Abutre-preto volta a sul
Dois casais de abutre-preto começaram a nidificar este ano no Alentejo, no concelho de Moura. Esta espécie não se reproduzia a sul do Tejo há mais de 40 anos. Em Portugal estão identificados apenas 15 casais em nidificação
Ricardo Tello
Em Portugal ocorrem naturalmente três espécies de abutres, o grifo, o abutre-do-Egito e o abutre-preto. Chegou também a existir uma quarta espécie, o quebra-ossos, que se extinguiu no século XIX mas que recentemente voltou a ser observada, vinda de Espanha onde existem importantes programas de reintrodução. No Algarve a presença destes abutres é escassa, fazendo-se notar sobretudo no Outono na zona de Sagres, quando migram para passar o Inverno em África.
Estas aves desempenham um importante papel ecológico, pois alimentam-se de cadáveres de animais mortos, evitando assim que as doenças se propaguem. No entanto, o progressivo abandono da criação de gado e a crise da doença das vacas loucas, que levou à publicação de legislação europeia que obriga à remoção das carcaças dos animais do campo, levou a uma diminuição significativa da alimentação disponível e teve como consequência o declínio da população de abutres.
Para combater esta situação foram lançados diversos projetos de conservação, no âmbito dos quais foram construídos ninhos artificiais e alimentadores de abutres. Nestes espaços cercados, são regularmente depositados restos de matadouros e talhos, de forma a permitir a alimentação destas aves.
Foi em resultado de um destes projetos, o LIFE ‘Habitat Lince Abutre’, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), desenvolvido na região de Moura, Mourão, Barrancos e Vale do Guadiana, que foi agora confirmado o início da nidificação de dois casais de abutres-negros. Segundo a LPN, “após mais de 40 anos sem reprodução confirmada a sul do rio Tejo em Portugal, tendo neste período apenas sido registada uma tentativa de nidificação (falhada) há cerca de 20 anos, a ocupação destes dois ninhos artificiais representa um sucesso das medidas implementadas e um importante marco na conservação do abutre-preto em território nacional”.
Refira-se que o abutre-preto regressou como reprodutor a Portugal em 2010 (na região do Tejo Internacional) e que atualmente se encontra a nidificar apenas no Tejo Internacional (cerca de 12 casais) e no Douro Internacional (1 casal), podendo a presente nidificação constituir o estabelecimento do terceiro núcleo reprodutor da espécie no país.
As espécies:
Abutre do Egito (Neophron percnopterus)
É o mais pequeno dos abutres portugueses, sendo os adultos brancos e os jovens predominantemente castanhos. Está presente no nosso território desde finais de fevereiro até setembro, para criar, passando o Inverno em África. Outrora uma espécie comum, este abutre tornou-se progressivamente mais escasso e hoje é uma ave relativamente rara, encontrando-se o seu principal núcleo reprodutor no nordeste transmontano.
Grifo (Gyps fulvus)
É muito grande, maior que as águias, sendo a sua plumagem acastanhada. Forma frequentemente bandos de algumas dezenas de aves, e voa grandes distâncias planando a grande altitude e quase sem bater as asas. Em Portugal nidificam algumas centenas de casais de grifos, sobretudo no interior junto à fronteira, no nordeste transmontano. A espécie está presente no nosso país ao longo de todo o ano, mas também migra para África no Outono.
Abutre preto (Aegypius monachus)
É o maior dos nossos abutres, podendo atingir os três metros da ponta de uma asa à outra. Deve o nome à sua plumagem totalmente escura, quase negra. Este grande abutre é relativamente raro em Portugal, mas pode ser considerado de ocorrência regular ao longo da fronteira, especialmente na Beira e no Alentejo. Muitas vezes trata-se de indivíduos oriundos de Espanha, que vêm alimentar-se em território português. Embora não seja habitual ver mais que um ou dois indivíduos juntos, o abutre-preto associa-se frequentemente a bandos de grifos.
Quebra-ossos (Gypaetus barbatus)
Os locais mais próximo de ocorrência desta espécie situam-se nos Pirenéus e nalgumas serras do sul de Espanha. A única observação que se conhece em Portugal envolvendo indivíduos genuinamente selvagens diz respeito a duas aves abatidas pelo Rei D. Carlos I, no rio Guadiana, em 1888. Mais recentemente, em 2011, foi registada a presença desta espécie em três ocasiões distintas, na Beira Interior e no nordeste transmontano. Estes registos envolveram aves libertadas em Espanha, no âmbito de um programa de reintrodução que está a decorrer nesse país.