Pires de Sousa: “Não pinto como posso. Pinto como quero” 

Texto e fotos: José Garrancho, in Portimão Jornal nº64


A melhor escola é copiar os grandes mestres. O Ruben, com 70 anos, ainda copiava o Ticiano. Ia ali buscar qualquer coisa para se complementar. E esta malta, agora, não. A palavra mais vilipendiada do nosso tempo é ‘artista’. Até um jogador é artista”.

É desta forma que Fernando José Pires de Sousa, com 69 anos, inicia a conversa com o Portimão Jornal. Confidencia ter começado a desenhar desde a mais tenra idade, com a mãe a gritar-lhe para não riscar as paredes. Com 13 anos, abandonou a sua terra natal, Chaves, indo com a família para Moçambique, onde os outros miúdos lhe tiravam os lápis, porque os dele é que pintavam bem.

“Nem sabia que a arte existia! Só no secundário, quando comecei a estudar história, é que descobri e comecei a interessar-me pelos artistas, a estudá-los, mas sempre com uma ideia: aprender por mim próprio”, conta.

Considera que o “ensino académico é bom, mas preferia descobrir” por si “como eles faziam”. A partir dos 15 anos, começou a ter consciência de que o seu caminho era este. “Juntava-me com outros moços que pintavam e os estudos começaram a ficar para trás. Foi uma bronca com a família, mas aos 18 anos estava decidido. Depois, descobri uma escola privada de pintura, apoiada pela Câmara de Lourenço Marques, onde os mestres eram o Malangatana, artista plástico e poeta moçambicano famoso, o António Quadros e o João Paulo. Fui para lá, porque uma professora viu o meu trabalho e convenceu-me. No entanto, só queria aprender o abecedário da arte, a técnica da composição, nada mais”, recorda.

Regressado a Portugal, após o 25 de Abril, fixou-se em Portimão, onde já viviam a irmã e o cunhado. Mas esta não foi a única razão para ter tomado esta decisão.

“Está a ver este céu azul? Fiquei apaixonado pela luz e pelas pessoas e não me fui embora por causa disso. Fui convidado a ir para a Alemanha, mas não quis abandonar o meu país. O que me prejudicou imenso, porque lá faria outras coisas e aqui tive de fazer estas ‘porcarias’ para os turistas, como outros já faziam, senão ‘levava porrada’”.

Assim, Pires de Sousa tem vivido permanentemente num dilema: fazer as obras de arte que deseja ou aquelas que se vendem facilmente e lhe permitem viver, porque o tempo e o dinheiro não chegam para executar ambas.

“Felizmente, as pessoas têm evoluído, já compram outro tipo de obras e, se começasse agora, seria diferente. Também há o fator preço. Não posso vender um quadro com valor artístico pelo preço dos outros. Depois, começo a pensar que não o vou vender e fico pendurado com o dinheiro que gastei, porque as telas e as tintas são muito caras. Tenho de tirar proveito do meu trabalho”, explica.

Quando o Portimão Jornal questiona se as pessoas olham para a obra ou para o preço, antes de comprar, responde que depende da bolsa de cada um. “Depende do ambiente. No Algarve, não há colecionadores, nem mercado de arte. Houve, em tempos, em São Lourenço, de um alemão. Mas o homem morreu e aquilo fechou. Fazemos para o turista que quer levar uma recordação. Hoje, já se interessam pela arte abstrata, pintura criativa. Mas, se passa dos mil euros, já não se vende”.

Ainda não comecei a pintar!
“A pintura que quero fazer, a pintura criativa, ainda não comecei a fazê-la. Há uns meses, apanhei um susto e percebi que não sou eterno. E tenho tanta coisa na minha cabeça para fazer. E, depois, há malta que vem aqui buscar ideias. Não digo nomes, porque eles sabem quem são. Mas não posso fazer essa pintura em espaço público. Tenho de estar fechado, mentalizado. Tenho de arranjar outras condições para fazer esse trabalho. Quando estiver acabado, mostro. Entretanto, limito-me a fazer impressionismo, realismo, abstrato, sem ir muito além, porque aqui não há mercado para isso e a pessoa estaria a trabalhar ‘para o boneco’. Só vivo disto e nunca recebi um tostão de ninguém para comprar uma tela ou um tubo de tinta. Tive de andar a vender na rua, como sabe, para arranjar dinheiro para continuar a pintar. Orgulho-me disso”, revela.

Há uns anos que Pinto de Sousa ocupa um pequeno espaço na zona ribeirinha, junto ao Largo da Barca, onde passam os turistas que demandam os restaurantes famosos pelo peixe. É pequeno, mas tem muita luminosidade e está bem situado.

“Tive sorte com este espaço, onde não pago renda. Foi o doutor Vitorino que me abordou e me falou no local. Gostei, fui à Câmara Municipal de Portimão, foi aprovado por unanimidade. Quem vem às sardinhas acaba por tropeçar em mim”.

Prender-me a um estilo limitaria a minha criatividade
“Tenho várias tramas, vários caminhos, sou um tipo muito versátil. E fico parvo como é que há pessoas que agarram um estilo e passam a vida inteira a fazer o mesmo. Não mudam e não sei se é porque não querem ou se é porque não são capazes”, foi dizendo o pintor, enquanto mostrava quadros seus com técnicas diferentes, que atestam a sua versatilidade.

“É preciso saltar o muro. E há gente com técnica, mas sem capacidade para dar o salto”, constata, acrescentando que continua com a sua luta interna, “autorreprimido”. Esta seria a altura do ano ideal para se lançar na pintura criativa, pois os turistas são poucos e o tempo sobra, mas…

“Para isso, necessito de capital para empatar. Uma tela custa um balúrdio, cento e tal euros. As tintas são caras. Era bom se alguém me desse telas e tubos com fartura e me dissesse ‘pinta à vontade’. Assim, não!”.

Ainda assim, como diz, “o bichinho criativo está cá”. E, segurando o quadro que pintou aos 20 anos, assegura que aquela era a linha que teria seguido, se não tivesse ficado em Portimão. Depois, faz desfilar, perante os nossos olhos, vários estudos para quadros, em estilos diferentes, do abstrato ao ultrarrealismo, que é impossível não adorar. Sem dúvida que o bichinho está lá!

Espátula ou pincéis, eis a questão
Pires de Sousa pinta maioritariamente com espátula e explica porque as prefere aos pincéis: “É mais por uma questão de higiene. Agarras numa espátula com que estás a pintar, passas um trapo e está limpo. Com um pincel, tens de lavar e mais não sei quê. E passas a vida a comprar pincéis, que se estragam, enquanto tenho espátulas com vinte anos. E também dá mais gozo, dá outro ‘tac’, nós sentimos aquilo. E é muito mais rápido. Mas depende do que queremos fazer. Se for uma pintura mais clássica, é diferente e uso pincéis”.

Exposições são a montra dos artistas

“Não tenho trabalhos para expor. O pouco que faço, vou vendendo. Tenho um ‘stock’ reduzido e o que tenho é porque não quero vender. Melhor, não quero vender ao preço que as pessoas estão preparadas para pagar”, foi dizendo o pintor. Quando lhe perguntámos que conselho daria a um jovem que se quisesse iniciar na pintura, foi perentório: “Que não desista. Que vá pintar para a rua, à chuva e ao vento. Se não tiver espírito de sacrifício, não vale a pena”.


Algumas exposições até 2005

⇨ Sociedade de Estudos, Lourenço Marques (1973, 1974);
⇨ Museu Neutel de Abreu, Nampula (1975);
⇨ Mercado dos Escravos, Lagos (1981, 1982);
⇨ Casa das Artes, Lagos (1984);
⇨ Hotel Viking, Armação de Pera (1987, 1988, 1992, 1996);
⇨ Hotel Alvor, Alvor (1989);
⇨ Portarte, Antigo Mercado, Portimão (menção honrosa, 1991);
⇨ Junta de Freguesia, Portimão (1995, 1996);
⇨ Casa da Cultura, Loulé (1995);
⇨ Antigo Mercado, Portimão (1996, 1998);
⇨ Museu Rafael Bordalo Pinheiro, Lisboa e no Convento de São José, Lagoa, Retrospetiva – 25 anos de pintura (1998);
⇨ Maré d’Arte Galeria, Carvoeiro (1999, 2000, 2002);
⇨ Galeria Trindade, Lisboa (1999);
⇨ Bienal do Montijo, Montijo (2002);
⇨ Posto de Turismo, Moita (2003);
⇨ Festa das Artes, Lagoa (2004);
⇨ EMARP, Portimão (2005);
⇨ Bienal do Avante (2005);
⇨ Tem obras permanentes na ‘Complements Art Gallery’, Boston, Estados Unidos da América (EUA);
⇨ Tem obras em várias coleções particulares na Europa, EUA e Canadá.

You may also like...

Deixe um comentário