As noites têm mais encanto a ver guitarras e a ouvir fado em Portimão

Texto: Hélio Nascimento | Foto: CM Portimão


O edifício da antiga lota de Portimão tem sido pequeno para albergar o elevado número de pessoas – portimonenses na sua maioria – que deseja passar uma noite diferente, ao som da guitarra e do fado, num ambiente castiço, de amizade e comunhão. Mas não é só isso. Há uma exposição também ‘responsável’ pela agradável agitação do local e por esses serões de eleição, denominada ‘A minha história da guitarra portuguesa’, do colecionador José Paulo Costa, que, naturalmente, faz as honras da casa.

Interessado desde sempre pela construção da guitarra, é ele que conduz os visitantes pela sala e lhes mostra as vitrinas que evocam a “singular individualidade” do instrumento. Mostra e explica. É uma espécie de aula, bem ao vivo, com pormenores deliciosos e muitos deles desconhecidos do público.

O Portimão Jornal esteve à conversa com José Paulo Costa, neto de um antigo médico da cidade, o doutor Veríssimo. O colecionador até nasceu em Lisboa, mas a partir de 1996 radicou-se por cá, quiçá fruto dessa relação familiar, e, hoje, considera-se portimonense. A paixão pela guitarra tem igualmente muitos anos.

“Sempre tive muito interesse em perceber como as coisas são feitas. A construção da guitarra, no caso, era um mistério, inclusive porque há pouca documentação. Então, um pouco por impulso, comecei a comprar guitarras, algumas aos melhores mestres, para tentar compreender como tudo se processa”, explica José Paulo Costa, um verdadeiro estudioso da matéria, que, assim, acabou “por reunir a história da guitarra portuguesa em instrumentos”.

“Faz parte da genética portuguesa”   
Hoje em dia, José Paulo Costa até já constrói guitarras, como mostra a exposição, onde está patente uma, por sinal inacabada, mas propositadamente, para se perceber como tudo evolui. “Tenho cerca de 50 guitarras e instrumentos, espalhados por vários locais, mas a maior parte está em minha casa”, confidencia, com prazer.

Justificando o porquê desta realização, durante mais de um mês, no edifício da antiga lota, o colecionador não tem dúvidas. “A guitarra é um instrumento identitário, faz parte da genética portuguesa, mas as pessoas, em geral, não têm noção da sua história. Por isso, importa transmitir e dar a conhecer tudo isto, sobretudo porque, repito, é parte integrante da nossa cultura”.

Os portimonenses, como já se disse, gostam e aderem à iniciativa, o que não espanta José Paulo Costa. “Fiz uma primeira exposição há 12 anos e, segundo contam, foi a que teve mais visitantes no Museu de Portimão. As pessoas comparecem em massa, o que, se por um lado é surpreendente, acaba por ser ao mesmo tempo apaixonante”, acentua.

Depois, já sabemos, de modo quase incontornável, há o fado a complementar esta história da guitarra portuguesa, que “é genuinamente nossa e um dos condimentos do fado”. Falando com emoção, José Paulo Costa termina com uma fase lapidar: “A guitarra vive sem o fado, mas o fado não vive sem a guitarra…”.

Valorizar os artistas locais
No dia do arranque da exposição, a 7 de setembro, o espetáculo chegou a arrepiar alguns dos presentes. A fadista Rita Raimundo surgiu de barco, no Arade, cantando, enquanto Vítor do Carmo e Nuno Martins tocavam no passeio da zona ribeirinha, todos numa espécie de convite para inaugurar a mostra na antiga lota e assim presenciar os testemunhos únicos de ‘A minha história da guitarra portuguesa’. Depois, claro, houve fados e até uns petiscos.

“Sem dúvida que esta iniciativa é muito importante, até porque o fado faz parte da história da cidade, apesar de agora não existirem muitas casas que, em tempos, chegaram a funcionar”, salienta Teresa Mendes, vice-presidente da Câmara, ao Portimão Jornal. “Quisemos criar esta taberna de fado e trazer esta exposição, que já fizemos há 12 anos. É fundamental termos estas memórias e possibilitá-las aos portimonenses, para além de estarmos igualmente a valorizar os artistas locais”.

A autarca, presente na inauguração, elogiou ainda a coleção de José Paulo Costa. “O acervo é fantástico! O engenheiro teve a delicadeza de o partilhar e colaborar connosco nesta exposição, e esta duplicidade, as guitarras e os fados, vão tornar estes dias magníficos”.

Depois da atuação de Rita Raimundo, seguiram-se as de Ana Paula Martins e Helena Candeias, acompanhadas por Custódio Castelo, Carlos Garcia, Vítor do Carmo e José Santana. Agora, seguem-se mais fados, com Hélder Coelho, no dia 21, Adriana Marques, a 27, e Ana Marques, a 6 de outubro, sempre com Vítor do Carmo na guitarra portuguesa e José Santana na viola de fado. Ao mesmo tempo, mantém-se a exposição, nas tais noites de encantar e promover o que é bom, numa iniciativa que a Câmara Municipal e o Museu de Portimão abraçaram em boa hora.  

Vítor do Carmo diz que é “ouro sobre azul”

José Paulo Costa apelida Vítor do Carmo de ‘mestre’, aludindo ao percurso incrível deste artista, que já contou, no passado, a sua história ao Portimão Jornal e que em certa medida influenciou o colecionador, levando-o a conhecer Óscar Cardoso, um nome incontornável na arte de construir guitarras e que também compareceu na exposição. Voltando a Vítor do Carmo, o evento é para repetir. “É uma exposição bastante engraçada, mais a mais a decorrer num local tão bonito. A coleção é fantástica e só é pena que não haja mais espaço para caber todo o material do José Paulo”, diz o guitarrista. “A presença de tanta gente é benéfica e prova que os portimonenses e os algarvios se interessam pelo assunto, ou não tivesse o português uma ligação tão forte com a guitarra”. Em atuação durante quase todos os espetáculos, Vítor do Carmo garante que juntar o fado a esta exposição é “ouro sobre azul”. E vinca que este espaço da antiga lota, “requalificado e com um balcão incrível, deve ser aproveitado para dar continuidade a estas belíssimas noites de guitarras e fados”.

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