As pragas ‘amaldeçoadas’ de Alvor

Texto e foto: Jorge Eusébio, in Portimão Jornal nº50


Deixar testemunhos escritos sobre a história, as tradições e os usos e costumes de Alvor são objetivos assumidos pelo presidente da Junta de Freguesia local, Ivo Carvalho.

Para que as futuras gerações possam conhecer o passado da vila, aquela autarquia tem, ultimamente, vindo a apostar na edição de livros.
Através do de um deles procura-se perpetuar as famosas pragas de Alvor. Escrito por Fernando Santos Graça, consiste numa recolha não só das pragas como de outras expressões típicas, usadas sobretudo pelos pescadores e as suas famílias.

Ivo Carvalho destaca o facto de “no livro se procurar explicar e contextualizar este enorme património cultural, dando-se assim a conhecer aos leitores a forma como surgiram e foram adotadas pela comunidade”.

Para o efeito, o autor socorreu-se de informação já publicada, em especial por Margarida Tengarrinha, na obra ‘Da Memória do Povo, Recolha da Literatura Popular de Tradição Oral do Concelho de Portimão’, tendo-a posteriormente ‘validado’ junto de habitantes locais, que confirmaram o seu uso, bem como outros pormenores que enriquecem o livro.

O presidente da Junta diz que “foi muito giro envolver a comunidade nesta iniciativa, pois os testemunhos recolhidos dão maior autenticidade e colorido e permitem ter uma ideia mais clara sobre a forma como se vivia em Alvor e as relações que se estabeleciam entre as pessoas”.

Lendas e mitos
As pragas surgiam, normalmente, “a partir de brigas e desavenças entre familiares e vizinhos” e eram uma forma imaginativa de se verbalizar a irritação que se sentia por alguém e ‘convocar’ o universo para que desse o castigo devido a quem se portava mal.

Para além das pragas resolveu-se colocar no livro outras expressões orais que, em tempos, eram muito utilizadas na vila e que contribuem também para compreender o ‘ADN’ das gentes de Alvor.

Num outro capítulo são elencadas algumas das principais lendas e mitos relacionadas com a freguesia. Uma delas é a dos três rochedos localizados na Praia dos Três Irmãos que, segundo reza a tradição, simbolizam três irmãos pescadores que foram apanhados por uma violenta tempestade, morreram e ficaram petrificados, convertendo-se em rochedos e dando nome a uma das mais famosas praias do Algarve.

Este livro segue-se a um outro, também editado pela Junta de Alvor e igualmente da autoria de Fernando Santos Graça, intitulado ‘Alvor com História’. Ambos assentam na estratégia de “contribuir para colmatar a falta de documentos escritos que contem um pouco da rica história da nossa freguesia”, diz o autarca.

Como se pretende que a informação chegue ao maior número possível de pessoas “procurou-se que fossem obras de fácil consulta, compostas por capítulos curtos”. Alguns dos temas abordados podem, no futuro, vir a ser desenvolvidos de forma mais profunda, eventualmente também sob a forma de livro.

A juntar à falta de documentos escritos, Ivo Carvalho constata a escassez do acervo fotográfico que a Junta tem. Para ‘atacar’ esse problema desafiou a população a ir ao baú buscar as suas fotografias, para que os respetivos originais ou cópias fiquem no arquivo da autarquia.

O autarca diz que avançou “com este projeto antes da pandemia, correu muito bem, as pessoas responderam positivamente ao repto e até foi feita uma exposição nas ruas da vila”.

A covid-19 veio colocar um travão neste e em muitos outros processos, mas é uma iniciativa que pode vir a ser prosseguida no futuro.

Outra das outras preocupações do presidente da Junta é recuperar documentação antiga sobre a sua história, em especial do tempo em que foi sede de concelho.

“As atas da altura acabaram por ir parar aos arquivos de Lagoa, tendo, a nosso pedido, o município local facultado à Freguesia de Alvor essa documentação em formato digital”, diz o Ivo Carvalho.

Expressões populares

⇨ “Maria na ponhas más comida! Já tem avonde, já tou açampado”

⇨ “Ó Meguel, tu n’ouves é bradar per ti?”

⇨ “Atão Tonhe, na t’espachas? És même um óme empachade. Té pareces uma melher”

⇨ “Ah, maldeçuade! Na m’apareças aqui c’uma berracha coma a d’outra vez”.

⇨ “Agora é c’a cumadre Josefina baldeou de vez… Anda desmarrida com o marido q’é um borregão”

⇨ “Prontes, já tá a barreca armada”

⇨ “Ah maldeçoada da minha filha c’anda alvariada per cása daquele maldeçoade”

Pragas famosas de Alvor

⇨ “Oh, maldeçoade dum cabrã! Devias ter tanta sorte come o pêxe fora d’água”

⇨ “Ah, maldeçoade môce! Havia de te dar uma dor tã grande, tã grande que quanto más corresses más te doesse e só te curasses com sumo de pedra e osses de minhoca”

⇨ “Ah, maldeçoada! Havias de fecar tã magra, tã magra que passasses pelo beraco duma agulha de braces abertes”

⇨ “Ah, malsuado! Havia de dar-te uma dor de barriga tã grande, tã grande que só cagasses pedra britada”

⇨ “Ah, maldeçoade! Havias de ter uma fome tã grande, tã grande ou tã pequena que cabessem os alcatruzes todes que tem o mar dentre da tua barriga”

⇨ “Ah, maldeçoada! Antes a água do mar acabar de que tomar banhe contigo”

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