Gonçalo Rosa: “Tocar em Lisboa é fantástico, mas prefiro o nosso Algarve”

Texto: Hélio Nascimento | Foto: Portimão Jornal
Gonçalo Rosa, 24 anos, nascido e criado em Portimão, é um jovem guitarrista que, aos poucos, tem vindo a trilhar o caminho do sucesso, na sequência de uma paixão que cedo se manifestou e que teve depois o devido acompanhamento de alguns ‘mestres’ desta arte tão peculiar da cultura portuguesa. Apesar de ser licenciado em enfermagem, Gonçalo dá, por ora, total prioridade à música, numa atividade diária que o enche de orgulho e através da qual contribui para elevar o fado e a guitarra portuguesa a patamares de excelência.
“O aparecimento da guitarra na minha vida é uma história muito engraçada. Estava numa passagem de ano, tinha uns 8 ou 9 anos, e havia lá um rapaz, mais velho do que eu, que tinha uma guitarra clássica, à qual, porém, pouco ligava. Lembro-me que peguei nela e não mais a larguei durante toda a noite”, conta Gonçalo, recordando o episódio. “Fiquei fascinado, agarrado à guitarra e cheio de interesse. Comentei com o meu pai e avós, que falaram logo no nome do senhor Vítor do Carmo, uma pessoa conhecida e amiga, compadre dos meus avós e que tem um neto que é meu primo direito”.
O contacto com Vítor do Carmo, nome grande da guitarra portuguesa, não tardou. “Queria aprender guitarra clássica, e, na altura, não tinha ideia do que era o fado nem a guitarra portuguesa. Comecei a ir a casa dele, que passou também a apresentar-me o fado. Cada vez com mais interesse, ia apreendendo os acordes naturais e básicos da guitarra clássica, mas também focado na escola e até no futebol, que então jogava”.
Aos 12 anos, já convencido de que se tratava mesmo de uma paixão, Gonçalo começou a apostar mais na guitarra portuguesa, muito pelo incentivo de Vítor do Carmo, um exímio intérprete e professor, já entrevistado pelo Portimão Jornal. “O fascínio cresceu e acreditei plenamente ser este o meu instrumento de eleição, com o qual me sentia bem e encantado”.
As primeiras atuações
Por volta dos 16, 17 anos “toquei a sério”, trabalhando com pessoas do fado, como Bruno David. A primeira aparição deu-se através da fadista Helena Silva e do seu pai, Fernando Silva, e, depois, com outros violas, casos de Paulo Feiteira, Nuno Martins e José Santana. “Comecei a entrar neste meio do fado e não só, uma vez que despertou em mim o gosto pela música instrumental da guitarra portuguesa”. Sempre a desenvolver conhecimento, apostou também nos instrumentais na vertente Lisboa, numa versão instrumental e solista.
Gonçalo Rosa entrou na universidade em 2019, em Faro, conciliando o curso de enfermagem com a música, só que, entretanto, chegou a pandemia. “Fiquei frustrado, porque estava já com muitas atuações, mas aconteceu a todos. Fui estudar então para Silves, conclui a licenciatura em enfermagem no ano passado, mas o foco e a paixão estavam há muito na música e na guitarra portuguesa”.
A primeira atuação a solo deu-se em 2021, no Teatro Municipal de Portimão, numa iniciativa destinada a apoiar os artistas locais no período da pandemia. E foi um sucesso. “Fizemos um grande espetáculo, com casa cheia e uma adesão fantástica, e aí percebi, claramente, que havia também espaço para ser solista na guitarra portuguesa. Ou seja, podem haver outros instrumentos a acompanhar, mas o principal, em vez de ser a voz, é a guitarra portuguesa”.
Feliz com a opção, Gonçalo arriscou tudo na música, embora sem fechar a outra porta, a da enfermagem, que, como sublinha, “até posso vir a conciliar um dia mais tarde, mas, de momento, é a guitarra que eu quero”, garante, duplicando o ‘obrigado’ ao mestre e amigo Vítor do Carmo, o principal responsável por hoje tocar. “Ensinou-me tudo, da clássica à portuguesa”.
Abrir horizontes com outras sonoridades
Aperfeiçoada a base, Gonçalo enveredou por outros caminhos musicais, mas sempre com a guitarra na mão, tendo então oportunidade de tocar e trabalhar com César Matoso e desenvolver outros estilos, com Tonico Duarte. “São outras sonoridades, que eu também desenvolvo, sempre com excelentes companheiros. Tenho trabalhado com eles e outros, felizmente com muitos algarvios”, enumerando Filipa de Sousa e as ‘novas vozes’, como a de Beatriz Pereira.
Entre os novos projetos vai gravar agora com os ‘Mar de Fora’, um conjunto de Portimão de música tradicional e popular portuguesa, com “temas originais e uma atividade interessante”. Lá por fora foi a Espanha e fez concertos com Juan Santamaria, a quem Amália Rodrigues deu oportunidade de tocar em Lisboa, e à Suíça, com Nádia Catarro e Luís Saturnino. “Fizemos um espetáculo muito bonito, em Geneve, algo mesmo incrível, em que algumas pessoas, sobretudo filhos de emigrantes, até choraram, porque não tinham noção do que era a guitarra portuguesa, nunca tinham ouvido ao vivo. Foi numa ação de beneficência e, por isso, mais gratificante ainda”.
Por cá sucedem-se as atuações, do Alentejo a Aveiro, por exemplo, em “terras que gostam de fado”, mas, maioritariamente, é no Algarve o seu grande e principal palco. Músico residente em hotéis, onde se desloca muitos meses por ano, tal como às noites típicas nos restaurantes, várias vezes na companhia de César Matoso, o jovem portimonense elege agora a Gala Equestre de Albufeira, com o ‘Lusitanus Miranda’, um evento de rara beleza. Com diversas datas preenchidas, “mostro igualmente uma outra vertente, num conceito de música eletrónica e guitarra portuguesa”, algo praticado por diversos artistas.
Será, porventura, um “estilo mais comercial, que tenho tocado em outras atuações e locais”. A este propósito, conta lançar brevemente o tema ‘Lusitano’, naquilo que Gonçalo chama “sons da minha cabeça”, na sequência de sonoridades que tem ensaiado. “Sinto-me bem preparado e comecei a criar, o que dentro de pouco tempo será visível para todos. A ideia é levar a guitarra portuguesa para outros caminhos – o nicho é o fado, indiscutivelmente, mas também há espaço para abrir horizontes com música brasileira, folclórica e outras”.
Enorme explosão de talentos
Desde que o fado passou a Património Imaterial da Humanidade, considera Gonçalo, “houve uma enorme explosão de talentos a nível nacional” numa geração que rotula de excelente. Todavia, não há bela sem senão, e, cingindo-se à realidade algarvia, lamenta a falta de mais guitarristas na região. “Alguns foram para outros locais e eu continuo a ser o mais novo na guitarra portuguesa”, vinca, elogiando os que continuam por cá e com os quais tem aprendido imenso.
“Temos faltas de instrumentistas para colmatar a quantidade de fadistas que cantam no Algarve. Somos poucos na guitarra portuguesa, é um facto, apesar do incentivo que tem sido dado. Da minha parte, procuro mostrar o que sei, e, é bom dizer, não tenho formação oficial certificada, tudo o que sei fui aprendendo com pessoas e através de pesquisa”, assinala, com a clareza de ideias que é parte integrante do seu discurso.
O jovem músico já teve oportunidade de tocar em Lisboa, a cidade reconhecida por muitos como capital do fado e predileta de outros tantos para lançar a carreira, mas o comentário que junta sobre o tema eleva o seu orgulho pela terra que o viu nascer. “Tocar em Lisboa é fantástico, mas prefiro o nosso Algarve”, garante, realçando que “a oferta, o clima, o mar, a praia e este ambiente são insubstituíveis”, pelo que, de momento, não é Lisboa o lugar que mais o fascina.
Acresce, como já o dissemos, que Gonçalo tem espetáculos praticamente todos os dias. “Não falta trabalho, felizmente, e agora até tirei o domingo para estar com a família, descansar e ter alguns momentos de lazer. Além das atuações à noite também é preciso ensaiar, trabalhar nos bastidores, enfim, o tempo que sobra é escasso”.
Ainda sobre as sessões em Lisboa, o portimonense dá conta da satisfação que teve ao travar conhecimento com Ângelo Freire, José Manuel Neto, Pedro Viana e Henrique Leitão, músicos que classifica como de “primeira linha”, lembrando, na circunstância, ter acompanhado Raquel Tavares. “Já estive com eles, passámos juntos alguns bocados, e, por sorte minha, tenho conhecido pessoas mesmo interessantes”.
“O fado é português, é saudade, é sentimento”
Gonçalo não tem dúvidas sobre a “riqueza de fadistas” na região, “todos excelentes e de grande qualidade, alguns dos quais já ganharam importantes certames, como a Raquel Peters e o Pedro Viola”, numa lista que engloba todas as faixas etárias e que confirma que “o Algarve está muito bem servido de talentos”. A uma insistência do Portimão Jornal, o guitarrista evoca também Ana Marques, Helena Silva, Sara Gonçalves, Teresa Viola e Adriana Marques, convicto de que há muitos mais nomes para destacar, e, depois, tipo confissão, acrescenta que “a Ana Marques tem uma estrelinha e passa a mensagem de forma muito bonita, algo especial que faz lembrar Amália Rodrigues, embora eu, obviamente, nunca a tenha conhecido”.
Voltando ao seu instrumento, Gonçalo realça a aposta da Escola da Bemposta na vertente guitarra portuguesa, embora o foco, como reconhece, não vá tanto para o fado. De um modo geral, “tem de haver um clique para se gostar e é preciso maturidade para ouvir e interpretar o fado, que é português, é saudade, é sentimento”, salienta, com a certeza de que as novas gerações “vão aprender música e frequentar cada vez mais as casas de fado”.
Os programas televisivos, de resto, têm contribuído para dar a conhecer intérpretes e sonoridades. Gonçalo recorda que em 2022 esteve no ‘Got Talent Portugal’, com Bruno David, o que permitiu “abrir várias portas através de contactos feitos na altura”. Repetindo que a sua formação começou na casa de Vítor do Carmo e tem sido contínua, sempre através dos ensinamentos de vários músicos, releva ainda o que aprendeu com Ricardo Martins e Tonico Duarte, “que muito investem na valorização e do melhor com quem já trabalhei, ambos residentes no Algarve”.
Já em tempo de despedida, o jovem guitarrista afirma que “sempre consumi muita música, de todos os cantos do mundo e de vários estilos, pelo que também vou buscar outros registos, mas sempre respeitando a guitarra e o fado”. Esta é a autenticidade transmitida por Gonçalo, cujos 24 anos deixam antever um futuro cada vez mais risonho e promissor. E também por isso, claro, a enfermagem pode esperar…
Apresentação do álbum entre os novos projetos
Gonçalo Rosa mantém intensa atividade durante este verão, e, entre os muitos novos projetos, enumera o da Gala Equestre, com concertos de palco na companhia de César Matoso, e o Festival F, em Faro, no dia 4 de setembro. “Vou lançar o tema original ‘Lusitano’, que junta guitarra portuguesa à música eletrónica, com um vídeo clip associado à Gala Equestre, onde os espetáculos são incríveis”. Na agenda tem ainda a apresentação oficial do seu primeiro álbum, marcada para novembro, no Teatro Municipal de Portimão, graças a um convite feito pela autarquia portimonense, à qual agradece. Este álbum foi gravado em 2023, numa réplica com cunho pessoal dos principais temas de fado de Lisboa, que terá agora honras de maior divulgação. Antes, no dia 25 de julho, estará com Joana Rato em ‘A Noitada’, em Portimão, no palco do Fado, no Largo da Mó. Por último, umas palavras para o projeto Fado com História, que integra desde 2021, em Tavira, num espaço de espetáculos ao lado da Igreja da Misericórdia e, às vezes, na própria igreja devido à adesão do público, incluindo excursões. “Está no top. Virgílio Lança explica e conta, são eventos incríveis, dois a três por dia, de segunda a sábado, é a não perder”.





