Quase 90 pessoas em protesto contra obras na zona das Alagoas

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“Lagoa está de luto”, “Querem matar o ecossistema”, “Vamos salvar as lagoas de Lagoa”, foram algumas das frases expressas em faixas exibidas por populares, portugueses e estrangeiros, na manhã deste domingo  reunidos na rotunda junto ao sítio Alagoas Brancas, perto da estrada que liga a cidade de Lagoa à localidade do Carvoeiro, junto ao que resta de uma pequena zona húmida habitada por mais de 70 espécies de aves e onde, ao que se sabe, será construído um hipermercado Continente.

José Manuel Oliveira

A manifestação, que decorreu de forma pacífica, começou com quase 40 populares. Com o decorrer da manhã, o número de pessoas, com jovens e crianças à mistura, foi aumentando, atingindo cerca de uma centena, apesar da chuva. Quando por volta das 12h00 foi lida e aprovada por unanimidade uma moção, em português e inglês, estavam no local, como Algarve Vivo pôde constatar, pouco mais de 70 indivíduos. Marcaram presença nesta ação de protesto, além dos promotores da manifestação e residentes na zona, o dirigente da associação ambientalista Almargem, João Santos, e o deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, João Vasconcelos.

EVITAR CRIME AMBIENTAL

Na moção, os populares decidiram “exigir a quem de direito que não seja permitida a continuação das obras, impedindo a destruição da área em causa; que esta zona passe a pertencer à Área de Reserva Natural e seja um espaço de observação de aves e de educação ambiental, evitando assim mais um crime ambiental.”

“A zona em causa não é de águas estagnadas, alagando-se especialmente durante o período das chuvas e é composta por linhas de água a céu aberto. Com a destruição do habitat, as aves que atualmente aqui passam o Inverno, estarão em perigo de extinção iminente”, alertaram.

O documento será enviado ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao primeiro-ministro, António Costa, bem como ao ministro do Ambiente, aos grupos parlamentares da Assembleia da República e responsáveis autárquicos do concelho de Lagoa.

MAIS UM SUPERMERCADO

“O que está aqui em causa é quererem construir mais um supermercado numa zona de três quilómetros onde já existem cinco, seis, assim como o facto de haver muitas construções devolutas que não são reutilizadas e irem ainda destruir uma área importante para Lagoa porque é a que deu origem ao seu nome, a qual tem uma quantidade de aves, pelo menos 71 espécies já anotadas que a visitam. Isto seria uma mais-valia para a cidade, para o Algarve em termos de turismo e para os cidadãos que aqui vivem” , disse à Algarve Vivo Anabela Blofeld, portuguesa e uma das promotoras desta manifestação.

Sobre a nova grande superfície comercial “sabemos pouco.” “Da parte da Câmara Municipal e da União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, quando pedimos informações, é tudo, tudo muito devagar. Conseguimos que a Agência Portuguesa do Ambiente parasse a obra por enquanto porque pelos vistos não tem licenças. Isto, depois de, supostamente, ter sido a entidade que deu autorização para que este terreno passasse de agrícola para urbano. Tal não se compreende porque esta lagoa já existe há muitos anos, o que está documentado por habitantes, com a visita dos pássaros e de pessoas que vinham brincar para aqui e que têm conhecimento da beleza que sempre houve. Mudaram a classificação deste terreno para a designação de urbano como se não tivéssemos construções suficientes”, lamentou Anabela Blofeld.

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ZONA DEVIA SER RESERVA NATURAL

Por sua vez, o inglês Carl Hawker, outro dos promotores desta ação de protesto, salientou ao nosso ‘site’: “Esta zona deveria ser uma reserva natural e poderia ser uma mais-valia para Lagoa, como temos a Lagoa dos Salgados, em Silves. Se for bem tratada, com os mil e tal pássaros que estão aqui a qualquer altura durante o dia, nove meses por ano (como é evidente em julho e agosto seca um pouco a parte de pântano e ficam só nas ribeiras) e a ajuda da Câmara Municipal, como se fosse um parque natural imposto com proteção pelo Governo, poderia ser, insisto, uma mais-valia, por exemplo, para o turismo nesta zona do Algarve.”

E acrescentou: “Se esta zona de Lagoa fosse preservada, poderia atrair centenas de pessoas semanalmente para o mesmo objetivo, isto se tal fosse divulgado como deve ser por parte da Câmara. Seria um parque das aves com entrada paga de forma mínima, um euro, só para manter atividade na zona. Já trabalhei em Reservas Naturais e conheço muito bem como tudo isto precisa de ser divulgado.”

ALDEAMENTO OU HIPERMERCADO?

Sobre a falada construção de um hipermercado na zona de Alagoas Brancas, Karl Hawker observou: “Em Portugal, toda a gente fala por alto e ninguém tem provas. Não sou assim. Os homens da construção disseram que vai ser um aldeamento, outra pessoa também da construção diz que será um ‘Continente’ e a Câmara Municipal de Lagoa não revela o que é, apesar de já terem sido enviadas para a secção de obras à volta de 30 cartas a pedir explicações. Até agora, nem uma resposta a dizer o que vai ser construído aqui. É por isso que tenho uma reunião com o presidente na próxima quarta-feira à tarde.”

OBRA PARADA POR FALTA DE LICENÇAS

Se nada for resolvido, mesmo assim “vamos continuar com as coisas para abrir os olhos das pessoas”, garantiu aquele residente. “A obra, destinada a limpar a zona, já foi parada por falta de licenças. E o que está a ser feito? Estão a colocar entulho para endireitar a zona. Então, para já está ilegal. Ainda que tivesse sido parada para já, ainda não sabemos em que ponto podemos ir com isso”, notou Karl Hawker. Questionado acerca da possibilidade de interpor uma providência cautelar, referiu desconhecer como tal se processa. “Não sei como isso é. Precisamos de um bom advogado. Mas como este terreno já foi vendido em 2008, com a outra Câmara Municipal… Sabemos que o proprietário foi avisado pela Câmara para fazer uma zona agrícola, que foi passada para uma zona de construção. Gostava de saber como e porquê. Alguém lá dentro de certeza que fez a malandrice”, sublinhou.

Um dos principais visados pelos populares presentes na manifestação foi o ex-presidente da Câmara Municipal de Lagoa, o social-democrata José Inácio Marques, que se escusou a prestar declarações à Algarve Vivo, para além de sugerir a consulta dos documentos relativos ao caso. Ainda assim, o autarca ao tempo do início deste processo afirmou não pretender “entrar em polémicas, para mais em ano de eleições” autárquicas.

TONELADAS DE ENTULHO PARA ATERRAR LAGOAS

Já João Santos, dirigente da Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, declarou: “Por aquilo que a gente sabe ou pelo menos pelas informações que temos, pensamos que quem estava a fazer a obra é uma empresa ligada à Sonae. Já na altura se falava que iam construir um ‘Continente’ em Lagoa, mas numa zona diferente, junto à EN 125. E agora, de um momento para o outro, parece que mudaram para aqui… mas penso que a ideia terá a ver um pouco com um acordo que fizeram com a Câmara. Por isso, é que esta também tem-se mantido completamente fora disto. Há duas semanas começaram a fazer terraplanagens. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, que agora embargou a obra, só havia licença para limpar a vegetação, mas não para movimentar as máquinas. Contudo, já começaram a pôr neste local toneladas de entulho para aterrar as lagoas. Portanto, vamos esperar que isto seja embargado e mudada a perspetiva, assim como que a Câmara perceba que esta zona pode ter outro destino bem mais interessante e que o próprio dono, a Sonae, perceba que tem de arranjar uma solução alternativa.”

EXECUTIVO CAMARÁRIO “NADA PODE FAZER”

Caso contrário, alertou João Santos, “é um crime ambiental que está aqui.”. Por outro lado, recordou, “acho que em termos legais, como a própria Câmara está farta de dizer, não há muito por onde pegar porque isto estava no Plano Diretor Municipal, na altura houve discussão pública do mesmo e que eu saiba ninguém se pronunciou, ou pelo menos ninguém achou estranho. Há meses, segundo o que sei, a Junta de Freguesia defendia isto que estamos agora aqui a defender: tentar, pelo menos, preservar a zona da lagoa. Mesmo que construíssem outras coisas, que a lagoa ficasse. Mas agora, a própria Junta já nada diz…”

AVES PROTEGIDAS PELA UNIÃO EUROPEIA

Aquele dirigente contou à Algarve Vivo que “existe uma lista com mais de 70 espécies de aves vistas nesta zona, entre elas duas muito significativas: o hibis-preto  e o colhereiro. São duas das várias espécies estritamente protegidas por leis comunitárias e, onde estão, as autoridades locais têm obrigação de preservar esses espaços. A nível nacional, já fizemos tudo o que tínhamos a fazer. Comunicámos à Inspeção-Geral do Ambiente, que abriu um processo, mas já respondeu a dizer o que a Câmara de Lagoa tinha dito e aceitou a justificação. No plano internacional, a solução era enviar uma queixa à União Europeia, mas isso perdeu fôlego desde que aumentou o número de países. Isto, porque devem ser centenas e centenas de queixas que chegam àqueles organismos.”

SONAE AINDA NÃO RESPONDEU

Como tal, o que resta é pressão junto da Câmara de Lagoa, defendeu aquele dirigente ambientalista. “O terreno é privado, mas a autarquia tem toda a obrigação de tentar chegar a uma negociação com o proprietário. Não sei se é possível, mas no mínimo há que tentar conciliar as duas coisas: a construção, por exemplo, de uma loja ‘Continente’ que não ocupasse todo o espaço nesta zona, e ao mesmo tempo preservar e recuperar a parte por detrás das lagoas, que é uma área muito pequena. Foi essa a proposta que apresentámos como solução mínima, na passada semana, em carta dirigida ao presidente da Sonae, Ângelo Paupério, que é irmão do dono da empresa que está aqui a fazer esta obra, mas ainda não obtivemos qualquer resposta.”

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