Academia de Judo do Arade tem nova casa e mais ambição
Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Kátia Viola
Ambiente familiar, espaço acolhedor e a alegria contagiante das crianças prontas para todas as brincadeiras, e, também, para aprender judo. O professor Filipe Santos já lhes incute os princípios básicos desta tão peculiar arte desportiva, assentes no respeito, antes de passar às mais elementares técnicas de treino, incluindo as projeções ao tapete, sempre do agrado de qualquer atleta.
É assim que se inicia mais um dia de trabalho na Academia de Judo do Arade, agora sediada na Mexilhoeira da Carregação, na Urbanização da Fazenda Grande. Começam os mais petizes, depois surgem os graduados e os que já fazem competição ‘a doer’. Às segundas, quartas e sextas-feiras o programa repete-se, a partir das 18 horas, mas também há alguns treinos que decorrem ao sábado.
“A Academia vai para o terceiro ano de vida, embora o judo, em Lagoa, tenha quase dez anos”, narra Filipe Santos, a alma do clube e de todo o projeto. Tudo começou em Ferragudo, na ACD, que acolheu judocas de outros pontos desta zona algarvia, como o caso do próprio professor, que estava em Alvor. “A dada altura chegámos à conclusão que era bom ficarmos com alguma autonomia. Reuni-me com os pais dos atletas e outras pessoas e avançámos para umas instalações no Parchal, na Bela Vista”.
O ‘nascimento’ da Academia de Judo do Arade quase coincidiu, para cúmulo do azar, com o aparecimento da pandemia. “Foi uma altura difícil e complicada, pois não se podia treinar. Aos poucos fomos reabrindo, sempre com muitos testes, mas a sala no Parchal tinha uns pilares ao meio, o que atrapalhava os nossos treinos. Foi útil no início, mas havia a vontade de dispor de umas instalações maiores…”.
Sala nova tem três meses
Este espaço na Mexilhoeira veio mesmo a calhar. Também é alugado e comporta 120 metros de tapete útil para os treinos, fora o resto. “Temos cerca de 70 judocas federados, a grande maioria ativos, e somos uma associação sem fins lucrativos. Sou igualmente o presidente, sim, mas não faço nada sozinho. Os pais ajudam imenso e tenho alunos que me acompanham há uma dúzia de anos”, conta Filipe Santos.
“O judo é a minha paixão. Repare que este espaço estava quase ao abandono e fomos nós que o recuperámos”, prossegue, apontando para alguns locais onde ainda é visível a marca de obras recentes, nas quais participaram as ‘forças vivas’ da coletividade, em perfeita colaboração e entreajuda. Esta nova sala da Academia, aliás, só tem três meses de utilização.
“De momento sou o único professor, mas temos uma ligação muito forte e estreita com o Judo Clube do Pragal, do meu mestre Nelson Trindade, que é 7º dan. Estamos juntos regularmente”, diz Filipe Santos, numa altura em que começam a chegar mais judocas. “Temos todos os escalões e as idades vão dos quatro aos 70 anos, frisa, com um sorriso, este homem que começou a fazer judo aos sete anos e passou por vários clubes, entre Silves, Lagoa e Portimão.
“Também estive em França e não parei de treinar”, antes de enveredar pela carreira de professor, o que sucedeu há cerca de 15 anos. Filipe Santos tem 53 anos, é 3º dan e a sua atividade profissional é outra: tem uma empresa de alimentação de animais.
Medalhados a nível nacional
O professor insiste que, apesar de ter sido o impulsionador, o projeto é de várias pessoas e adianta que até dois filhos estão envolvidos e praticam a modalidade. Só assim, aliás, é possível superar os obstáculos naturais de um trajeto deste tipo. “A Câmara Municipal de Lagoa emprestou os tapetes, mas sentimos alguma discrepância em relação ao apoio dado a outras coletividades. Mas nunca nos negaram ajuda e temos ótimas relações com o presidente, que tem o pelouro do desporto”.
Filipe Santos salienta que “só agora estamos a meter a cabeça de fora”, face aos problemas levantados pela pandemia e ao facto de apenas nesta fase poderem avançar os contratos-programa. “Com mais apoio, não tenho dúvidas, podemos ir mais longe. Mesmo assim, já temos medalhados a nível nacional e uma série de bons resultados”, referindo Leonardo Girão, vice-campeão de juvenis este ano, João Roque, bronze nos juvenis no ano passado, e Santiago Santos, quinto classificado entre quase meia centena de atletas.
As competições nacionais realizam-se todas longe do Algarve, sobretudo em Coimbra e Lisboa, o que acarreta mais dificuldades, neste caso de transporte e demais logística, inclusive “porque temos de viajar um dia antes dos combates”. Filipe Santos explica que nas três provas nacionais deste ano “apenas por uma vez a Câmara cedeu uma carrinha, nas outras duas deslocações fomos por nossa conta”.
Face a este panorama, o responsável pela Academia de Judo do Arade pede um pouco mais de auxílio. “Há transporte para o futebol e o basquetebol quase todos os fins de semana, o que é legítimo, atenção, mas o judo só tem três ou quatro provas e precisávamos que olhassem mais para este desporto olímpico em que Portugal tem pergaminhos nos Jogos Olímpicos e nos Europeus e Mundiais”.
O mais importante é haver desporto
A curto prazo, porém, Filipe Santos acredita que tudo vai melhorar nesta questão dos transportes e mais algum apoio, porque, além do avanço na questão dos contratos-programa, as reuniões com a Junta de Freguesia têm decorrido bem e também deverão ter uma resposta positiva. “É importante o apoio e a colaboração de todos, até porque somos o único clube de judo do concelho de Lagoa”.
O entusiasmo dos alunos é alto, como a reportagem do Lagoa Informa testemunhou, e o ‘dojo’ – o local de treino – satisfaz plenamente. “A sala não nos envergonha e ter o nosso espaço é fundamental. Sentimo-nos bem e podemos fazer estágios e treinos-extra sempre que seja preciso, privilegiando o desenvolvimento”. De resto, já o dissemos, os resultados têm sido satisfatórios e a adesão ainda mais significativa.
“Todos os nossos judocas, desde que o queiram, participam nos Encontros de Judo, que é uma modalidade inclusiva e pode ser praticada por todos, sejam gordos ou magros ou até com algum grau de deficiência. Todos se adaptam”, ressalva Filipe Santos. A competição, claro, é para quem quer seguir esta via, mas o alerta do professor tem todo o alcance: “Somos um país que anda muitas vezes atrás das medalhas, mas o que mais preocupa é haver desporto para todos. E em especial para todos os miúdos”.
A grande maioria dos praticantes da Academia pertence ao concelho de Lagoa e as relações com os clubes vizinhos, nomeadamente o Judo Clube de Portimão e o UFAD Judo Alvor, “são boas e normais, em especial com Portimão, que é mais parecido connosco”, assinala o professor, à despedida. Em janeiro regressam as provas nacionais e o foco já está devidamente direcionado…
A palavra aos atletas
João Roque quer ser campeão
João Roque conquistou no ano passado a medalha de bronze no Campeonato Nacional de juvenis, na categoria de menos de 73 quilos. Tem 15 anos, é cinto castanho – a caminho do negro – e pratica judo há dez anos, tendo passado por Alvor e pela ACD Ferragudo até chegar à Academia. “O judo faz parte da minha vida. Quero ser campeão nacional e tenho o sonho de um dia chegar aos Jogos Olímpicos”, diz o jovem, sempre muito entusiasmado com o seu desporto de eleição. João Roque frequenta o 9º ano de escolaridade, mas ainda não escolheu que curso quer depois seguir. “Sei que vou continuar a fazer judo, o resto ainda não decidi”.
Leonardo Girão tem dois títulos
Leonardo Girão é o atleta mais medalhado da Academia de Judo do Arade, depois de, nos últimos Nacionais de juvenis, ter obtido a medalha de prata na categoria de menos de 46 quilos e a de ouro na prova coletiva, integrando a equipa do Judo Clube do Pragal. Esclareça-se que os regulamentos permitem que um clube, desde que tenha uma maioria de atletas seus na equipa, pode ‘convidar’ elementos de outros emblemas para fazer parte do conjunto que vai competir. Foi o que sucedeu com Leonardo Girão, de 13 anos, um cinturão castanho que faz judo desde os sete. “Foi uma grande honra ter sido campeão nacional de equipas, foi uma experiência incrível”, diz o jovem, que também ficou satisfeito com o título de vice-campeão nacional na sua categoria. “O meu maior sonho é um dia chegar aos Jogos Olímpicos. Vou esforçar-me e acho que estarei preparado para os sacrifícios necessários”, garante o aluno do 8º ano de escolaridade, que destaca o “ambiente alegre e engraçado, mas também de muita disciplina”, que se vive na Academia do Arade. Para 2023, quer ser “campeão nacional individual e repetir o título por equipas”.
Vítor Bravo é um grande exemplo
Vítor Bravo tem 70 anos e é o mais velho a pisar o tapete, constituindo um exemplo para todos, em virtude da sua longevidade e dedicação a uma modalidade que começou a praticar por volta dos 19 anos. Esteve, porém, bastante tempo parado, com alguns problemas de ordem física. “Tenho uma certa responsabilidade, por ser o mais velho, e são, de facto, muitos anos de judo. Agora, o que maior gozo me dá é ver esta juventude tão empenhada e com vontade de evoluir”, sustenta Vítor Bravo, que também foi atleta de competição e chegou a ganhar títulos distritais por equipas e individualmente, bem como outros lugares de relevo. No princípio do próximo ano vai passar a cinturão negro, por “total mérito”.