A aventura fascinante dos safaris mudou a vida de Pedro Quirino

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: D.R., in Portimão Jornal nº63


Pedro Quirino é um dos portimonenses que espalha competência por esse mundo fora, com a particularidade de o fazer através de uma área para a qual, à partida, os portugueses não estarão muito vocacionados: os safaris. Aos 40 anos, tem uma vida recheada de aventuras, mas é esta, a do intenso contacto com a vida selvagem, que mais o apaixona e leva a dividir o seu tempo entre o Algarve e, em particular, a África do Sul.

“Passei toda a infância em Portimão, de onde sou natural, até ir para Lisboa, para a faculdade. Tirei o curso de arquitetura e depois fui estagiar em Amesterdão e trabalhar em Copenhaga”, conta ao Portimão Jornal, nos primeiros dias de 2023, num fim de tarde relativamente ameno. “Foi aí que mais ou menos tudo começou”, diz, sorrindo, antes de prosseguir a história, cativante e até empolgante.

Pois bem, no ateliê onde trabalhava, em conversa com os colegas, Pedro percebeu que muitos deles eram apaixonados pelo surf e todos os anos iam a França praticar a modalidade. “Estávamos em 2006. Eles não sabiam que, em Portugal, havia sítios excelentes para surfar, já que escasseava ou era mesmo inexistente a informação ou divulgação. Na altura não existia mediatismo, não se disputavam Mundiais nem se conheciam as ondas gigantes da Nazaré”.

Pedro meteu mãos à obra, incentivando os colegas e fazendo um roteiro com os melhores sítios para surfar, comer, dormir e ir à noite, quer no Algarve quer, também, em Peniche, Ericeira e outros locais. “Ficaram todos extasiados, passaram palavra rapidamente e eu dei por mim a fazer mais roteiros do que arquitetura. Percebi que havia um enorme potencial, inclusive porque surgiu, entretanto, o ‘boom’ do surf. Regressei a casa em 2008, e, como o meu setor profissional atravessava uma crise, montei uma agência de viagens para surfistas e a seguir uma plataforma de reservas”.

As conversas à volta da fogueira
A atividade correu muito bem, de início, mas, depois, Pedro ficou “um pouco saturado, até porque disparou a concorrência internacional e fomos perdendo o comboio”. Para desanuviar, como ele diz, “resolvi ir fazer um safari, como cliente, num camião, em ‘overlanding’, África adentro, e fiquei fascinado”. Os olhos de Pedro até brilham. “O guia, sul africano, que por sinal tinha ido substituir um colega, estava prestes a abrir a sua própria agência. Ficámos amigos”.

De conversa em conversa, muitas vezes à volta da fogueira, o guia, que andava nesta vida há dez anos, explicou o que pretendia fazer. “Ele não tinha experiência em website, marketing, gestão de agência de viagens, ou seja, em áreas onde me sentia à vontade, devido à minha passagem pela indústria turística do surf. Comecei então a ajudá-lo, mesmo à distância, depois de ter regressado ao Algarve”.

O guia sul africano montou a sua própria agência, Pedro Quirino continuou a colaborar, até que, em 2014, “propôs-me sociedade”. A ideia passava também por tirar formação adequada e, numa primeira análise, ser guia de portugueses e espanhóis. “Não pensei duas vezes. Fui, sem problemas, trocando o surf pelos safaris. A adaptação foi relativamente fácil, porque há pontos transversais a todo o nicho de turismo, embora com ‘players’ diferentes e algumas afinações a desenvolver”.

O grande passo estava dado. O fascínio, aliás, já era antigo. “Sim, desde criança que era fascinado pela vida selvagem e um apaixonado pelos programas da BBC e da ‘National Geographic’. Tinha o sonho de viver em África, mas sempre pensei que isso só poderia acontecer muito mais tarde, que seria quase utópico conseguir ter sucesso profissional numa aventura destas. A vida, porém, deu-me este atalho”, reconhece Pedro.

A casa numa reserva com animais por perto
Quando está na África do Sul, o portimonense dispõe de um quarto alugado em Hoedspruit, na província de Limpopo, num local junto ao Parque Nacional Kruger. “Tenho lá as minhas bugigangas. É uma casa gira, numa reserva, com piscina e a presença de animais que todos os dias lá vão beber. É mesmo um sonho”, comenta, descrevendo uma “aldeia com todas as infraestruturas associadas à indústria de safaris”. A urbanização, se assim lhe quisermos chamar, tem uma zona residencial, hipermercado, oficina e vários operadores turísticos em atividade. “É lá a minha base, onde tenho o camião e onde também vive o meu amigo, com quem hoje ainda trabalho, embora numa parceria diferente”.

Dividindo o seu tempo entre a África do Sul (e os países onde efetua os safaris) e o Algarve, ora em Portimão ora na Costa Vicentina, onde continua a fazer passeios e a mostrar essa beleza única aos turistas, o guia trabalha como freelancer com várias agências de países europeus e do Canadá. Em Portugal, tem “uma parceria muito boa” com a ‘Landscape’, uma agência que privilegia o destino de aventura “e que vende o conceito do que eu faço”. Os clientes são de todas as nacionalidades, incluindo portugueses.

Na temporada de safaris, Pedro Quirino começa a viagem pela África do Sul e depois segue pela Namíbia, Botswana, Zâmbia, Zimbabué, Moçambique, Tanzânia, Quénia e Uganda, sempre em estreito e contínuo contacto com a natureza, percorrendo itinerários onde o êxtase do momento se confunde com a alegria de cada passageiro. Há mais percursos para mostrar e o portimonense tem alguns já identificados, casos de Madagáscar e Gâmbia.


Duas semanas de camião
Os safaris liderados por Pedro costumam ter a duração de duas semanas e o seu camião transporta um grupo de 12 pessoas. Para otimizar cada operação, a viagem começa na África do Sul, segue para a Namíbia e aí, por exemplo, sai o grupo inicial e entra outro. Num outro país, imagine-se o Botswana, a cena repete-se. E assim sucessivamente, de país em país e de aventura em aventura.

“Depois de três meses na estrada, com tantas ligações, é mesmo preciso descansar”, admite Pedro. Além do mais, é ele que conduz, faz naturalmente de guia e tem ainda mais um extenso rol de medidas a tomar inerentes a um ‘passeio’ deste tipo. “Por norma, viajo sozinho, mas se o nível do safari for mais elevado, tipo destinado a clientes mais ‘refinados’, em que os preços são outros e os alojamentos melhores, nessas circunstâncias poderei levar um assistente”.

Cada safari deste tipo custa à volta de três mil euros por pessoa. A grande especificidade é tratar-se de ‘overlanding’, isto é, uma viagem terrestre autossuficiente, percorrendo sítios remotos, em que o camião leva a ‘casa às costas’. Algumas vezes, a pernoita é feita em lodges, com alguma comodidade, mas, noutras, é mesmo em acampamento, selvagem, com os animais a poderem aparecer a qualquer altura, muito embora haja um conjunto de regras, cuidados e protocolos que, obviamente, tranquilizam o viajante. Dependendo do viajante, claro…

“Há pouquíssimos guias portugueses de safaris com certificado passado pelas entidades sul-africanas. E não é taxativo que se tenha retorno”, alerta Pedro, atendendo ao investimento pessoal que é preciso fazer. “É algo caro e bastante exigente”.

Namíbia, Botswana e… o rinoceronte
De todos os países africanos por onde passa, qual será o que mais cativa o guia? Pedro parece que esperava pela questão. “É uma pergunta ingrata, mas um dos que mais me entusiasma é a Namíbia, pelas suas paisagens, cores, vastidão dos desertos. Não existe nada igual. E também o vizinho Botswana, que é incomparável em termos de vida animal. É selvagem, selvagem! Depois o Uganda, talvez por ser diferente de todos os outros”.

Do país para o animal, a reação de Pedro é a mesma. “Outra pergunta ingrata, mas tenho um fraquinho pelo rinoceronte, quiçá pela sua imponência. E já tive o privilégio de o encontrar em caminhadas”. O objetivo, óbvio, é dar de caras com os ‘big five’ (elefante, leão, leopardo, rinoceronte e búfalo), o que sucede em praticamente todas as viagens, para gáudio dos turistas. “Vimos quase sempre o que as pessoas querem mesmo observar. Que me lembre, só uma vez, no Uganda, não vislumbrámos o leão”.

Os episódios são às ‘mãos cheias’ e os sustos também acontecem. “Os encontros com os animais são normais, sobretudo no Botswana, que é cem por cento selvagem. Ficamos a acampar no delta do rio, com parques adjacentes, em zonas selvagens, onde não há cercas. Estamos sempre atentos às regras e à segurança, mas é um território onde mandam os animais, que andam a passear muitas vezes pelo meio das tendas. Já fomos obrigados a recolher como medida de precaução, porque, a meio do jantar, tivemos a visita de um leão e de um leopardo”, assume Pedro Quirino.

Três meses sem conexão com o mundo

Para se ser guia é obrigatório tirar um curso, que tem vários níveis. O de Pedro foi intensivo, em pleno mato, durante três meses, “sem conexão com o mundo, sem eletricidade e sem telemóvel”, que apenas esporadicamente era utilizado, para um contacto com a família… se houvesse rede.

“É uma experiência de vida inacreditável, durante a qual aprendi técnicas de sobrevivência, de orientação, as pegadas, as plantas, a zoologia”, enumera o portimonense, sempre deliciado com a narração que o transporta para a vida que tanto adora. “Gostava de continuar a formação de guia, porque há muito mais a aprender. Vou a mais de meio, mas a matéria é tanta que se costuma dizer que só lá para os 80 anos é que chegamos ao fim”.

Dar a conhecer os encantos de Socotra

Apaixonado pelo que faz e pela vida em África, o guia português, especializado em safaris de natureza e vida selvagem, tem mais ideias e mais projetos para desenvolver. Dentro em pouco vai ao Brasil, analisar algumas áreas, uma vez que é consultor numa empresa de ecoturismo e sustentabilidade e responsável pelo desenvolvimento de estratégias e operações.

Ao mesmo tempo, continua a fazer surf, mata saudades com os pais na sua cidade natal e reparte com o Portimão Jornal mais uma cartada das suas aventuras, desta feita explorando os encantos de Socotra, uma ilha do Iémen, algo esquecida no Índico, que abriu recentemente ao turismo e começa a ser ‘explorada’ pelos Emirados Árabes Unidos, com voos desde Abu Dhabi. A ilha de Socotra é Património Mundial da UNESCO pelo seu valor ambiental e concentração de espécies de árvores únicas e Pedro quer dar a conhecê-la antes que se transforme num destino turístico cheio de restaurantes e hotéis.

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