Poejo Mendes, de pastor em São Vicente, a presidente da AM

Texto e foto: José Garrancho
José Joaquim Poejo Mendes, à beira dos 87 anos, é mais um portimonense de alma e coração, embora tenha nascido no Alentejo. Garante sentir orgulho e adorar estar em Portimão, porque lhe deu tudo o que ambicionava. “Conhecimento e estabilidade financeira. E lamento já não ter tempo para pagar à cidade tudo o que ela me deu. Fui um privilegiado, porque tive a oportunidade, não só de trabalhar numa casa de renome, o Hotel Algarve, como de aprender na Escola Hoteleira e pisar um palco mundial, a Associação dos Barmen”, confidencia ao Portimão Jornal.
É, talvez, o português mais conhecido, a nível internacional, no mundo das bebidas, não é?
Viajei pelos cinco continentes, sendo a esmagadora maioria dessas visitas de carácter técnico. Em determinada altura, acontecia qualquer coisa no mundo das bebidas e eu era convidado. Costumo dizer aos meus amigos que visitei vinhas e adegas, desde a África do Sul à Califórnia, além de toda a Europa. Nem sabia que havia vinhas na Suíça, até ser convidado para as visitar. Vamos imaginar que a ‘Bols’ ia lançar um produto qualquer. Eu era convidado para lá ir. Tanto assim, que começou a circular uma piada: chamavam-me o ‘papa martinis’. Era convidado para tudo. Depois, tive o privilégio de fazer cursos técnicos de formação prática na Cognac, na Champagne, vinhos do Jerez…
E como olhava a sua entidade patronal para essas andanças?
Da melhor maneira. O diretor do Hotel Algarve sugeriu que colocasse uma mesa na copa do bar, a servir de secretária. Fui aprender datilografia e estava em contacto com as bebidas que apareciam em todo o mundo. O hotel pagava o papel, os envelopes, os selos. E, sempre que havia congressos, em qualquer parte do mundo, era dispensado sem qualquer corte no salário. Os patrões achavam que era um prestígio para eles o Mendes representa o hotel nos vários países.
Depois usava esses conhecimentos nas suas aulas?
Sim. De tal modo que tinha uma caldeira de destilação, oferecida pela minha esposa e que ofereci à escola. Fazíamos experiências, por exemplo, destilar vinho, fazer álcool de figos da índia, cerveja, etc. E sentia-me bem. Não só dava a aula, como contava histórias. Se calhar, falava demais. Por exemplo, começava a falar da tequila e, passado pouco tempo, estava a contar a história de Cuba. Porque fui um privilegiado, tinha estado lá. Estive uma semana na Escócia e só conheço a estrada cheia de neve do aeroporto para a destilaria. O resto era cheirar a cevada, ver como era maltada e destilada, se a cor era mais escura ou mais clara…
Mas estas coisas não acontecem de repente. Quando chegou a Portimão, com quase 28 anos, já vinha como responsável pelos bares e boîte do Hotel Algarve. Como se iniciou?
Nasci na freguesia de São Vicente, uma aldeia muito linda do concelho de Elvas, e cheguei a pastorear um rebanho com 300 ovelhas, pertença do meu padrinho. Havia uma pousada na Quinta das Torres, em Azeitão, um palácio do século XVII. Por intermédio do meu avô, fui trabalhar para lá, quando tinha 13 anos. Ali, conheci as figuras daquele tempo, Salazar, o cardeal-patriarca, o rei de Itália e tantos outros que frequentavam o local. Digamos que foi ali que abri os olhos para a vida. Foi uma mudança radical para alguém que não levava pijama para dormir e passou a ter um quarto só para si. Passado pouco tempo, comecei a usar fatos do Lourenço e Santos, porque passei a ter um roupeiro com as roupas usadas dos filhos dos patrões.
Foi mesmo uma mudança radical.
Pois foi e até frequentei aulas de ética, tanto francesa, como inglesa, que eram diferentes. Depois, fui para o Hotel Avis, em Lisboa, o mais conhecido, na altura. Interrompi a profissão para fazer o serviço militar, que me levou a Timor. Mais tarde, vim para Portimão, porque o Hotel Algarve abriu e fui convidado para chefiar os seus bares e a boîte.

No tempo em que se ganhava bem na hotelaria, não era?
Sim. Nessa altura, ganhava o equivalente aos ordenados de três funcionários bancários. Tinha a possibilidade de trocar de carro, anualmente, sem tocar no salário. Entretanto, apareceu a Escola Hoteleira e, embora já tivesse frequentado a Alexandre de Almeida, a Escola Hoteleira de Lisboa, fui fazer o curso. A escola, em Portimão, ainda nem tinha instalações. As aulas eram dadas na Casa Inglesa. No ano seguinte, fui convidado para ser formador na referida escola, o que fiz durante mais de 30 anos.
Uma mudança introduzida por si?
Num concurso, ou nas receitas de um cocktail, dizia-se um terço disto, dois terços daquilo, etc. Por uma questão de rácios e de custos, introduzi, a nível mundial, décimos, o que nos permitia também avaliar se o cocktail estava a ser bem ou mal feito. Introduzi também, a nível mundial, a capacidade de cada bebida. Por exemplo, a quantidade a servir, se fosse um cocktail, ou um long drink. Comecei a ficar conhecido e respeitado. E, a nível nacional, fomos pioneiros na prática de, no final de cada aula, entregar aos alunos uma súmula do que tinha sido ensinado, que veio a ser adotada pelas outras escolas hoteleiras. Assim, o aluno não tinha de tirar notas durante a aula, prestando toda a atenção ao que era explicado e demonstrado. Também fomos a primeira escola a usar audiovisuais, recorrendo aos diapositivos.
Sempre na área de bar?
Sim, mas lecionava outras matérias, como a arte de bem receber. Depois, fiz várias especializações. Em determinada altura, tive contacto com a Associação Barmen de Portugal, que estava a nascer em Lisboa. É curioso que se chamava Clube Barmen de Portugal, porque, naquela altura, o governo não permitia associações. Estive presente em algumas reuniões e, no final, tínhamos de assinar um papel, porque a PIDE exigia ser informada sobre o motivo da reunião e quem assistia. Depois, apareceu a Associação Barmen do Algarve, da qual fui um dos fundadores. Não é vaidade, mas estava mais bem preparado do que os meus colegas, porque tinha tido boa formação prática, e fui nomeado presidente do Conselho Técnico. Logo, sempre que havia concursos em qualquer parte do mundo, ia em representação da Associação. Parte da regulamentação dos concursos, primeiro a nível nacional e, depois, mundial, foi de minha autoria.
Também foi formador noutra escola?
Fui formador externo na Escola Jacinto Correia, em Lagoa, até aos 72 anos, como responsável pela componente tecnológica do curso de Bar. Em 2009, a escola ganhou o prémio de Reconhecimento de Mérito à Educação, na categoria de Formação Profissional, num concurso a nível nacional com 92 candidaturas. Toda a gente falava em nós, porque eram jovens à beira do abismo e que mudaram totalmente.
Fale-nos do Festival Long Drinks Poejo Mendes?
Foi uma surpresa para mim. Estava na Jacinto Correia e, um dia, ligaram-me e perguntaram se queria visitar a escola hoteleira, com os meus alunos. Viemos, numa carrinha da Câmara de Lagoa. Quando chegámos, vi à entrada ‘Festival Poejo Mendes’. A escola, anualmente, faz um concurso, agora aberto a outras escolas. Para mim, aquilo é uma aula prática, mas uma aula que os alunos nunca irão esquecer. E porquê? Porque envolve muitos dias de trabalho e muitos contactos com a família. Porque vão pedindo conselhos. E, no final, criticam o júri por os ter penalizado por qualquer coisa. É uma cerimónia muito bonita. Há um troféu para a melhor técnica, outro para a bebida mais bonita, para quem demora menos tempo. E há o prémio ‘Festival Poejo Mendes’, uma taça, que fica na escola e no qual se colocam as placas com o nome dos vencedores.
Uma vida preenchida e plena de sucessos?
Sim, fruto de muito trabalho e amor ao que fazia.
Também foi político?
Nunca me senti político, porque nunca ganhei um tostão com a política. Mas era convidado, talvez por ser conhecido. Fiz parte das primeiras eleições livres que houve em Portugal, para a constituinte. De Portimão era eu e Luís Catarino e claro que não fui eleito. Depois, fiz um mandato na Junta de Freguesia, com Isabel Guerreiro, fiz um mandato na Câmara com Nuno Mergulhão e um mandato como presidente da Assembleia Municipal, que me dá uma grande honra.
CURSOS PROFISSIONAIS PARA PROFISSIONAIS
Há uns anos, na Jugoslávia, foi decidido criar um curso de aperfeiçoamento para quem já era profissional, chamado ‘training center’. O objetivo era que num hotel, em qualquer parte do mundo, se um cliente quisesse, por exemplo, um vinho do Porto, o barman soubesse a diferença entre os vários Portos e a quantidade a servir. Quem diz esta bebida, diz whiskies, vodkas e tudo o mais. Foi decidido que o curso teria lugar em Portugal, desde que fosse coordenado pela Escola Hoteleira de Portimão e por Poejo Mendes. Assim aconteceu, de 1982 a 1988. “Os primeiros tiveram lugar na Póvoa de Varzim, mas consegui trazê-los para Alvor, para o Hotel D. João II. Os alunos estavam cá duas semanas, a trabalhar de manhã à noite. Se fosse sobre o vinho do Porto, entrávamos às 8h00 nas caves e passávamos lá o dia. Se fosse, por exemplo, sobre um whisky canadiano, vinha um técnico do Canadá. Os produtores faziam fila para cá estar, porque era importante para a promoção dos seus produtos. E pagavam para isso”, confidenciou Poejo Mendes, que se tornou conhecido a nível mundial, graças a estes cursos, frequentados por alunos de toda a parte.
DISTINÇÕES
⇨ Prémio Carreira Turismo de Portugal – 1967
⇨ Vencedor do Concurso de Cocktails do Algarve – 1979
⇨ Vencedor do Festival de Cocktails Portugal/Finlândia – 1979
⇨ Profissional do Ano – 1985 e 1987
⇨ Distinção pela Associação Barmen de Portugal – 1986
⇨ Nomeado Personalidade do Ano no Algarve (ensino) – 1989
⇨ Jurado no Festival de Gastronomia de Portimão – 1995, 1996 e 1997
⇨ Prémio Reconhecimento Mérito à Educação – 2008
⇨ Prémio Excelência Ministério da Educação – 2009
⇨ Mérito Municipal Cidade de Portimão – 2012
BREVES
Habilitações profissionais
Poejo Mendes sempre apostou na sua formação, chegando a frequentar o primeiro ano do curso de gestão hoteleira, na Universidade do Algarve. Entre outras formações encontram-se o curso de bar (EHTA), o Certificado de Aptidão Profissional (SNCP), Food and Beverage Control (EHTA), os cursos de Formadores (Instituto Internacional de Glion), de Formadores (TWA – Lisboa), de Formadores (TAP – Lisboa), de Audiovisuais (LAB – Lisboa), de Psicopedagogia de Especialização de Monitores (INFTUR), de informática em ambiente Windows 95 (CLCC), de Excel (IEFP) e de Formação de Formadores (Psicofaro).
Atividade profissional
Foi monitor chefe coordenador de bar da EHTA, desde 1969, docente convidado na Universidade Lusófona, em Portimão (3 anos), chefe de bar do Hotel do Reno (4 anos), subchefe de bares do Hotel Estoril Sol (4 anos), supervisor de bares do Hotel Algarve (20 anos), diretor da Escola Internacional de Bar (6 anos), gerente de duas empresas de hotelaria (10 anos), formador de Bar, Cafeteria e Bebidas, na EB 2,3 Jacinto Correia, em Lagoa, de 2002 a 2010.
Atividade política e comunitária
No seu percurso destacam-se também as funções de presidente da Mesa da Assembleia Municipal de Portimão (1990), primeiro secretário (1991) e deputado municipal (1993). Foi vereador da Câmara Municipal de Portimão (1994), e membro da Junta de Freguesia de Portimão, além de presidente da Assembleia Geral da Associação de Cicloturismo do Algarve.
Representações e trabalhos diversos
Em vários anos foi delegado ao Congresso Mundial de Barmen. É o caso do de Itália (1975,1976 e 1980), França (1978), Suíça (1981), USA (1983) e Alemanha (1985). Foi diretor técnico deste Congresso Mundial em 1982 e júri técnico no Congresso Mundial de Cocktails, na Jugoslávia em 1979. É autor do Regulamento Internacional de cocktails, do Regulamento para júri técnico de cocktails, foi coordenador do grupo de trabalho para a uniformização mundial de cocktails e outras composições de bar e publicou de diversos trabalhos relacionados com vinhos, café, licores, cerveja, whiskies e outras aguardentes. Participou em vários congressos e seminários de hotelaria e turismo, e foi também diretor das revistas ‘Training Center’ (língua inglesa) e ‘Rabo de Galo’, e do jornal da Associação de Cicloturismo do Algarve.





