“A música portuguesa está muito mal”
Texto: Mónica Pontes | Fotos: Carlos Pontes
A banda Íris foi criada em 1979, por quatro amigos que começaram a tocar na vila da Fuzeta. Entre bailes e bares surgiram uma série de concertos um pouco por todo o Algarve onde tocavam ‘covers’ e aos poucos foram criando temas próprios, ganhando um público fiel, sendo difícil encontrar alguém no Algarve que não tenha ouvido falar deles.
Depois de várias modificações na estrutura da banda, apenas em 1994 surgiu aquela que seria a sua principal formação original, e é com esta formação que em 1995, após 16 anos de existência, surge a hipótese de gravar o primeiro disco de originais.
Após vários sucessos ao longo dos anos, em 2007, tornaram-se na primeira banda de rock portuguesa a montar um espetáculo com uma orquestra e a gravar um CD e DVD durante esse concerto, com a ajuda do violinista búlgaro Emiliano Petrov, professor no Conservatório de Vila Real de Santo António, que reuniu o Essemble Petrov com músicos da Orquestra do Algarve.
Por diversos fatores, família, carreiras pessoais, projetos individuais a banda tem sofrido alterações no seu núcleo, mas sempre primando por qualidade e excelência dos músicos que a integram, mantendo-se o timbre e sotaque algarvio do líder Domingos Caetano, a ser o ‘cartão de visita’ da banda.
Como se sentem cada vez que tocam no Algarve? Acham que o carinho do público é diferente?
Claro. No Algarve é como estar em casa. As pessoas conhecem-nos e conhecem as nossas músicas, logo a interação é maior. Fora daqui não é tanto assim.
Consideram que há falta de apoio das autarquias e outras entidades para com os artistas e bandas algarvia?
Com toda a certeza. Há bastante falta de apoio. No Algarve há pessoas que, provavelmente não são algarvias, não apoiam o que os representa, são de plástico. Se temos um artista nosso, seja de que arte for, há que apoiar independentemente do tipo de arte, cultura, religião ou cor política. Tal como devemos divulgar e promover o figo e a alfarroba, também o devemos fazer com os artistas da nossa região. Só dependemos do público que nos apoia incondicionalmente. As autarquias são ‘snobes’ e continuam a dizer que o que vem de fora é que é bom, muitas vezes, de forma elitista ou por modernidades ou favoritismos.
Há alguns anos que não vão à FATACIL. O que mudou para isso acontecer?
Na altura, Lagoa tinha um presidente algarvio e que queria os artistas da região e não artistas por editora ou pacote. Agora o André Sardet faz um pacote de artistas, que vem de fora, fazem um péssimo espetáculo, muitas vezes sem ter em conta o público alvo e esses organizadores deviam ser escorraçados desse panorama e dessas funções. Esses empresários não apoiam nem os artistas algarvios nem tão pouco o Algarve. Só se interessam pela região como destino de férias e dos algarvios para os servir. Isso não é gostar do Algarve. E pior, as autarquias apoiam estas situações e atitudes.
Após vários álbuns e como todas as bandas rock, têm vocês também baladas lindíssimas. Sentiram necessidade de gravar um álbum de baladas?
Sim, porque nos sentimos injustiçados. A banda não é só o ‘Oh Mãe’ e o ‘Atira-te ao Mar’. O público ouviu os discos, as rádios ouviam os discos, viam que havia qualidade, mas continuamos a ser maltratados e ignorados. A essas músicas agradecemos, pois puseram-nos nos tops, mas somos muito mais que essas duas músicas.
Acham que esse álbum teve a promoção devida? Não consideram que foram poucos os concertos ‘intimistas’, de auditório?
Realmente não teve a divulgação necessária. O atraso no lançamento do álbum, o mau trabalho da editora e o facto de surgir um jovem com um sucesso. Pegam nesse tema e desenvolvem uma estrutura e merchandising em torno do mesmo, apenas em busca de lucros, não interessa uma carreira. Aquele tema fez sucesso nesse momento e assim passa diariamente e diversas vezes ao dia nas rádios, não havendo hipótese de entrada de outros artistas.
Apesar da banda ter tido vários elementos diferentes, o pilar é sem dúvida o Domingos. O que vos une?
Gostar de música é essencial, é o ponto fulcral da nossa união a par da amizade. Somos como uma família e todos gostámos de fazer música.
De todas as fases da música, qual gostam mais: a composição, o estúdio ou o palco e o contacto com o público?
São todas fantásticas. Isso é como perguntar a uma mãe de que filho gosta mais.
Qual ou quais são as vossas fontes de inspiração?
Tem a ver com os nossos gostos, com as bandas que gostamos de ouvir, com os instrumentos a tocar, com o estado de espírito que sentimos.
Como conseguem ter essa energia em palco?
Não sei bem explicar, mas logo que começamos a tocar tentamos chegar ao público e depois sentimo-nos em casa.
A banda é composta por músicos tecnicamente bons, porque é que nunca foi possível passar as fronteiras? É por apresentarem um reportório em português?
O cantar em português não é um entrave. Jamais venderia a alma ao diabo. A nossa onda e objetivo é a música em si e não o estrelato. Cheguei a rasgar um contrato na editora porque ficamos sem liberdade alguma e a mando de uns ‘entendidos da música’. Cheguei a Lisboa, li, não gostei, rasguei e vim embora. Depois ligaram-me para regressar que iam atender a algumas pretensões da banda. Nós queremos tocar e que as pessoas gostem, ninguém quer ser famoso. Se estamos em palco e o público gosta, somos artistas felizes. No entanto, sabemos que se vivêssemos em Lisboa as oportunidades e destino talvez tivesse sido outro.
Quais os projetos para futuro e agenda de concertos?
Como projetos estamos a preparar a reedição do 1º CD e estamos a fazer mais 3 temas novos com a participação de outros artistas do nosso panorama musical.
Como é que está a música atual?
A música portuguesa está muito mal. Está bem para as kizombas e os rappers, tendo em conta o que se escuta nas nossas rádios e de acordo com os cartazes dos festivais que se vem por aí. Quando vemos o Festival da canção e vence o Conan Osíris… há quem gosta, claro que sim. Mas já pensaram naqueles que estudam tanto, praticam horas a fio, fazem tudo com paixão e são postos de lado. Tantos que têm uma vida dedicada à música e estão na prateleira, como a Lena d’Água, Jorge Fernando, entre outros.
Está em risco esta arte?
Qualquer dia, a continuar assim, a guitarra deixa de existir, deixa de haver o prazer de dedilhar, de tocar um instrumento e haverá apenas sons, ritmos, barulho e para muito ruído a que chamarão música. A indústria da música fabrica o artista. Ninguém o conhece, ninguém sabe o seu percurso. Pouco importa. As rádios promovem, as editoras formam estrelas e são cabeças de cartaz nos festivais, muitas vezes com bandas a ganhar muito pouco, já que o bolo maior entre no bolso desses novos industriais/empresários da música, tirando aos músicos a sua liberdade de escolha, as suas vontades ou gostos. São marionetas, são estrelas ao serviço de um bem maior chamado lucro.