ele desempenharia a função constitucional da Presidência de uma forma estrita, rigorosa. E o que é um facto é que o atual Presidente da República não exerceu as competências que a Constituição lhe atribui.

O que falhou?

Há todo um conjunto de inconstitucionalidades de que hoje o regime político sofre e este Presidente da República não as atalhou. Há todo um conjunto de artigos que são violados na Constituição. Tenho uma lista que me levaria a falar durante três horas. Para escolher um mais atual, refiro um que tem a ver com as últimas eleições legislativas: a Constituição tem dois artigos, os quais pré-determinam que o sistema eleitoral tem de ser proporcional. Ora, se o sistema é proporcional, significa que tem de ser proporcional ao número de votos. Mas, repare, um deputado da maioria foi eleito com mais de 19 mil votos; um deputado do PAN foi eleito com 75 mil, quase quatro vezes mais. Que proporcionalidade é esta?

O Presidente da República no ato de posse jura defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Perante esta inconstitucionalidade, deveria ter tido uma intervenção e obrigado há meses (e eu sugeri isso em maio deste ano), uma alteração muito singela da lei eleitoral, que levaria a que houvesse proporcionalidade. Não só o Presidente da República não o fez, como a Presidente do Parlamento também não o fez, como os próprios partidos ignoraram a minha sugestão.

Hoje, o PSD elege um deputado com 20 mil votos, mas o Bloco de Esquerda precisa de 30 mil. E a questão que se coloca é a seguinte: porque é que os que são prejudicados, neste caso o Bloco de Esquerda e o PCP, também não reclamam? Porque, apesar de serem prejudicados e de estarem a ser vítimas deste mercado eleitoral, numa posição de abuso dominante, não reclamam porque preferem ser prejudicados, mas evitar que outros partidos entrem no Parlamento. Porque se houvesse proporcionalidade, hoje teríamos representação parlamentar do Livre, do PDR, do doutor Marinho Pinto, do MPT (Movimento Partido da Terra).

Outro aspeto de inconstitucionalidade: neste momento por via da participação que as sociedades de advogados têm na elaboração de leis, há sociedades de advogados em Lisboa naturalmente, que não só intervêm no processo judicial a partir dos tribunais, como fazem leis. Onde está o princípio da separação de poderes?

E o que devia ter feito Cavaco Silva?

Devia evitar que o processo judicial tivesse estado alguma vez nas mãos das grandes sociedades de advogados. Vamos ter os interesses das grandes sociedades de advogados representados no Parlamento mais uma vez violando o princípio da interdependência e a separação de poderes, o artigo 111 da Constituição. Mas para além disso esta situação cria uma promiscuidade e uma corrupção latente no próprio Parlamento. A sede da democracia, que é o Parlamento, é também a sede da maior corrupção na política em Portugal. O Presidente da República devia ter evitado isto. Mas apresento-lhe mais uma inconstitucionalidade.

A que se refere?

O artigo 104 da Constituição, que define qual é o regime de impostos, impostos sobre o rendimento das empresas, das pessoas, sobre património e consumo. Define que os impostos sobre o património devem ser proporcionais ao património. No entanto, uma família que viva numa habitação T2 ou T3 paga IMI (Impostos Municipal sobre Imóveis) muito para além do que paga um promotor imobiliário que tenha 200 ou 300 apartamentos titulados num Fundo de Investimento Imobiliário. Quem tiver um Fundo de Investimento Imobiliário que titule as suas propriedades está isento de IMI; uma pobre família tem de pagar IMI. Nem sequer estou a pedir que os grandes proprietários paguem mais do que outros; estou a dizer é que todos sejam tratados da mesma maneira perante a lei. Por outro lado, apesar de esse artigo da Constituição definir que os impostos sobre o consumo devem penalizar os empreendimentos de luxo, neste momento em que falamos (quinta-feira, 22 de outubro, ao final da tarde), se eu amanhã decidir tomar o pequeno-almoço num hotel pagarei o IVA a seis por cento; se atravessar a rua e for tomar um café pagarei o IVA a 23 por cento. Não pode ser. Além de ser injusto é inconstitucional. E o Presidente da República tem de tomar em atenção todo este tipo de inconstitucionalidades. Dou-lhe mais um exemplo.

Qual é?

A Constituição indica que os deputados devem exercer livremente o seu mandato, o que quer dizer que a disciplina partidária no Parlamento é inconstitucional. Qualquer regulamento que imponha a disciplina partidária é inconstitucional. Deve ser imediatamente extinto. E o atual Presidente da República não tem tido este tipo de ações.

Limitou-se a observar e a não agir? Foi por causa do partido que o ajudou a eleger?

Foi a sua interpretação. O mandato do atual Presidente e mesmo o do anterior, do doutor Jorge Sampaio, foram mandatos em que os Presidentes não assumiram o primado da função presidencial. Porque em termos constitucionais e protocolares, a primeira figura do Estado é o Presidente da República. Mas temos assistido a que quem manda é efetivamente a terceira figura, ou seja, o primeiro-ministro. Este normalmente manda no primeiro e até despreza o segundo que é o Presidente da Assembleia da República. Isto é uma mentira na sociedade portuguesa. Se eu tomar posse como Presidente da República, tenciona fazer desta função a figura cimeira do Estado português.

 

 

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