Hóquei Clube de Portimão supera todos os obstáculos
Texto: Hélio Nascimento | Foto: Kátia Viola
O Hóquei Clube de Portimão é um dos três clubes do Algarve que se dedica ao hóquei em patins. Muito boa gente, possivelmente, nem sabe que a modalidade existe nos respetivos concelhos. “Continua a ser complicado e continuam a haver poucos clubes. Além de nós, só o Roller Lagos e o Boliqueime praticam”, conta Carlos Resende, a alma do emblema portimonense, presidente e treinador e também um dos fundadores.
“É preciso que se desenvolva um trabalho de base direcionado às coletividades que já tiveram a modalidade. A própria associação deve fazê-lo, contactando as pessoas que se dedicaram ao hóquei e que ainda têm o bichinho, no sentido de reativarem as respetivas seções, e estou a lembrar-me, por exemplo, de Tavira, Faro, Castro Marim e Olhão. Para o mini hóquei é tão simples que até uns bancos servem de tabelas”, explica, afastando desde logo a hipótese de ser preferível, em sua opinião, criar um clube de raiz. “Vão meter-se em trabalhos”, avisa, ou não fosse Carlos Resende um profundo conhecedor da matéria.
Aparentemente indiferente às vicissitudes da região e aos problemas logísticos da modalidade, o Hóquei Clube de Portimão (HCP) nunca parou a sua atividade. Todos os dias, ao fim da tarde, dezenas de atletas desfilam pelo Pavilhão dos Montes de Alvor, dando vida a um projeto de 21 anos, com alguns altos e baixos pelo meio.
A frase “temos de fazer sempre mais do que os outros” é, de resto, um dos lemas de Carlos Resende, apelando ao gosto que é preciso incutir nos jovens, “caso contrário cansam-se e abandonam”, ou não tivesse o hóquei “uma enorme complexidade, ao contrário do futebol, que toda a gente sabe jogar”.
Dos fracos, porém, não reza a história. O HCP sagrou-se campeão regional de sub-13, o ano passado, numa competição que juntou clubes algarvios a alentejanos e até de Setúbal. “Assim teve mais valor. Foi preciso associar coletividades da zona setubalense para se poder fazer o campeonato. Ao todo, eram 13 equipas e foi um belo torneio”, vinca, relembrando o período áureo de há cerca de cinco anos. “Foi uma fase de ouro, em que dispusemos de conjuntos fora de série. Ganhámos títulos nos sub-13, sub-15 e sub-17 e fomos vice-campeões do Torneio de Encerramento, chamado Taça João Campelo, em sub-15, em plena zona da Associação de Lisboa”.
Hoje em dia o esforço é o mesmo e a vontade também, pese os problemas em “cativar jovens para treinar à noite, mais a mais no Algarve, onde escasseiam os clubes e quase não há competitividade, para além do facto de perdermos alguns jogadores, que, aos 17 e 18 anos, vão estudar para fora e seguem a carreira em outras cidades”.
Ainda sobre a reduzida expressão de clubes que se dedicam ao hóquei, e, quiçá, para contornar esse défice, foi recentemente criada a Associação de Patinagem do Alentejo e Algarve, uma nova denominação do organismo, precisamente para aglutinar mais emblemas. “E devia ser mais abrangente, penso eu, com a inclusão de Setúbal”, prossegue este amante dos patins.
11 anos ao ar livre e à chuva
A luta do Hóquei Clube de Portimão não é de hoje e data, praticamente, desde 1999, quando foi fundado. Um verdadeiro hino à resistência, como facilmente se compreende. “Treinámos e jogámos durante 11 anos ao ar livre e à chuva, na Quinta do Amparo, em plena cidade de Portimão. Não era fácil, mas tinha vantagens técnicas e fortalecia a mentalidade”, aponta Carlos Resende.
“Agora, não é permitido jogar à chuva, mas naquele tempo valia tudo. Tudo isto é um pouco da nossa história, desses tempos difíceis, mas, 21 anos depois, ainda cá estamos”, congratula-se, aludindo aos tais “altos e baixos” e ao “apoio incansável dos pais dos atletas”.
Fundamentalmente, o HCP está vocacionado para a formação. Já teve equipa de seniores e no início deste ano até chegou a haver alguns treinos para arrancar com os veteranos, mas depois apareceu a pandemia e a ideia está, para já, adiada.
“A minha esperança é que daqui a mais dois ou três meses as coisas melhorem, para dar asas às nossas quatro equipas”, as de benjamins, escolares, sub-13 e sub-15. Há ainda a classe de iniciação e, curiosamente, nos últimos três meses, surgiram “mais 30 atletas, para o hóquei e para a patinagem”. No total, a coletividade passou agora à centena de praticantes (cerca de 80 no hóquei em patins e 25 na patinagem), números que orgulham Carlos Resende.
“Porquê este aumento? Em plena pandemia, acredito que a juventude, depois de vários meses em casa, estava desejosa de ter atividade física e precisava de canalizar as energias. Daí terem muitos miúdos começado a aparecer nos treinos”, justifica o treinador que também é presidente.
No HCP, aliás, mal houve autorização para evoluir ao ar livre, os sub-15 foram exercitar-se para a Marina da Praia da Rocha. “É engraçado que vinham miúdos de Lisboa e do Porto para treinar connosco. Estavam cá de férias, e, sabendo dos nossos planos pela página do facebook, pegaram nos patins e fizeram companhia”.
Depois, em junho, Carlos Resende descobriu um ringue, pequeno e descoberto, na Pedra Mourinha, que serviu de local de treino, visto que então não era permitido ocupar os pavilhões. “A Câmara cedeu o espaço e nós aproveitámos”, atira, confirmando que a vontade férrea derruba quase todos os obstáculos. Hoje, naturalmente, as sessões decorrem no Pavilhão dos Montes de Alvor, a casa do HCP desde 2011.
O ‘nascimento’ da patinagem
A patinagem artística é a mais recente aposta do clube. Tem dois anos, depois do reconhecimento de que muitas crianças “gostam de patinar, mas não de hóquei”. Assim, na sequência do fecho de uma escola que tinha alguns alunos na modalidade, Carlos Resende foi convidado para ficar com a seção…e porque não?!
O professor que tem também a seu cargo projetos como ‘Portimão a Patinar’, ‘Ensinar a Sorrir’ e dá iniciação nas primárias e pré-primárias e ainda nos ATL e AEC (atividades extracurriculares), abraçou mais um desafio e enriqueceu a oferta do HCP.
“Há muitas meninas que vêm experimentar, gostam e acabam por ficar. Agora é um pouco complicado, nunca sabemos quantos vêm treinar, mas a verdade é que todos têm ajudado a minimizar este período. Temos um tapete à entrada do pavilhão, especialmente concebido para o efeito, para além de tudo o mais que nos é pedido e faz parte das normas de saúde”, indica, aludindo à crise pandémica.
A patinagem está a cargo de Sofia Moita, uma jovem alentejana, de Moura, que tirou o curso e faz patinagem. “Está cá a estudar e já conhecia a família dela, que está ligada ao hóquei em patins”, esclarece Carlos Resende, dando ainda conta de que, no hóquei, são três os treinadores: duas raparigas com os benjamins e os escolares e Fernando Fitas, um velho amigo do clube, nos sub-13, para além dele próprio, que, além de coordenador, treina os sub-15.
“Tivemos seniores até há dois anos, mas não correu bem. Não tem a ver com as derrotas, mas com as viagens e o desgaste das pessoas que têm as suas profissões, já que nós não podemos pagar nada a ninguém”. Aliás, como garante o nosso interlocutor, a vocação do HCP é outra. “Somos um clube de formação e o que realmente importa é o que projetamos para os miúdos. Num aspeto, a pandemia serviu para alguma coisa: frequentei um sem número de formações, aproveitei para aprender mais e tirei o nível três de treinador, que é o mais alto. Sabe, os treinadores tiveram de reaprender a treinar e a reinventarem-se, porque, com o distanciamento e as regras que temos de cumprir, tudo mudou”.
Elite Cup fez crescer o entusiasmo
Portimão recebeu, nos dois últimos anos, a Elite Cup, uma nova competição que reúne, em torneio de pré-época, as oito melhores equipas da temporada passada. A presença de hoquistas de topo e dos conjuntos mais fortes de Portugal trouxe benefícios para a região algarvia. “Foi muito positivo. Logo a seguir ao campeonato apareceram mais atletas, uns acabaram por ficar, ou seja, faz crescer o interesse. A cultura do hóquei em patins não nasce do nada e a televisão não alimenta muito, pelo que é preciso incremento e visibilidade. Veja o que sucede com o futsal, desde que o Portimonense está na I Divisão…”. Carlos Resende reconhece que o incremento foi grande. “Dos jovens que vieram aos treinos, entram sempre mais um ou dois. Se ficarem dez em 30 já é bom”, assevera. E não ficam aborrecidos pela falta de competição? “Acho que não. Fazemos situações, não de jogo propriamente dito, porque não vão à tabela, não atacam o adversário, e, embora eles gostassem mais de jogar, também se divertem”. Agora, “vamos esperar que isto não pior e que seja possível a abertura do treino, sem limitações, mesmo que a competição fique para mais tarde”, o que, segundo Resende, “não deve acontecer antes de março”.
Uma vida dedicada aos patins
Carlos Resende, 50 anos, é um incondicional amante dos patins. Nasceu em Moçambique e foi muito novo que chegou a Portimão, já “com os genes” do hóquei em patins. Esteve na fundação do Hóquei Clube da cidade, passou por outros clubes (Boliqueime, Lagos, Sporting e Tojal) e regressou a casa, a convite de João Almeida, o anterior presidente, que faleceu no autocarro da equipa, após um jogo em Beja. “Não podia virar as costas a isto”, diz, reconhecido a quem tanto fez pelo HCP e pela modalidade. Hoje, Resende continua a ser a alma do clube, multiplicando tarefas e dando ainda aulas de patinagem em projetos com escolas primárias, para além de ter feito parte dos órgãos da associação, onde é, naturalmente, uma figura respeitada.
Campeão de sub-13 também pratica natação
Dário Oliveira foi campeão regional de sub-13 e é um dos bons valores do clube, com um futuro muito promissor. Tem 13 anos, joga hóquei desde os 7, e, sendo de Portimão, é o único emblema onde tem evoluído.
“Foi difícil ser campeão, mas acho que merecemos. Treinámos para isso e depois estivemos sempre bem nos jogos”, considera o jovem, já devidamente equipado para entrar no ringue. Curiosamente, também pratica natação, na Portinado, sendo por isso um desportista na verdadeira aceção da palavra. E aptidões físicas não lhe faltam, como testemunhou ao Portimão Jornal.
“A natação é uma modalidade individual, e, como tal, se errar, erro só eu. No hóquei é diferente, o erro de um elemento acaba por ser de toda a equipa”, explica Dário, acentuando o que sente quando está em ação, em cada uma das atividades desportivas que pratica.
O jovem atleta tem, contudo, a sua preferência. “Se tiver de optar, mais tarde, por uma destas modalidades, escolho o hóquei em patins”, sustenta o estudante do 8º ano, que, entre muitos craques que gosta de ver atuar, destaca Hélder Nunes, o internacional português que joga agora no Barcelona, e Ferran Fon, o espanhol que representa o Sporting.