André Dias: “Ferragudo não destruiu o seu património imaterial marítimo”

Texto e fotos: António Garrancho

“Nasci numa comunidade piscatória. O meu pai, os meus tios e os meus avôs eram pescadores e cresci nesse meio. Fui pescador desde pequeno, passando as férias da Páscoa e de Verão no barco com o meu pai. Tinha seis anos quando houve a proibição da caça à baleia e cresci dentro das ideias do Cousteau e da Greenpeace. E sempre tive vontade de servir a minha comunidade, desejando que ela se conservasse, porque vi coisas… Fui estudar biologia marinha porque fazia sentido, sendo eu do mundo do mar. E acabei por vir trabalhar em observação de cetáceos, em certa medida para influenciar outras pessoas a cuidar também da vida marinha”, explica André Dias.

Para o biólogo marinho, os maiores embaixadores do planeta são os golfinhos e a preservação destes animais obriga à proteção de todos os oceanos, acrescentando que procura ajudar a comunidade, toda ela dependente do mar.

“Começámos em Portimão, mantivemos uma loja durante algum tempo na marina, mas depois desisti, porque um conceito como o Wildwatch não faz sentido numa marina desprovida de identidade. E eu faço parte desta comunidade. Estou bem com estas pessoas. Mudámo-nos para cá e quem passa por aqui, os nossos clientes, são pessoas que querem conhecer estas terras. A grande virtude de Ferragudo foi não ter destruído o seu património imaterial marítimo”, salienta.

“Para mim, ir à procura dos golfinhos é quase como ser um pescador. É o mesmo instinto de busca. Depois, é o prazer de estar no mar e apreciar todo este património natural. Felizmente o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) bloqueou a emissão de licenças para o Algarve. Quando as pessoas observam os golfinhos no meio de muitos barcos, perde-se o potencial de contágio para a conservação”, refere o empresário.

Apoio à autarquia

André Dias é o presidente da Assembleia Geral da Associação dos Pescadores de Ferragudo e a pessoa que trata da papelada.

Desde 2020, presta assessoria à Câmara de Lagoa em questões do mar, “principalmente quando surgiu o projeto de fazer um parque natural marinho na zona da Pedra do Valado e a autarquia achou que necessitava de alguém que percebesse disso e tivesse ligação com os pescadores, porque aquilo vai implicar mudanças na faina e terá de haver um conjunto de medidas compensatórias. A verdade é que é muito importante conseguirmos proteger aqueles valores naturais”.

Outro tema importante em que está envolvido, como representante do município de Lagoa e da Associação de Pescadores de Ferragudo, é o projeto de gestão integrada da pesca do polvo, a ser efetuada por pescadores, instituições ambientais e de ciência. Em suma, um modelo descentralizado, promovido pela Associação Natureza Portugal, em que é obrigatória a participação dos municípios abrangidos.

Pela nova lei das pescas, é possível fazer a cogestão, desde que 75% dos pescadores de uma determinada zona estejam de acordo e uma instituição científica ou uma universidade faça uma avaliação positiva dos recursos. E devemos levar em conta que o Algarve é a zona do país com maior abundância deste molusco e que cerca de 30 por cento das capturas são descarregadas no concelho de Lagoa.

A ideia base é que as pessoas se juntem, criem regras próprias e percebam, com a ajuda da universidade, se é necessário fazer um defeso. “Em suma, como é que conseguimos que o polvo não acabe, porque há momentos em que não há, ou havendo, são muito poucos, ou são muito pequenos. Serão regras feitas mais à medida, na região, em vez de termos de falar com o secretário de Estado, até porque os Governos terão sempre dificuldades em criar uma lei específica para uma região”, afirma.

Pedra do Valado

A Pedra do Valado é o maior recife de baixa profundidade na costa portuguesa, abaixo dos 30 metros, que se estende sensivelmente de Carvoeiro a Albufeira.

O seu valor já foi provado cientificamente e decidido que tem de ser protegida. Mas, pela sua riqueza, é um dos pesqueiros mais importantes da costa algarvia e muitos pescadores dependem dele para a sua subsistência, principalmente pesca artesanal e polvos.
“Espero que se consiga chegar a soluções que não prejudiquem as pessoas, durante o período”, diz o biólogo, acrescentando que “o que se espera destas áreas é que elas se tornem muito mais produtivas”. Há zonas do mundo onde a biomassa multiplicou por 300 vezes a que existia antes da intervenção”, revela.

A pesca do polvo

“O polvo é uma espécie ingrata, porque vive cerca de um ano e, depois de desovar, morre. Os ciclos dependem muito do sucesso das larvas. E o mercado do polvo é um mercado de congelados e global. No Algarve, a pesca do polvo é proibida ao fim de semana, mas a arte fica a trabalhar. E o preço do polvo não oscila por haver muita quantidade no Algarve, mas por haver muita captura a nível mundial. Por ser um produto congelado, porque necessita de frio para ficar mais tenro e fácil de cozinhar, há sempre facilidade em colocá-lo em todo o mundo”, afirma o biólogo André Dias. Neste momento, deve ser a pesca mais importante no Algarve, dado o seu valor em lota, a cerca de dez euros por quilo. E, segundo este especialista, “o preço não desce, se houver muita captura, porque vive do mercado global e os espanhóis, aqui mesmo ao lado, são grandes consumidores da espécie, adquirindo a maioria das capturas”.

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