Macário Correia: “Câmara de Tavira emperrada”
Texto: Rui Pires Santos e José Manuel Oliveira | Foto: Algarve Vivo
O que recorda da sua atividade enquanto presidente da Câmara Municipal de Tavira?
Recordo-me de 12 anos de dedicação 24 horas por dia a toda a gente. Não tinha domingos, nem feriados, nem ‘dias santos’. Chegava a atender pessoas às tantas da noite, até às cinco ou seis da manhã. Andava por todos os buracos do concelho, pela serra, pelo litoral. Falei com toda a gente. Toda a gente que pedia para falar comigo, falava. Não é como hoje em dia, em que pedem para falar com a presidente [da Câmara Municipal de Tavira] e esperam semanas, ou meses, ou nunca têm uma resposta. Isso no meu tempo era impensável.
O que lhe pediam às cinco da manhã?
Uma licença para um muro, por exemplo. Levanto-me sempre cedo e num dia de Inverno, ainda de noite, vi luzes, um carro a chegar perto de minha casa e achei estranho. Eram dois velhotes de uma terra do interior da Serra da Conceição que queriam falar comigo por causa de um diferendo com um vizinho, devido a uma licença de um valado. Perguntei: então, isso é assunto para esta hora? E responderam-me: sim, sim. A gente veio aqui para o apanhar.
Resolvia todos os problemas das pessoas. Um dia tive um diferendo complicado entre dois velhotes num monte. Não se falavam e andavam à bulha um com o outro por causa de umas galinhas que esgravatam cascas de amêndoa para cima da terra do outro. Fizeram-me queixa daquilo. E disse: temos uma solução para isso. Eu vou lá, matamos uma galinha, levo as batatas, convido o vizinho e você e a gente come a galinha ou um galo (risos). Havia de tudo um pouco. As pessoas no Verão andavam pela baixa de Tavira e viam que eu trabalhava até horas tardias, viam a luz acesa e batiam, muitas vezes, à porta para falar comigo. Num dia aconteceu uma coisa curiosa, mas ao contrário.
E o que foi?
Antigamente, as funcionárias da limpeza trabalhavam até às sete e tal da tarde. E um dia apareceu-me uma funcionária a dizer: presidente, está lá em baixo um senhor com um boné para falar consigo, mas não sei quem é. Respondi: mande lá entrar o senhor. Era o Presidente da República, Jorge Sampaio (risos), sem segurança. Ele tinha casa no concelho de Lagos, estava com o filho, mas com o boné enfiado e uma camisola solta, a senhora não o conheceu.
Houve algum projeto que não conseguiu concretizar em Tavira?
Não fiz uma coisa que tenho pena: o hospital. Tinha tudo preparado, o terreno definido, o projeto em marcha e um acordo com parceiros privados para construir o hospital promovido por um consórcio, com dinheiro público e privado. Mas houve uma encrenca na Mesa da Santa Casa da Misericórdia, que não foi capaz de ultrapassar um diferendo de uma votação. Faltava resolver o problema e eu queria envolvê-los nisso, até que o investidor desistiu e foi construir o Hospital [de São Gonçalo] em Lagos, que, agora, o ministro da Saúde inaugurou como se fosse público [Hospital Terras do Infante], mas é privado. Era um Hospital ‘São Gonçalo’ que devia ter sido construído em Tavira. Tenho pena, porque o Sotavento necessita de um hospital como tem o Barlavento.
Que análise faz ao trabalho que está a ser feito na Câmara Municipal de Tavira?
Aquilo que eu sinto como cidadão é uma Câmara emperrada, em que as pessoas e as empresas dificilmente têm uma resposta. Não conseguem aceder aos serviços e, muito menos, aos eleitos. E hoje em dia, aquilo que sinto também em Tavira, e em muitos outros sítios, é que há uma desqualificação do poder político, quer no Governo central, quer no local. Há 30 ou 40 anos, sabíamos quem eram os membros do Governo. Eram figuras de referência da sociedade. Hoje, não sei quem são metade dos elementos que o compõem, nem sei o que fazem. Houve alguns do Algarve que foram para o Governo e não sei o que fizeram. Os bons gestores, os bons quadros, os bons técnicos, os bons universitários já não vão para o Governo.
Porque acha que isso acontece?
Por um lado, porque ganha-se mal, por outro porque as gigas-jogas partidárias foram tomando conta da política e as pessoas de craveira não se reveem naquilo. Os partidos não têm espaço de debate intelectual de qualidade. São cenas de cotoveladas para ver se um fica à frente do outro. Isso não é nada. Vejo políticos que são pessoas que não têm noção do que devem fazer.
Mas em relação a Tavira, o que acha de positivo e negativo neste concelho?
Nós, o que esperamos dos eleitos, é uma visão estratégica, uma visão liderante, que apontem um rumo e envolvam as pessoas, as empresas e a sociedade nesse caminho. Agora, quando as pessoas mais liderantes da sociedade, as empresas, os investidores, e os cidadãos não conseguem aceder ao poder, porque os eleitos fecham-se, acham-se importantes e não falam com ninguém… Não atendem o telefone, não respondem a uma mensagem…
Isso acontece com a atual presidente da Câmara?
Acontece. Há muita gente que vem ter comigo a pedir-me opinião de uma coisa ou outra, porque sabem que não conseguem falar com a presidente da Câmara. Recentemente, marquei audiências sucessivas numa esplanada de um café, com pessoas que queriam falar comigo, porque não conseguem aceder ao poder. E colaboro com essas pessoas, dou-lhes as informações que sei.
E já chamou a atenção à presidente do executivo camarário de Tavira para essas situações?
Já chamei várias vezes. Mas se ela quer fazer assim, se julga que está bem…
O que lhe diz a presidente?
Responde-me às vezes. Mas sei que não acontece isso com todos os cidadãos. Não estou a fazer um discurso contra a senhora em si. Se for a outras Câmaras Municipais, a situação é semelhante.
No Algarve?
Sim. Há uns bons anos, os presidentes das Câmaras Municipais eram pessoas com uma certa humildade e batiam-se pelas causas. Hoje, são figuras intermédias dos partidos e estão ali a ocupar um lugarinho a ver se um dia chegam a deputados, ou a outro lugar. Estão a ver a sua situação pessoal e a maneira de progredir e não estão envolvidos na resolução dos problemas das pessoas. É isso que eu sinto. Na administração pública, em geral, passa-se o mesmo. É um caos.
É por isso que se diz que pessoas como Macário Correia fazem falta à política e que o senhor tem de voltar. E se for pressionado pela população ou pelo seu partido?
Não, não. O partido pode pedir-me tudo e eu darei bons conselhos. O PSD tem de fabricar quadros e dirigentes. Não pode viver de situações revivalistas do passado. E voltar a ter cargos ativos na política seria um atestado de incompetência à geração atual. Os nossos filhos, os jovens, é que são o futuro.
Mas muitos jovens nem querem saber da política…
Alguns querem. Temos é de ajudá-los a seguir no bom caminho.
O CAOS EM FARO
O que recorda da sua atividade na Câmara Municipal de Faro?
Encontrei uma Câmara caótica, com uma desorganização administrativa brutal, uma desorganização financeira incrível, em que havia faturas por todos os lados, até em caixotes de papelão escondidos debaixo das secretárias. Um caos total. O meu antecessor foi o dr. José Apolinário. A situação financeira em que a Câmara estava era complicada, não só por ter dívidas grandes, mas por ter papelada à solta de verbas não cabimentadas, faturas que não estavam registadas na contabilidade. Ou seja, era um caos administrativo e financeiro bastante grande.
Qual era o montante da dívida?
Eram 50 ou 60 milhões de euros. E era dívida que estava desorganizada, não estava negociada, havia empréstimos por tratar, uma situação complexa com o Mercado Abastecedor, mas mais complexa com o Mercado Municipal. Ou seja, a imagem que tenho de Faro é: uma crise geral no país, cortes e apertos, e a Câmara não estava preparada para isso. Quando as Câmaras têm, digamos, estofo de retaguarda, aguentam a crise. Só que ali havia duas crises: a geral, no país, e a crise da própria Câmara. Portanto, andei a apagar fogos, a tentar pôr aquilo em ordem, a tentar fazer um plano de reequilíbrio financeiro. Cada vez que andava na rua, encontrava porta sim, porta não, alguém que me pedia para pagar faturas que a Câmara não pagava.
Conseguiu pagar as dívidas?
Fomos reorganizando a situação financeira. Não ficou resolvida, porque eram anos difíceis. Saí da Câmara num período ainda difícil, no ano de 2013, mas ficou traçado o caminho. Felizmente, nos anos seguintes, com a evolução da economia e com as medidas que estavam desenhadas, a situação foi resolvida e hoje a Câmara Municipal de Faro, tal como a de Portimão, respira saúde financeira. A de Vila Real de Santo António é que ainda não.
E o que mais foi feito?
Gostei de fazer muitas coisas, sobretudo a relação do presidente da Câmara com a população. As pessoas não estavam habituadas a uma relação de proximidade que eu tinha desde os Gorjões, à Culatra, Bordeira. Ainda ficaram algumas coisas feitas, como por exemplo, o Pavilhão da Penha, que estava enrolado há anos, abandonado e meio espatifado, com metade das obras feitas. Conseguiu-se pôr aquilo de pé e abrir. Consegui dar um arranjo à entrada da cidade (junto ao Fórum), que era um amontoado de lixo e de entulho, tendo-se tornado uma área verde e que é um dos principais parques mais procurados em Faro. Também foi feito o abastecimento de água a algumas localidades do interior do concelho.
A SAÍDA DA POLÍTICA
Saiu magoado com alguém do seu partido pela forma como deixou a Câmara Municipal de Faro?
Saí da Câmara sem ter perdido o mandato. Saí por uma pureza de princípios de alguns dirigentes do PSD. Havia gente que dizia que eu devia concorrer e ganhar. E havia outros que diziam que tinha um caso com a justiça e, portanto, era chato concorrer. O meu caso com a justiça era um caso administrativo. Nunca fui acusado de ter roubado um tostão, de ter desviado um tostão de ninguém.
Quer recordar esse caso?
Eu era acusado de ter feito bem a algumas pessoas [quando era presidente da Câmara Municipal de Tavira]. De ter permitido que algumas pessoas pobres tivessem uma casa. Era essa a minha acusação. E volto a dizer que um dia eu serei homenageado por isso. Tive a ousadia de autorizar famílias pobres da serra que tivessem uma casa. Tinha pareceres favoráveis de serviços públicos e dois tribunais deram-me razão – o Administrativo e Fiscal de Loulé e o Administrativo Central de Lisboa. Ou seja, dois níveis judiciais, o de base e o de apelação, disseram que eu fiz bem. Depois, houve um juiz do Supremo que disse o contrário. Há outro juiz do Supremo que anula a decisão do colega e depois sai de cena não sei porquê.
O que aconteceu depois?
Em seguida, recorri para que houvesse uma clarificação desta dualidade de posições. Mas, entretanto, como havia esses ‘floridos’ dentro do PSD de eu concorrer ou não, prescindi do recurso, disse que saía de cena para fazer outra vida. No dia seguinte, às 7h00 estava a preparar um processo de emparcelamento de duzentas courelas na serra, a preparar processos de investimento para implantação de alfarrobeiras e laranjeiras em dezenas de hectares, que estão aí a crescer.
Mas saiu, ou não, magoado com essas pessoas do PSD?
Não, não saí magoado. Compreendi a situação.
Sentiu-se empurrado para fora da autarquia?
Senti um desgosto da população que queria que eu concorresse. Fui muito pressionado para fazer uma lista de independentes e disse: não faço uma lista contra o PSD. Sempre fui do partido. Quis dizer que não estava com apego ao lugar de presidente da Câmara. De ficar ali, de querer aquela cadeira para mim e não sair. E disse: Querem que eu saia? Tudo bem. Amanhã, faço outra coisa. E fiz.
Na noite em que venceu as eleições para a presidência da Câmara Municipal de Faro, Rogério Bacalhau agradeceu, destacou muitas pessoas e ignorou o seu antecessor, Macário Correia. Como se sentiu?
Registei e não esqueço.
Tem falado com ele?
Sim, várias vezes.
E como é a sua relação com Rogério Bacalhau?
Sobre isso não vale a pena falar.
Curiosidades
Clube favorito: Suavemente benfiquista
Cidade favorita: Tavira
Uma virtude: Teimoso
Um defeito: Lacólico
Um livro: Quando os lobos uivam
Uma música: Alma algarvia
O que o faz feliz: Trabalhar
O que o entristece: Não ter nada para fazer