Telefones são a vida do colecionador Florindo dos Santos
O primeiro telefone nasceu em 1856, pelas mãos do inventor italiano António Meucci. Por dificuldades económicas, vendeu o seu invento ao escocês Alexandre Bell, dez anos depois.
Este registou a patente, em 1866, ficando conhecido como o seu inventor. Entretanto, tinha feito as modificações que deram origem ao telefone Bell, que veio a ser instalado nas redes de Lisboa e Porto, em 1862. Em 1867, aconteceu a primeira comunicação telefónica em Portugal.
Foi assim que Florindo dos Santos, 88 anos, técnico de comunicações aposentado, amante e colecionador de telefones e afins, iniciou a conversa, na sua garagem, onde já falta espaço para expor com dignidade a sua vasta coleção. É um espólio recolhido ao longo dos anos e que deveria estar num local digno e com acesso ao público, com destaque, sobretudo, para os jovens que só conhecem os telemóveis.
Segundo disse ao Portimão Jornal, já teve contactos com o Museu da cidade, mas o espaço que lhe disponibilizam tem uma área igual à que possui, o que não justifica a mudança.
NÃO ERA FÁCIL TORNA-SE TÉCNICO DE TELEFONES
Florindo dos Santos acabou os estudos na Escola Industrial e Comercial aos 17 anos. Depois, trabalhou seis meses numa serralharia, a ‘Luz e Castro’, onde o primeiro trabalho que lhe deram foi fabricar uma roda dentada para uma traineira, apenas com martelo, serrote e escopro. Depois, abriu concurso para técnicos de telecomunicações. Concorreu e foi aceite.
“Comecei em 1953, com 19 anos. No dia 14 de julho, tive o meu primeiro contacto com um telefone. Já os tinha visto, mas nunca lhes tinha mexido. Encontrei um monitor com uma enorme vocação para ensinar, o Fernando Graça. Abriu o telefone e explicou o seu funcionamento aos dez formandos, nos quais eu me enquadrava, juntamente com o Lopes, também de Portimão. No dia seguinte, um teste. E depois foram nove meses de estágio, em Lisboa, a entrar nas aulas de manhã e a sair ao fim do dia, esgotado, pois os professores despejavam matéria de hora a hora: altas frequências, telegrafia, organização administrativa, cabos telefónicos, comutação automática”, foi contando, com um misto de orgulho e de amor à profissão que abraçou.
“Foi na altura em que começou a romper a formação nas escolas industriais. Os que reprovavam nos estágios dos CTT, tinham todos as portas abertas na CUF, na Marconi, nos TLP ou na Ericsson”, revela.
Os técnicos que receberam esta formação estavam aptos a trabalhar com telefones, telégrafo, telex e sistemas de comunicações interiores e exteriores, vulgo altas frequências e cabos. Florindo dos Santos iniciou-se nos cabos na instalação das redes telefónicas de Beja, Cuba e Serpa, tendo montado a quase totalidade da estação desta última localidade.
“Estive três anos em Beja, incorporado numa equipa vasta, dando assistência até Castro Verde, até que regressei a Portimão, onde sempre tive residência. Depois, fui convidado para ir dar formação, em Lisboa, e aceitei. Estive lá seis ou sete anos e ensinei pessoas que se espalharam pelo país inteiro. Quando foi a automatização, o engenheiro Serra chamou-me ao conselho de administração e deu-me a escolher entre a estação automática da Praça de D. Luís, a central internacional, ou o regresso a Portimão. Regressei e isto começou a desenvolver-se a nível do turismo, os hotéis começaram a aparecer e as pessoas a contactar-me e, a partir das 18h00, comecei a fazer trabalhos para os privados, instalando ou dando assistência técnica às centrais das unidades hoteleiras”.
Reformou-se com 36 anos de serviço e 56 de idade, mas os privados continuaram a solicitar a sua colaboração. Como gostava do que fazia e “quando se gosta, não é trabalho”, foi dando assistência. E arranjou passatempo, escreveu para um jornal desportivo que veio a falir, mas também não tinha tempo nem feitio para andar atrás dos futebolistas e para ver jogos, à tarde, à noite, no inverno com frio. E ainda mais, de ter de ir para Faro.
Entretanto, começou a tratar dos seus telefones. “Houve uma pessoa que me influenciou muito neste campo, o meu filho Carlos. Após o seu falecimento, fui perdendo o gosto por estas coisas e, como já não podia acumular mais lixo, comecei a deitar fora e a inutilizar, a queimar papéis e documentos, o que hoje lamento. Há meia dúzia de anos, tive outro percalço na vida e decidi ocupar o meu tempo, embora fosse pouco o que tinha livre, porque ia ajudar os meus pais no campo. Depois adoeceram e vieram para a minha casa. Mais tarde, veio a minha sogra. Mas arranjei espaço e fui arrumando e instalando alguns sistemas, que funcionam”.
TRABALHO DIGNO DE ‘ENGENHEIRO’
“A parte social é complicada. Quando a estação de Serpa foi inaugurada, eu não estava presente, porque a massa trabalhadora era sempre sacudida. Veio a comitiva de Lisboa, o meu trabalho estava bem feito, tinha visualização e vinha lá um engenheiro curioso, de seu nome Hilário Cruz, que ia perguntando quem tinha feito o trabalho e a resposta era sempre a mesma, o engenheiro Madureira, que era o responsável pelo projeto, mas que nunca tinha entrado na sala. Até que ele perguntou: ‘Mas o Madureira fez isto tudo sozinho?’”
A ‘AVARIA’ DO TOQUE DO ‘BOTÃO’
“Quando o hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo, foi ampliado, começaram a ter um problema com os telefones, chamaram-me e disseram-me para descobrir e reparar a avaria. O pior é que não existia qualquer avaria e a situação acontecia principalmente com uma telefonista francesa que lá trabalhava”, foi confidenciando ao Portimão Jornal.
“Eles tinham-se habituado a ligar para os quartos sem usar a campainha, porque a descarga do condensador da linha telefónica fazia a campainha clicar e os clientes atendiam. Quando apareciam muitas chamadas, a telefonista não dava conta daquilo, carregava no botão de corte de energia e cortava-lhes o pio. Mas os condensadores descarregavam e as campainhas faziam todas ‘tlim’, ‘tlim’, e era toda a gente a levantar o telefone. E até descobrir aquilo? Um dia perguntei com quem é que aquilo acontecia. Disseram-me e, como ela fazia o turno da noite, tive de ir para lá, fora de horas. Até que às tantas ela deu um grito: ‘olhe, já está!’. Perguntei-lhe o que é que tinha feito e respondeu-me que carregara no tal botão. Ficou reparada a avaria”.
ESPÓLIO DEVERIA FICAR EM PORTIMÃO
Esta coleção, que será única na cidade, no Algarve e, talvez no país, necessita de espaço para ser montada e disponibilizada para visitas ao público, em condições.
Assim, quer fosse a autarquia, outra entidade pública ou até um privado ligado a esta área, a ceder um espaço digno, o colecionador estaria disposto a montar uma exposição permanente com este património, dando oportunidade aos residentes e turistas de ficar a conhecer a importância das telecomunicações no desenvolvimento do país.
É que, apesar de já ter tido várias propostas, Florindo dos Santos nunca aceitou levar a sua coleção para outras ‘paragens’, pois é na sua terra natal que gostaria que o espólio ficasse, mas não tem capacidade financeira para adquirir um espaço condigno.
COMITÉ CONSULTIVO REÚNE A CADA QUATRO ANOS
“Existe um comité consultivo internacional de telefones e telégrafo (CCITT), com sede em Genebra, o qual reúne de quatro em quatro anos e emite recomendações sobre as normas utilizadas em todos os setores de comunicações, a nível mundial, seja de frequências, espaço, sistemas de propagação e de comunicação. Isto permite a todos funcionar bem na mesma plataforma de trabalho”.
DOS CIRCUITOS AOS CABOS DE FIBRA ÓTICA
No passado, era muito difícil construir circuitos interurbanos e estes eram muito limitados. O primeiro foi entre Boston e Nova Iorque, cerca de 450 quilómetros, o que obrigou ao corte de cerca de dez mil árvores para construir os postes. Em Portugal, onde as distâncias eram menores, fazia-se um circuito, era pouco, fazia-se um segundo.
Se ainda era pouco, com esses dois construía-se um terceiro, um circuito-fantasma. Com o passar do tempo, começaram a usar-se circuitos de alta frequência, em que um circuito físico suportava sistemas para três vias de comunicação, mais tarde para 15 vias e hoje, com os cabos de fibra ótica, quase ilimitado.
Antes, era cobre e, durante e após a Segunda Guerra Mundial, o cobre escasseava. Construíram um fio metálico, em que o condutor interior era ferro com um banho de cobre, para o proteger. Mas tinha muito menos resistência e as avarias eram muitas.