A chama olímpica na vida de Diogo Marreiros

Texto: Hélio Nascimento


Diogo Marreiros é o melhor patinador português de sempre da patinagem de velocidade. Tem 29 anos, mais de 120 medalhas de ouro a nível interno e ostenta os títulos de vice-campeão europeu e vice-campeão mundial, para além de muitas outras conquistas em Taças do Mundo e torneios internacionais, incluindo um título de campeão europeu de juniores. É de Lagos, representa o Roller, e, não contente com a excelência do que vinha e vem fazendo sobre rodas, começou a dedicar-se, há cerca de quatro anos, à patinagem no gelo. A justificação é simples: a patinagem sobre rodas não é modalidade olímpica. 

Por outras palavras, está bom de ver, o grande sonho da sua carreira é participar nos Jogos Olímpicos. Daí esta aposta no gelo, num misto de empenho e sacrifício, que o levaram até a abrir uma conta bancária para receber donativos e ir estagiar na Holanda. Este sonho olímpico, note-se, está cada vez mais vivo e presente, sobretudo depois das provas efetuadas na Alemanha, no final de fevereiro, nas quais bateu três recordes nacionais de patinagem de velocidade no gelo e conseguiu os mínimos para a Taça do Mundo, onde poderá carimbar o almejado passaporte para os Jogos Olímpicos de Inverno do próximo ano, na China, partindo do princípio, naturalmente bem encaminhado, de que Portugal vai ser aceite como membro.

A sua grande aposta vai para a corrida de Mass Start, uma prova de longa distância em que os atletas partem todos ao mesmo tempo. Na patinagem tem 15 voltas, com quase seis quilómetros de extensão. 

“Obtive os mínimos para as Taças do Mundo nos cinco quilómetros e a marca permite também a entrada na Mass Start, que é a prova que, em princípio, me dá mais possibilidades de ir aos Jogos Olímpicos. A razão? É mais parecida com as corridas em rodas. Somos entre 16 e 24 patinadores e partimos em pelotão, que é aquilo a que estou mais habituado e, por isso, tenho uma melhor noção do que preciso fazer”, explica Diogo Marreiros, referindo que a Mass Start só há cerca de quatro anos foi ‘oficializada’ nas Taças do Mundo e Jogos Olímpicos.
“Alguns atletas ainda não se dedicam muito a esta prova, mas, para mim, face ao curto espaço de tempo que levo no gelo, é o ideal”. 

A atribulada vida de um patinador 
A época de gelo já terminou, como se disse, e o balanço de Diogo Marreiros é, naturalmente, extremamente positivo, não obstante as dificuldades por que passou e que vale a pena contar. “Passei um período bastante atribulado, na altura em que estava na Holanda, perto do final do ano passado, quando as provas foram canceladas devido à pandemia. Vim passar o Natal a casa, voltei para a neve, só que o cenário até piorou e as pistas foram de todo encerradas em janeiro”.  

Diogo, porém, não é homem para desistir, e, alterando os planos, viajou para a Alemanha e retomou o estágio. “Estive lá um mês e fiz três provas. Com grande esforço e aprendizagem rápida, confirmou-se uma boa evolução”, reconhece, o que lhe valeu a obtenção de três recordes nacionais: 1.54’35 nos 1500 metros, 3.58’58 nos 3 km e 6.44’66 nos 5 km. 

“Houve uma altura, confesso, em que perdi a esperança de competir, mas, felizmente, em Inzell (onde decorreram as provas em solo germânico), o controlo sanitário é rigoroso, a segurança redobrada e as pistas estavam abertas. Treinei, competi…foi tudo muito bom”, argumenta, adiantando estar já “com fome de mais”. Só que vai ter de esperar, porque as Taças do Mundo, onde jogará todos os trunfos para ir aos Jogos Olímpicos, decorrerão entre 14 de novembro e 14 de dezembro, em quatro países diferentes: Polónia, Noruega, Estados Unidos e Canadá.  

“O sonho está cada vez mais vivo, é verdade. Tenho apoio, alcancei as marcas e agora tudo é possível. Estou mais motivado, dei os passos que pretendia e as sensações são incríveis”, admite o atleta do Roller Lagos. De facto, a Federação de Desportos de Inverno de Portugal tem dito presente e a bolsa olímpica que recebe desde outubro passado ajuda-o a estar mais concentrado, sem ter de recorrer a ajudas-extra para poder alimentar a chama olímpica que ‘vive’ no seu corpo e na sua cabeça. 

Ranking com vista para Pequim 
As quatro Taças do Mundo que Diogo Marreiros vai participar entre novembro e dezembro estabelecem um ranking através do qual os 24 melhores patinadores marcarão presença nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, a realizar na capital chinesa, Pequim, que será a sede oficial do gigantesco evento. Além desta qualificação, há também uma outra, a das quotas por países, em que os mais cotados dispõem de duas vagas e os menos cotados de apenas uma, onde Portugal e Diogo Marreiros esperam estar inseridos. De um modo ou de outro, “o principal objetivo é conseguir a qualificação e tornar real o maior sonho” de uma longa carreira, que, nas rodas, começou, como já foi referido, aos quatro anos de idade. 

“A patinagem no gelo é completamente diferente do que estava habituado a fazer nas rodas. Os músculos envolvidos são mais ou menos os mesmos, mas a técnica não tem nada a ver. Foi entrar num mundo novo”, argumenta o lacobrigense. Os primeiros tempos, na circunstância, não foram nada fáceis. “Um dos aspetos mais difíceis da transição foi encarar atletas conhecidos, com que competia nas rodas, e eu andar numa fase tão básica de aprendizagem”. Diogo, todavia, aprendeu a lidar com isso, até porque, como ele diz com um sorriso a iluminar-lhe a face, “os holandeses sabem como a transição é difícil e revelaram-se excelentes companheiros e amigos”. 

Das lâminas do gelo para as rodas 

Diogo Marreiros continua a treinar, agora de novo sobre rodas, visando outros objetivos: o Campeonato da Europa, em julho, que Portugal vai organizar, na localidade de Canelas (concelho de Estarreja), e o Campeonato do Mundo, dois meses depois, em setembro, na Colômbia. “Não se pode parar. Quando trocamos de disciplina há sempre uma ligeira adaptação, mas a preparação é indispensável, porque treinamos os músculos, estamos ativos e a parte competitiva entusiasma”. 

Este saltar das lâminas do gelo para as rodas e vice-versa, de resto, tem sido um hábito dos últimos tempos. “Saio de uma época para a outra com a normalidade possível. Sei que quando chega o inverno estou quatro meses longe de casa, com algum sacrifício, mas tem de ser assim. Agora, também sei que até ao fim do ano é sempre a esforçar-me”. Primeiro sobre rodas, depois ‘voando’ no gelo, este algarvio quer continuar a fazer história!

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