Opinião Pandemia de solidão

Texto: Pedro Manuel Pereira, Historiador


Após o advento e massificação do uso dos computadores acessíveis a todos os indivíduos, sobretudo a partir de finais dos anos oitenta, ocorreu (e ainda ocorre) uma revolução nos mais diversos sectores das relações laborais e de igual modo nas relações interpessoais. Para tanto, neste último aspecto, contribuíram o nascimento de programas de voz e de imagem ao vivo, as redes sociais, como o Skype (2003), o Facebook (2004), o VoipStunt (2005), o Twitter (2006), agora X, o Whatsapp (2009), o Instagram (2010), Telegram (2013) e tantos outros, que vieram para ficar, alterando a forma das pessoas se inter-relacionarem, mantendo a distanciação física, que se reproduz de forma desastrosa no círculo familiar e de amizades.

De recordar, no entanto, que antes da pandemia da covid-19, já outra “pandemia” havia, ou seja, a solidão, resultante do distanciamento e isolamento social por via das redes sociais, que proporcionam um novo modo de contactarmos uns com os outros, de forma virtual, através de monitores de computadores ou de telemóveis.

Durante a covid-19, o isolamento a que as pessoas foram obrigadas, começou a reflectir-se no surgimento de novos modos de vida, como o trabalho remoto, que redundou (e redunda) numa residual deslocação ao local de trabalho e ao aumento da laboração através dos meios digitais. Com a pandemia, a solidão acentuou-se para milhões de pessoas. O isolamento social, o distanciamento físico, as restrições de movimento e os confinamentos, contribuíram para que muitas pessoas se sentissem mais sozinhas e desconectadas do mundo físico. A necessidade de evitar aglomerações e o medo de contrair o vírus levaram a uma redução drástica do convívio físico social e familiar presenciais.

Hoje, passada a pandemia, as pessoas ganharam novos hábitos de comunicação pessoal. Passam mais tempo interagindo com amigos e familiares online, compartilhando fotos, notícias e mensagens, ao invés de modo presencial. Isso criou a ilusão de conexão, sem que substitua a interação face a face, o toque físico, como um beijo, um aperto de mão entre seres sociais que são os humanos.

Mas também, outro aspecto é de referir como verdadeiramente fantasmagórico, que é a forma dos familiares e/ou amigos deixarem de atender os telemóveis/telefones entre si, o que à primeira impressão se aparenta normal, dado que razões várias podem impedir o atendimento de uma chamada. O mais grave é que raramente ou nunca, retornam o telefonema. E esta situação acontece uma, duas, três, vezes sem conta até o dia em que o amigo ou familiar se cansa de ficar pendurado nas chamadas sem resposta para a outra criatura. A partir de então, como é natural entre seres humanos, o relacionamento ficou cortado, porque a outra parte assim fez – porque o deseja – para que tal aconteça.

Assim, o isolamento social vem-se tornando uma grave preocupação, que afecta milhões de pessoas em todo o mundo, acrescidamente devido a outros factores como:

Questões Económicas
As dificuldades financeiras, num mundo em crise económica que se vai tornando sistémica, contribuem para impedir a participação em actividades sociais e de lazer. A falta de recursos materiais, pode levar a um afastamento gradual e constante do convívio social e familiar.

Questões Médicas
Algumas doenças contagiosas, como a hepatite, a tuberculose e o HIV, ainda são estigmatizadas, levando os portadores dessas (e outras) doenças, a afastarem-se permanentemente do contacto com outras pessoas. As pessoas com deficiências (como cegueira ou surdez) também podem enfrentar isolamento social devido a barreiras de comunicação.

Idade
Os idosos, devido a um crescente aumento de esperança de vida, constituem uma faixa etária com tendência a ficarem privados do contacto social e familiar, à medida que as doenças incapacitantes se agravam e cresce o abandono, sendo vistos como um fardo pela própria família, acabando, portanto, na maior parte dos casos, confinados em casa, muitas vezes em condições infra-humanas ou em lares de idosos, muitos deles de qualidade duvidosa, com pouco contacto com o mundo exterior.

Surpreendentemente, o isolamento social também afecta uma parcela considerável da população jovem. Eventos traumáticos, como bullying, podem contribuir para isso.

Barreiras Naturais
Grande parte das populações que vivem em áreas remotas tem pouco ou nenhum contacto com o mundo exterior. Isso resulta em desconhecimento das regras básicas de convivência em sociedade e familiar alargados, que o contacto através das redes sociais de forma alguma suprime.

Resulta assim que as consequências do isolamento social são variadas, incluindo a depressão, ansiedade, psicoses, paranoia, baixa autoestima, solidão e doenças do foro psicossomático. O isolamento social aparece, frequentemente, associado a outros distúrbios psíquicos e os sinais são bastante visíveis, tais como: falta de empatia e de comunicação com os outros; insegurança em espaço público; procura constante pelo isolamento; sentimento de tristeza e de rejeição constante.

Trabalho Remoto
O trabalho remoto veio para ficar numa larga faixa e áreas do mundo laboral, levando a que centenas de milhar ou milhões de indivíduos passem a maior parte do tempo em casa, sem interacção social.

Medo e Ansiedade
O medo do surgimento de uma nova pandemia traumática e a incerteza sobre o futuro dados os conflitos bélicos em boa parte do mundo, contribuem para aumentar a sensação de isolamento. Muitos indivíduos preocupam-se com a saúde de seus entes queridos e, por tal facto, evitam contacto físico, sendo que as mortes que surgem pelos mais diversos factores, de amigos e familiares, resultam no aumento da solidão.

Em resumo, as redes sociais podem-nos conectar virtualmente, mas não devemos negligenciar a importância das interações físicas. Encontrar um equilíbrio entre o mundo digital e o mundo real é essencial para o nosso bem-estar e saúde mental. Esse é o grande desafio que enfrentam os seres humanos neste primeiro quartel do século XXI, como forma de evitar o alastramento da pandemia de Solidão.

  • Artigo publicado sem a aplicação do novo acordo ortográfico

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