Quinta algarvia fundada por conde dá cartas na produção de vinhos
Texto: José Coelho | Fotos: Morgado do Quintão
A quinta do Morgado do Quintão, situada próximo da cidade de Lagoa, remonta ao início do século XIX e pertencia então ao Conde de Silves. Passados mais de 200 anos, a propriedade mantém-se na mesma família, que está agora na quarta geração.
O objetivo atual é preservar a história rica da quinta, com a aposta na produção de vinho de qualidade, a partir de vinhas biológicas e de castas antigas. No horizonte está ainda a possibilidade de ser retomada a produção de azeite, numa propriedade que tem como um dos seus grandes símbolos uma oliveira milenar, com 2000 anos de existência.
“Sempre houve bastante produção agrícola na propriedade. Ela foi mantida na família e esta geração, de alguma forma, retomou a atividade agrícola, depois de uma passagem em que atividade económica do ponto de vista agrícola foi mais diminuta. No fundo, retomámos a rédeas da propriedade para entregar à propriedade a sua verdadeira vocação, que é a agricultura”, explica Filipe Caldas de Vasconcellos, proprietário da quinta, em conjunto com a sua irmã Teresa, e que está à frente deste projeto desde 2016-2017.
Desde essa altura, foi feita na Quinta do Morgado do Quintão uma aposta no “enoturismo, na plantação de novas vinhas e no lançamento da marca de vinhos”. “A vinha está certificada em biológico desde este ano, apesar de trabalharmos em biológico desde 2018. Os vinhos de 2024 vão ser engarrafados já com o selo da agricultura biológica”, revela o mentor do projeto.
A opção pelo modo de produção biológico implica que “não se usem inseticidas nem pesticidas e que se utilizem somente para tratamento da vinha aqueles produtos que estão homologados”. Isso traduz “uma preocupação em termos de sustentabilidade”, bem como “o respeito pela terra e o querer garantir biodiversidade das espécies”, salienta este produtor de vinho algarvio.
Vinhas antigas
No fundo, este caminho que tem vindo a ser seguido revela “uma preocupação pela qualidade daquilo que acaba por ser consumido pelas pessoas e não pela quantidade de garrafas de vinho que são produzidas”.
“Temos alguns dos exemplares mais antigos de Negra Mole, Crato Branco e Castelão, castas que no fundo fazem a trilogia dos vinhos algarvios. Portanto, estamos muito focados em recuperar estas vinhas antigas, em plantar novas”, contribuindo “para a redinamização do vinho algarvio”, afirma Filipe Vasconcellos.
E acrescenta: “É uma tradição que se perdeu, de alguma forma, o Algarve esqueceu um bocadinho a produção agrícola – e a produção vitivinícola em particular – a partir do momento em que o turismo, no fundo, se posicionou como a fonte de rendimento mais relevante para a região. Nós estamos a querer apostar outra vez na agricultura, obviamente com uma combinação com o turismo e somos hoje em dia uma das vinhas que mais atraem visitas de enoturismo”.
Atualmente, o Morgado do Quintão dispõe de área de vinha com “21 hectares”. O homem que está à frente do projeto revela que existem “vinhas com idades diferentes”, mas “sempre com esta lógica de recuperar castas que outrora eram plantadas no Algarve e que foram arrancadas e se perderam”, salientando que existe “uma vontade muito grande de fazer vinhos algarvios e não vinho do Algarve”.
“As primeiras vinhas foram plantadas há 200 anos, mas dessas já não temos exemplares em produção. Mas temos vinhas com 70-80 anos, algumas um pouco mais velhas, mas não com muita expressão”, explica o produtor algarvio, adiantando que a maior parte tem “30-40 anos”, sendo que em 2021 foram plantados “mais oito hectares”.
Chegar às 150 mil garrafas
E qual é a produção de vinho? “Hoje em dia estamos a fazer cerca de 40 mil garrafas [de vinho], porque estamos só a falar em vinhas velhas. Agora com a nova, a nossa previsão é chegar às 150 mil garrafas, talvez 200 mil garrafas, como projeto a médio-longo prazo”, refere o produtor do concelho de Lagoa.
Mas frisa que, “na verdade, não nos interessa muito a quantidade, interessa-nos mais a qualidade no vinho que é produzido”, por que o foco “não é quantitativo, mas qualitativo”.
“Aquilo que estamos a tentar fazer, ao fim e ao cabo, é rescrever um capítulo novo para os vinhos do Algarve, em conjunto com outros produtores. Há uma energia nova no vinho algarvio e nós fazemos parte dela”, salienta Filipe Vasconcellos.
As vinhas da quinta dão origem à produção de “11 vinhos” diferentes, existindo “um bocadinho de tudo”, desde espumante feito com Negra Mole até vinhos de ânfora. Vinhos que, devido à sua qualidade, têm recebido prémios e distinções ao longo do tempo e obtido cada vez maior notoriedade.
O projeto desenvolvido na quinta faz uma aposta forte no enoturismo, recebendo o Morgado do Quintão cerca de “15 mil pessoas a fazer provas de vinho” (decorrem todos os dias, com exceção do domingo, e as marcações podem ser feitas através do site ou por telefone).
“Qualquer pessoa pode marcar uma prova e temos imenso gosto em partilhar os vinhos e em partilhar a história. Interessa-nos fazer esta ligação entre o vinho e a história”, diz o produtor, adiantando que os visitantes são oriundos “dos mais diversos países”.
Filipe Vasconcellos defende que “existe uma grande necessidade de produtos alternativos e de uma oferta alternativa [ao sol e praia]”, encaixando-se o projeto que tem vindo a desenvolver “nessa necessidade que o Algarve tem de oferecer às pessoas uma maior ligação ao território e à cultura do território”.
Além do consumo feito pelos milhares de pessoas que se deslocam à propriedade para fazer provas de vinho, parte da produção da quinta é “exportada para França, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e, em menor escala, para outros países europeus e alguns asiáticos”.
Alojamento
A propriedade dispõe também de alojamento turístico: “Temos três casinhas que alugamos, dentro da quinta. São casas rústicas algarvias, que estavam lá desde sempre”, explica a cara da Morgado do Quintão, adiantando que estas construções, caiadas de branco, como manda a tradição no Algarve, estão integradas “na paisagem” envolvente e “no território”.
O projeto que está a ser desenvolvido na quinta, refere Filipe Vasconcellos, “já garante a sua sustentabilidade” em termos económicos, existindo “um plano de crescimento” e um caminho de futuro que será “alicerçado naquilo que têm sido as experiências destes últimos anos”.
Produção de azeite em estudo
Na quinta, além da área de vinha e de árvores características da nossa região algarvia, como amendoeiras, existe “um olival antigo disperso”, bem como “um lagar antigo, dos anos 20, que neste momento não está em laboração”. A hipótese de voltar a ser produzido azeite está agora a ser equacionada pelos proprietários, numa perspetiva de médio prazo.
“Estamos a refletir sobre até que ponto faria sentido cuidar dessas árvores e organizar-nos para um dia mais tarde laborar e fazer azeite. É algo que faria especial sentido porque a família teve sempre uma ligação muito forte ao azeite e, portanto, seria bonito recuperar essa atividade que outrora fez parte dos desígnios familiares. Era uma indústria que tinha alguma expressão no Algarve e que se perdeu completamente”, sublinha o rosto do Morgado do Quintão.
Este empresário diz não saber se “hoje em dia seria economicamente viável” voltar a pôr a funcionar o lagar antigo que existe na propriedade”, até porque “existem formas de produzir azeite mais modernas e que implicam maquinaria mais simplificada”.
Oliveira com dois mil anos é o monumento
No Morgado do Quintão há uma oliveira milenar, que “é o monumento da propriedade”, destaca Filipe Vasconcellos. “Esta oliveira está há 2000 anos a observar o que acontece naquelas terras e agora observa, se calhar, mais movimento do que observava antigamente”, diz o empresário.
À sombra dessa monumental árvore, situada em frente à principal casa da quinta e que cativa o olhar de todos os visitantes, já decorreram os mais variados acontecimentos, “desde almoços em família” até “um festival”, que se realiza anualmente.
“Fazemos [o festival] no princípio de outubro e temos dois modelos, ano sim ano não. Há um ano em que temos uma componente mais cultural e, digamos, mais didática, em que convidamos artistas, mas também alguns pensadores. Há aqui uma reflexão sobre alguns temas que nos interessam, fundamentalmente ligados à arte e à cultura. E depois, no ano em que não fazemos isto, ano sim ano não, temos um festival mais de celebração de vindimas, uma coisa mais festiva e mais ligada à gastronomia. Acabamos sempre por festejar o fim do ciclo”, adianta o homem que tem vindo a dinamizar estas iniciativas.
Pelo Morgado do Quintão já passaram algumas figuras de destaque do panorama musical português, como, por exemplo, Carminho e Mário Laginha. Este ano, terá lugar o festival que tem a componente mais cultural, designado de CAMP, cujo cartaz será oportunamente divulgado.
Localização privilegiada
A quinta do Morgado do Quintão fica localizada à saída da cidade de Lagoa, em direção a Silves, gozando, por isso, de uma localização privilegiada. “Estamos 15 minutos da praia e temos ótimas acessibilidades”, afirma Filipe Vasconcellos. A propriedade tem como cenário de fundo a serra de Monchique e dista a poucos minutos da histórica cidade de Silves.
Antigamente, aquela zona envolvente à cidade de Lagoa dispunha de muitas vinhas, mas com o passar do tempo muitas delas acabaram por ser arrancadas para dar lugar a outras atividades ou outro tipo de produção agrícola. O Morgado do Quintão resta, pois, como o legado desses tempos em que vinhedos eram marcantes na paisagem desta zona do Algarve.