As noites incríveis de Portimão numa vida dedicada à música

Texto: Hélio Nascimento


José Manuel Martins é um músico de ‘mão cheia’, que fez de Portimão a sua ‘base’ para dar largas a uma paixão que o acompanha desde tenra idade.
Toca, canta e compõe, tudo com uma dedicação sem limites, seja no seu Birimbar, em outros locais do país ou mesmo no estrangeiro. De nome artístico Zé Manel, nasceu em Moçâmedes, hoje Namibe, tem 67 anos e veio para Portugal em 1975, primeiro para Lisboa, depois Nazaré e, por fim o Algarve, em 1976, com os pais que se radicaram na região.

“Tenho mais anos de Portimão do que de Angola”, atira o músico, muito compenetrado, pronto a contar a história de uma vida. Veio com a família mais próxima e um grupo de amigos, que já tocava com ele naquele país africano. “Estou na música desde os 12 anos. Tive aulas de piano, entrei em conjuntos de baile, a cantar e a tocar viola, numa banda que se chamava ‘Hiper’. Prosseguimos as atuações na Nazaré e alguns desses amigos ainda lá vivem”.

Já no Algarve, começou a tocar “num grande e icónico local, o Martin’s Bar da Praia da Rocha, propriedade de um senhor sueco”. Foi lá que cimentou o início da carreira, tendo então encontrado, para sua alegria, mais músicos de Angola. “Não havia praticamente mais nada na Rocha, mas lembro-me muito bem desse Martin’s Bar, onde chegou a atuar o Jorge Palma. E eu com o Moanho, que trabalhou comigo muitos anos aqui no Algarve. Fizemos um duo e tocámos em todo o lado, também no Boémio, em Portimão, que enchia todos os fins de semana”.

Zé Manel e Moanho percorreram o país, gravaram um ‘single’ em Lisboa, os dois a tocar e cantar, sobretudo música angolana. Em 1985 deu novo passo na carreira, estreitando ainda mais os laços com a cidade que o acolheu. “Abri o Palco Bar, que em 23 de junho completa 39 anos. “Vou fazer uma festa de comemoração. Estou a pensar nisso seriamente, para ser uma noite especial”.

Birimbar, Moanho, Quim Brandão e Beto Kalulú
O bar é propriedade de Zé Manel e da sua mulher. “Foram dez anos incríveis, com grandes e animadas noites”. Passado esse período, com a sua atividade a expandir-se cada vez mais, resolveu alugar o espaço, na Rua Nossa Senhora do Amparo. Mais alguns anos volvidos, chamou de novo a si a responsabilidade, dando então o nome de Birimbar, que não tardou a ser uma referência da cidade.

“Mudei a denominação porque tive medo que a coisa não vingasse e não queria manchar o nome Palco Bar, que tivera muito sucesso”. O receio, todavia, era infundado, já que o Birimbar, abrindo só aos sábados, ou quando muito também às quartas-feiras, passou a fazer parte de muitas noites dos portimonenses, que ali vão para ouvir vários temas musicais e beber um copo.

De permeio, manteve o duo com Moanho, até que este foi viver para os Estados Unidos, arranjando então novos parceiros, como Quim Brandão e Beto Kalulú. Mais tarde, foi a vez de Paulinho Lemos, numa ‘associação’ entre Angola e Brasil, que proporcionou mais discos gravados e até uma atuação no Centro Cultural de Belém. “Tudo isto me deu imenso gosto, inclusive porque as composições eram quase todas nossas”.

O Bar Birimbar comporta entre 40 a 50 pessoas, bem ‘apertadinhas’, e, no verão, abre uma esplanada na rua. “O pessoal costuma aparecer depois de jantar, tipo dez da noite, para beber um copo e ouvir música, é este o conceito”, garante o proprietário, sempre presente nas atuações, que se prolongam até às duas horas, no máximo.

Segundo lugar no Festival da Canção
Um dos pontos mais altos da carreira de Zé Manel surge em 2001, quando participa no Festival da Canção, com Tuniko Goulart e Patrícia Colaço, com o tema ‘Choro no Fado’, uma mistura de fado e chorinho brasileiro.

“É das músicas que mais gosto. Ganhámos a eliminatória em Faro – nesse tempo era assim – e depois, na final, ficámos em segundo lugar e por cinco votos não fomos à Eurovisão. Foi o Marco Quelhas o vencedor”, recorda o artista, com alguma nostalgia.

Não deu para ir à Eurovisão, mas as consequências, convenhamos, foram ótimas, desde gravações de CD a muitos concertos e digressões pela então Holanda, Brasil, Inglaterra, Noruega e Alemanha, entre outros países. “Aproveitámos bem o mediatismo e andámos por aí, com estes projetos, que rotulo de mais importantes”, aludindo também à Banda Atlântica, que correu o Algarve, com música portuguesa e afro-brasileira a entreter os amantes do espetáculo.

“Todos estes projetos, curiosamente, nasceram no Birimbar, onde decorreram os ensaios e consolidámos as ideias. A cumplicidade com o espaço é enorme, daí que diga que a minha vida está toda aqui”. O local foi um sucesso e continua a ser. “Já cá atuou o Dino Santiago e muito pessoal do jazz. Da Bemposta, que tem uma escola de música, aparece sempre malta interessada em ouvir e participar. Felizmente, o público diz presente e gosta de todo este ambiente”.

O Birimbar funciona só aos sábados, porque “um bar não é brincadeira”, embora, em algumas situações especiais, possa abrir às quartas-feiras. “A gente vai desacelerando, passamos da A22 para a EN 125, ou seja, vamos mais devagar. Agora tenho um trio, com o Jorge Carrilho e o Adriano Alves, todas as segundas e quintas-feiras estamos em Albufeira, na Praia da Oura, num bar de um neerlandês que adora música ao vivo e que é pintor”. 

“É continuar até morrer”
Zé Manel continua, pois, a tocar em outros sítios, mas “aos sábados é sagrado estar no Birimbar”. A tradição é enorme e repleta de crescente entusiasmo, com atuações diversificadas, e ainda há dias, por exemplo, “um saxofonista neerlandês e um casal brasileiro tocaram e cantaram para agrado geral”. Este músico também já tem ido a algumas noites do Clube União Portimonense. “O que aparece e gosto, eu faço”, confessa, sempre pronto a espalhar a sua arte.

Uma das coisas que mais gostou, recentemente, foi gravar o ‘single’ ‘Semba Umbigada’, com João Ferreira e Manecas da Costa, um estilo de música angolana que está, também, nas redes sociais.

“Fiquei muito feliz com o resultado, uma gravação exemplar num estúdio histórico, a ‘Gravisom’, que adorei. Senti até uma energia especial”, sublinha, referindo a quantidade e qualidade de música lá gravada, “de Tito Paris a Sara Tavares, toda a gente gravou ali”.

Para o futuro próximo, não há planos especiais, “é continuar até morrer”, realça Zé Manel. “São mais de 50 anos de carreira, de música, a compor e a cantar”. “O Birimbar é a minha vida e Portimão a minha cidade”, diz com encanto, mostrando-se grato a um percurso de excelência por tantos cantos do mundo, centrado no bar que fundou e no local que adotou como seu desde que assentou arraiais para continuar a dar largas à paixão.

“Quando estou empolgado nem tiro o pijama”

Num momento de inspiração, preparado para compor, Zé Manel não pensa em mais nada, entregando-se de corpo e alma ao projeto. Como ele próprio confessa, “quando estou empolgado com alguma música, enfio-me em casa e nem tiro o pijama”, revela, com uma gargalhada à mistura. O momento presente até pode ser dado como exemplo. “Estou a trabalhar numa música de Portimão. É surpresa, mas dou um cheirinho: trata-se de uma composição dedicada à nossa cidade, um corridinho, estando a parte musical já bastante avançada”. Num olhar mais abrangente sobre a realidade algarvia neste campo, o artista reconhece que “há muitos novos valores, desde músicos com classe às escolas que evoluíram”, elogio que se estende “aos fadistas e violas de fado”. Ao mesmo tempo lança um pedido, desejando que as novas tecnologias, embora de todo indispensáveis, não contribuam para que se deixe de “saborear a música autêntica”. E, sem se deter, aconselha a que se ouça com auscultadores, porque, no telemóvel, mais de metade da qualidade perde-se. “A música portuguesa nunca esteve fora da minha vida. Adoro fado, de vez em quando canto um ou outro, gosto também de música alentejana, mas a afro-brasileira foi a que mais toquei e é minha praia”, vinca, a concluir.

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