De Lagoa à Arábia Saudita com a firme vontade de evoluir

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: D.R.
Embora tenha apenas 28 anos, José Carvalho Araújo já palmilhou muitos quilómetros em busca de ir alimentando – e consolidando – o seu sonho de ser treinador de futebol. Foi no Grupo Desportivo de Lagoa, curiosamente, que embalou em definitivo. Agora na Arábia Saudita, ao serviço do Al-Ettifaq, continua a potenciar jovens e a sentir cada vez maior paixão, como confidenciou, em entrevista, ao Lagoa Informa.
Quem é o José Carvalho Araújo?
Tenho 28 anos e sou natural de Santarém. Desde muito novo que sou apaixonado pelo futebol e ao longo da minha infância e juventude pratiquei várias modalidades, mas, aos 18 anos, decidi que a minha vida seria o futebol e teria de me tornar treinador. Para isso, saí de casa dos meus pais e da minha terra e fui para a cidade da Guarda tirar a licenciatura em Desporto.
E assim começou a sua grande aventura…
Depois dessa licenciatura e ao longo dos anos fui melhorando o currículo académico, com um mestrado em Treino Desportivo, uma pós-graduação em Exercício Físico e Personal Training, uma pós-graduação em Desporto Adaptado e atualmente estou a tirar o doutoramento na UTAD. O meu percurso no futebol começou ainda na Guarda, a treinar os Infantis, na época 2016/2017. Fui a seguir para o Estoril Praia, como adjunto dos sub-14, depois para o U. Almeirim, para treinador-adjunto das seniores femininas e treinador das sub-15, em que fomos campeões distritais, e para adjunto das seniores no Fazendense. Na época seguinte voltei ao futebol masculino, como adjunto dos sub-21 do Cartaxo, antes de rumar ao Algarve.
Como foi o seu trajeto em terras algarvias?
Na época 2021/2022 estive nos sub-15 do Odiáxere e fomos vice-campeões distritais, e fui coordenador geral do UAC Lagos, clube em que fizemos história por dispormos de uma equipa feminina e uma masculina a competir no Nacional de futebol praia. Na época 2022/2023 fui para o Portimonense para treinador-adjunto dos seniores B e principal dos sub-13, sempre com bons resultados. E no final dessa época rumei à Indonésia, como preparador físico do Unggul FC.
A aventura na Indonésia…foi a primeira vez fora do país?
Sim, e foi tudo novo e surpreendente. No Unggul FC, que milita na 1ª divisão, alcançámos a melhor classificação de sempre do clube. Ser profissional, num contexto de elite daquele país foi incrível. Muito trabalho diário, viagens de dez a 12 horas, estádios com cinco e seis mil pessoas a ver os jogos, no final dezenas de miúdos a esperarem por nós para tirar uma foto e pedir autógrafos, foi incrível! Revelou-se bastante gratificante e cresci muito.
Como foi, depois, o ingresso no GD Lagoa? Conhecia o clube?
Já tinha defrontado várias vezes o Grupo Desportivo de Lagoa, tanto a equipa sénior como as da formação, por isso já conhecia as instalações e algumas pessoas, mas não estava à espera de ser tão feliz e conhecer tão boa gente! Ainda estava na Indonésia, quando o coordenador Ivo Nunes me contactou e apresentou o projeto, que adorei, com o foco em potenciar jovens jogadores, para eles darem o salto para contextos superiores. Tentar melhorar as condições de vida dos jogadores, seja em termos desportivos ou financeiros, é sempre uma causa muito nobre. Aceitei o convite e comecei primeiro a preparar a equipa técnica e depois o plantel. Convidei o míster Vasco para adjunto, o Ruben Peres para treinador de guarda-redes e a Beatriz Rainha para preparadora física. Depois, comecei a contactar todos os jogadores da equipa B do Lagoa para renovar por mais uma época, bem como vários jogadores que se enquadravam no projeto, muitos dos quais já cá tinham estado no passado.
E como foi, em termos desportivos, a época no GD Lagoa B?
A época foi um sucesso a todos os níveis. Apanhámos um grupo de jogadores incrível, com enorme ambição. Em termos desportivos alcançámos a melhor classificação de sempre da equipa B, superando todas as expectativas, depois de muito pouca gente ter acreditado em nós. Começámos o apuramento de campeão a ganhar e a assustar de novo os candidatos ao título, e, então, passaram a respeitar-nos. O menor orçamento do apuramento de campeão era o nosso, tínhamos a segunda média mais baixa de idades e o nosso objetivo foi sempre valorizar os jogadores.
Dos jogadores que dirigiu na equipa B quantos conseguiram ‘dar o salto’?
Ao longo da época nove jogadores foram treinar com a equipa principal, dos quais quatro foram convocados para jogos do Campeonato de Portugal. No final da época existia a possibilidade de alguns iniciarem a pré-época na equipa A, mas decidiram aceitar outros convites. O objetivo sempre foi o de potenciar jogadores para darem o salto para patamares superiores e oito conseguiram isso: Martim Calado, António Galvão, João Correia, Lucas Tavares, Miguel Costa, Pedro Gonçalves, Renan Santos e Leandro Gomes, que deram o salto de divisão. De resto, mantenho o contacto com os meus ex-pupilos e todas as semanas fico feliz ao saber das suas conquistas.
Surgiu, depois, a oportunidade de ir para o Al-Ettifaq…
No final da época transata recebi uma proposta através do meu empresário, Vitor Hugo, da Union Sports Agency, para ir com mais dois portugueses para a academia do Ettifaq FC. Fomos três portugueses para a Arábia Saudita, o míster Mário Leão para diretor técnico da Academia, eu para treinador das equipas jovens e o Gonçalo Camacho para treinador de guarda-redes.

Como tem sido a experiência e o que faz, concretamente?
A experiência até ao momento tem sido muito positiva. Sou treinador de várias equipas da academia, desde os sub-6 aos sub-14, e sou o braço direito do diretor técnico, reformulando a metodologia para potenciar todos os jogadores. A academia faz parte do clube e existe uma ligação direta em toda a estrutura. O Al-Ettifaq é um dos históricos da Arábia Saudita e já conquistou vários títulos. O estádio tem capacidade para 15 mil pessoas e o centro de treinos da equipa principal dispõe de três campos de futebol de 11, enquanto o centro de treinos da formação comporta mais dois campos de relva, para além de quatro campos de futebol de sete, todos sintéticos.
Têm muitos jovens jogadores?
Neste momento temos 310 atletas dos quatro aos 16 anos e um dos objetivos é chegar aos 350, mas a principal meta é potenciar os jogadores para darem o salto para contextos superiores. Na última época 11 jogadores passaram da academia para as equipas principais do clube e queremos aumentar consideravelmente esse número. A academia, de resto, tem condições de topo no que respeita a recursos físicos, materiais e humanos, incluindo a componente lúdica do projeto, pois os miúdos têm de ser felizes a aprender a desenvolver o seu futebol.
Os jovens estão recetivos às suas ideias?
Sim. Sentem-se desafiados e interessados pela nova metodologia e pelo processo de treino, acreditam na palavra e aceitam a ideia de jogo e de trabalho, sempre com paixão e entusiasmo.
A adaptação ao país foi difícil ou nem por isso?
Foi fácil. A imagem que temos do mundo árabe/asiático não corresponde à verdade e já tinha chegado a essa conclusão na Indonésia. A Arábia Saudita está a abrir-se ao mundo dia após dia e as diferenças para a Europa são mínimas. Na cidade onde estou, Khobar, as infraestruturas são de topo, com hospitais, centros comerciais, vários ginásios, campos e espaços culturais. As pessoas são muito simpáticas e tentam ajudar, sendo que 40% da população é estrangeira, logo existe também uma multiculturalidade muito enriquecedora.
Qual o próximo passo? Que objetivos tem a curto prazo?
Já não faço planos. Sou treinador há nove anos, treinei em três países distintos, em nove cidades diferentes e em vários clubes. Deixei de fazer planos já há algum tempo, vou para onde achar que vou ser mais feliz e fico se achar que é aqui que sou mais feliz. E é isso que me move no futebol, a felicidade! Neste momento, sou muito feliz no Ettifaq.
A cotação do treinador português é uma vantagem
O treinador português é reconhecido no estrangeiro de há largos anos a esta parte, agora também na Arábia Saudita, onde vários compatriotas de José Carvalho Araújo têm somado títulos e distinções. Será que o facto de o jovem técnico ser um lusitano de gema funcionou como uma vantagem, atendendo à fama e ao proveito do ‘produto nacional’? “Claro que é. O treinador português está muito bem cotado no estrangeiro, logo existem cada vez mais oportunidades para nós, porque os próprios clubes procuram portugueses em detrimento de outras nacionalidades devido à fama de bons profissionais. Aceitam as nossas ideias e acreditam que com elas virá o sucesso”, garante, elogiando a categoria de tantos e tantos lusos que fazem das suas capacidades e qualidades um cartão de visita incontornável no mundo do futebol. Até agora, curiosamente, José Carvalho Araújo ainda não se cruzou com nenhum treinador português em solo árabe, “mas estou certo que não tardará muito”.





