Projeto ‘No Coração do Bairro’ apoia juventude desfavorecida
Texto: Hélio Nascimento | Foto: D.R.
Quatro jovens dão corpo ao projeto ‘No Coração do Bairro’, um dos sete projetos algarvios da nona geração do ‘Programa Escolhas’, integrado no Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Ainda a dar os primeiros passos, uma vez que arrancou no dia 1 de outubro de 2023, tem as suas instalações no bairro Cruz da Parteira, mais propriamente na APPDA-Algarve, que é a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo. Neste curto espaço de tempo, conta já com 45 inscritos e prepara-se para deixar uma marca indelével na comunidade portimonense.
O programa tem como objetivo contribuir para a inclusão escolar e educação não-formal, para a participação e cidadania e para o apoio ao diálogo intercultural, através de auxílio terapêutico, desporto e ocupação saudável dos tempos livres, desenvolvendo, também, competências pessoais e sociais. Destina-se a crianças e jovens entre os 6 e os 25 anos, intervindo junto dos familiares e elementos da comunidade dos bairros de Portimão, em parceria com algumas entidades.
Paula Santos é a coordenadora. Tem 30 anos, formação em animação sócio educativa e trabalha neste campo há cinco, na sequência de uma paixão antiga. “Sempre gostei de trabalhar com crianças e, desde cedo, mostrava apetência. Tive a oportunidade de integrar um projeto semelhante, com crianças e jovens em risco, experimentei e gostei imenso”, diz ao Portimão Jornal, na companhia das suas colegas.
Júlia Soares, 23 anos, é monitora, licenciada em educação social e chegou do norte do país em setembro, para ter a primeira experiência na área. Por sua vez, Jéssica Cavaco, 30 anos, é a psicóloga do grupo e uma técnica com seis anos de atividade, depois de ter tirado o mestrado no âmbito da educação e necessidades educativas especiais. Já estava na APPDA e dava consultas. Leonor Mestre, 22 anos, completa o quarteto, sendo licenciada em desporto de natureza e turismo. Após acabar o curso, fez um estágio na faculdade e esta é a primeira experiência profissional no género. À exceção de Júlia, são todas algarvias.
A recetividade tem sido significativa
Como se depreende, ‘No Coração do Bairro’ pretende promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis, visando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social. Financiado pelo ‘Programa Escolhas’, um programa governamental, de cariz nacional, que foi criado em 2001 e integrado no Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), é um dos sete projetos aprovados no Algarve. O foco reside em desenvolver competências sociais, em alguns bairros de Portimão, casos do Pontal, Cardosas e Cruz da Parteira, virado para as crianças e jovens dos 6 aos 25 anos.
“A APPDA é a entidade gestora e temos vários parceiros”, explica Paula Santos. “Há mais seis projetos deste tipo no Algarve, com outros nomes e especificidades. Aqui, temos cerca de 45 inscritos, incluindo alguns pais e quatro voluntários, e trabalhamos nos bairros, com ações diversas. Desde outubro, quando começámos, que a recetividade tem sido grande, com muitos jovens da cidade. Atingimos números bons para um projeto iniciado recentemente e de certeza que até ao final do programa, em setembro de 2026, vamos atingir os objetivos traçados”.
Júlia Soares, a monitora nortenha, adianta que está a viver “tempos espetaculares”, depois de ter trabalhado na área como voluntária, em faixas etárias diferentes, nomeadamente bebés e idosos. “Com esta faixa é diferente. Ajudo nas atividades, no estudo, nos trabalhos de casa, no mundo digital dos computadores e atividades de datas comemorativas. E vamos aos centros comunitários dos bairros onde há mais proximidade”, acentua, aludindo ao quotidiano.
Público com vulnerabilidade social
A psicóloga Jéssica Cavaco é responsável por duas atividades, uma direcionada aos pais, promovendo competências parentais, tipo alimentação saudável, e a outra mais a nível da terapia, da fala e ocupacional, e, claro, da psicologia.
“Fazemos um acompanhamento semanal, porque falamos de público com vulnerabilidade social e dificuldades de aprendizagem, em que é preciso intervenção”. Abordar os pais é um ponto de partida, para os “sensibilizar, de modo que tudo corra melhor em casa, o que tem sido positivo, ao mesmo tempo que vamos introduzindo as nossas ideias”.
Na vertente desportiva, a ‘especialista’ Leonor Mestre dá conta da prática de boxe, no Centro de Treinos, e de natação, na piscina de Alvor. “Os miúdos gostam imenso de desporto e de sair, têm uma reação incrível e denotam bastante entusiasmo. Vamos ter outras modalidades”, frisa, referindo que, no caso do boxe, são cinco os praticantes, quatro rapazes e uma rapariga, entre os 7 e os 11 anos, que treinam com outros petizes.
“Abrimos também aos sábados, tal como nos foi recomendado. Aqui há muitos meninos com pouco para se distraírem, pelo que propiciamos várias atividades. E eles vão criando hábitos, mostrando vontade em participar”, explica Paula Santos. A captação foi um processo gradual, na sequência de reuniões com pessoas ligadas aos bairros e aos centros comunitários e ainda da Câmara Municipal. O programa conta com alguns parceiros, “que ajudam e contribuem de várias formas, com apoios humanos ou financeiros”, acrescenta a coordenadora.
Um trabalho “muito desafiante”
Voltando ao tema captação, houve distribuição de panfletos, quase porta a porta na Cruz da Parteira.
“A Jéssica conhecia alguns pais, o que facilitou. Atrás de um miúdo vem o primo, mais outro amigo e até a família. Há sempre meninos novos e vamos construindo os horários”, prossegue Paula Santos, destacando o trabalho de equipa das quatro responsáveis. “Há sempre muito a fazer, do trabalho técnico às reuniões, às questões que nos são colocadas e às datas para cumprir”.
A satisfação é evidente nos rostos de quem coordena e desenvolve todas estas tarefas. Lidar com estes miúdos é, igualmente, “muito desafiante, obrigando a estar sempre no limite e sem descurar a gestão do comportamento”, sublinha a psicóloga Jéssica. “A aprendizagem é gratificante e adquire-se uma enorme bagagem”, num meio em que os jovens são interessados e respeitadores.
Num leque tão vasto de idades, que se estende dos 6 aos 25 anos, é necessário atender às particularidades inerentes a um menino ou a um adolescente. “Consideramos que é mais difícil trabalhar com os mais velhos. Têm poucos interesses, ou interesses de outra ordem, pelo que é preciso adotar estratégias e pensar o que se deve fazer para aquelas idades. Também compreendemos o lado deles e a chave é encontrar um ponto de equilíbrio que agrade à generalidade”.
Viagens para fora
Tratando-se de um projeto em vigor até 2026, os principais objetivos passam por diversificar as atividades e estabelecer novas parcerias em Portimão, com outras associações, sempre no sentido de estimular a juventude.
“Queremos fazer viagens para fora do Algarve, uma vez que temos crianças que nunca saíram da região. Quando chegarmos a setembro de 2026, as crianças estarão certamente mais integradas na sociedade, com outra visão. Acredito que vamos consegui-lo. Isto é um processo com alguma duração, não é para fazer apenas num ano, temos três pela frente, o que é mais razoável e permite outra facilidade para que os nossos objetivos sejam alcançados”.
Focado na área da educação e da formação, com as atividades e terapias já enunciadas e até uma sala sensorial, ‘No Coração do Bairro’ tem uma outra área, mais ligada à participação cívica. “Podemos sempre aceitar mais miúdos, desde que seja necessário atuar e intervir. Temos uma grande abrangência e acho que estamos bom caminho”, reforça Paula Santos, ciente de que o rumo está bem traçado.
Quanto aos pais, dispõem ainda de atividades próprias, “pois também queremos que eles se envolvam, nomeadamente na abordagem a temas pertinentes”. A coordenadora e as suas colegas acreditam no crescimento a curto prazo, inclusive porque “o amigo chama mais um amigo e, desde que gostem, aparecem sempre, pelo que vamos ter muitos mais inscritos e participantes”. Num rápido balanço de presenças, as raparigas estão na dianteira, em termos quantitativos, mas o registo é muito equilibrado e os rapazes andam perto, num universo que reúne um vasto leque de comportamentos.
“Somos todos iguais”
Matéria muito atual nos tempos que correm, a inclusão não ficou à margem da conversa com as responsáveis do projeto. “Obviamente, não pode haver discriminação. Entre o nosso público alvo, há muitos jovens de etnia cigana, e não só, temos igualmente descendentes de emigrantes e sentimos tudo isso. Eles também se apercebem de alguma discriminação, pelo que a nossa principal missão é passar a mensagem de que somos todos iguais, seja pela etnia ou pelo sítio de onde vimos. Importa que eles se sintam mais dentro da comunidade”, vinca Paula Santos, aludindo à comemoração de algumas datas com peso significativo, casos, por exemplo, do ‘Dia da Internet Segura’ ou da Comunidade Cigana. “Importa falar sobre estes temas e esclarecer certos pontos de vista”.
Formação permite mais qualidade
Sendo o ‘Programa Escolhas’, de âmbito governamental, subsidiado pela Comunidade Europeia, o perfil do participante, o absentismo, as necessidades educativas e o contexto familiar são sempre tópicos de primeira importância. Depois, entra o trabalho das responsáveis, assente nestas premissas e nos sequentes desenvolvimentos. “Todas planificamos e executamos as atividades que são realizadas junto dos jovens e das suas famílias. Também há ações de formação, sobretudo via online – já houve sessões presenciais –, o que nos permite trabalhar melhor e ter mais qualidade, absorvendo novas ideias e planificando toda a atividade”. Uma palavra de apreço para as voluntárias, quase todas da área da psicologia, que “querem ter contexto e começar a aprender”. Trata-se de uma mais-valia significativa, em especial “porque gostam de estar aqui e de lidar com os miúdos”, todos eles a frequentar estabelecimentos de ensino.