Opinião: O Brincar
Sónia Francisca Silva Psicóloga Clínica
(Especialista em Neuropsicologia e Psicogerontologia)
Email: sfspsicologia@sapo.pt, in Lagoa Informa Jornal nº168
O brincar, tem nos últimos anos, sido um bem de segunda necessidade quando deveria ser prioridade na vida das crianças.
A mudança nas sociedades, os horários de trabalho dos pais e a pandemia obrigaram que as crianças deixassem de usar a rua e se mantenham em ambientes estruturados com tarefas dirigidas. Acresce a sobrevalorização das capacidades cognitivas em detrimento das emoções, da criatividade e da imaginação.
Acontece que ter a possibilidade de imaginar, de criar, do ‘faz de conta’ das brincadeiras de criança, proporciona-lhe o desenvolvimento de competências cognitivas de forma natural e lúdica, imbuídas de emoções que pela participação do sistema límbico (área emoções), permitem que as aprendizagens fiquem armazenadas na memória e sirvam para experiências futuras.
Estes tempos, de ausência de rua, não possibilitam, igualmente a noção de limites, regras e risco. O brincar na rua permite que a criança se auto-regule, sabendo que só pode ir até determinada área (os pais avisaram, mas também confiaram), o cuidado com as estradas, com os vidros dos vizinhos quando jogam à bola. Se subirem a árvore ou o muro, têm de calcular o risco, e os sítios desconhecidos despertam a curiosidade, numa ambivalência entre medo e coragem. Isto não se aprende em ambientes fechados, a criança não tem de colocar os limites a si própria internamente, porque externamente eles estão lá através de barreiras de proteção. Queremos estimular a maturidade psicomotora e autonomia, certo?
As crianças precisam de mundo, pois é lá que irão viver. As competências para estar no mundo só se adquirem vivendo, correndo riscos calculados, estimulando a criatividade. Dar-lhes espaço para criarem; nunca as nossas crianças estiveram tão cheias de tudo e ao mesmo tempo tão vazias no seu mundo interno. Dar-lhes a possibilidade de imaginarem na ausência, do “faz de conta”, lembram-se das batatas que se tornavam animais? Enriquecerem o seu mundo interno.
O brincar prepara as crianças para o futuro, permite-lhes que assumam diferentes personagens, diferentes papéis (pais, médicos, doentes, professores, etc.), percebendo com o que se identificam e também a estimularem a empatia, a negociação. Experimentarem diferentes emoções, aprenderem a estar nas relações interpessoais, brincando com os seus pares. Precisamos de crianças empáticas, com valores, e de sociedades amigas das famílias, para que haja tempo/disponibilidade para brincar com os filhos.
Usem, nas leituras com os vossos filhos os contos tradicionais, são portadores de mensagens importantes para o psiquismo humano e lidam com problemas humanos universais: aliviam tensões e proporcionam soluções. As crianças podem identificar-se com as personagens e aprender, com recurso à imaginação e abstração a lidar com problemas do seu dia a dia.
Recomendo os livros ‘Contos de Grimm’, ‘O Principezinho’, de Antoine de Saint- Exupéry, ‘Libertem as crianças, a urgência de brincar e ser ativo’, de Carlos Neto e, usem a rua como brinquedo! Ofereça tempo aos seus filhos.