Associação de Dadores de Sangue apela à ajuda da sociedade civil
Os tempos que correm não têm sido fáceis nem para a comunidade, nem para empresas e muito menos para entidades sem fins lucrativos. É o caso da Associação dos Dadores de Sangue do Barlavento Algarvio (ADSBA), sediada em Portimão, mas com ações em diversos concelhos da região, como é exemplo Lagoa, que, nesta época, se debate com duas dificuldades.
Além de contar apenas com o apoio do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, e auxílios pontuais de algumas Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, em 2020, houve “muito menos subsídios”, conta João Menau Reis, presidente da Direção.
Por outro lado, a pandemia provocada pela covid-19 levou a que as pessoas receassem ir ao hospital para doar sangue e que as habituais iniciativas de recolha, como as que acontecem durante a Feira de Artesanato, Turismo, Agricultura, Comércio e Indústria de Lagoa (FATACIL), fossem canceladas.
Com menos dinheiro e menos sangue, a realidade desta entidade é complicada. “Temos aguentado a instituição com algumas verbas de um fundo de maneio que tínhamos para construir a nossa sede. Era um dos nossos objetivos. Não a fizemos, mas, felizmente, é com esse valor que nos temos governado”, confessa, preocupado com o futuro. Isto porque, os subsídios que a ADSBA recebe não chegam para colmatar as necessidades. Apesar de funcionar apenas com uma trabalhadora a tempo inteiro, com a boa vontade de alguns voluntários e de ser deslocalizada para a sede uma equipa médica do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) para efetuar as colheitas, o dinheiro não chega para fazer face às despesas.
“Temos estado a pedir às Câmaras Municipais e às Juntas de Freguesia. A nossa ideia era pedir também às empresas, mas não tem sido fácil, pois apesar de podermos passar um recibo de donativo que pode ser descontado no IRS, não estão muito recetivos”, admite.
Outra das formas de ajudar tem sido o donativo de 0,5 por cento do Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), que não implica nenhum gasto para o cidadão, mas nem isso tem chegado. Se houve alguns anos em que a ADSBA ainda conseguia angariar algum dinheiro desta forma, agora isso não acontece.
“Havia muito menos instituições a beneficiar. Em Portimão eram quatro, mas na atualidade, se calhar, já são mais de dez e as pessoas dividem-se. Vão dando oportunidade a umas e as outras e, as verbas, até nesse ponto, têm baixado bastante”, resume João Menau Reis.
Não é por esta razão que os órgãos sociais desistem ou baixam os braços, pois tem havido um esforço grande em manter a associação ‘viva’, continuando a missão da colheita de sangue.
No que toca às recolhas, os atuais níveis das reservas nacionais não deixam antever nenhuma catástrofe, mas também estão muito longe dos ideais, com valores muito mais abaixo do que noutros anos. E a verdade é que há picos que fazem com que a necessidade de sangue seja mais sentida, como o Inverno.
“Temos aguentado a instituição
com algumas verbas de um fundo
de maneio que tínhamos para construir
a nossa sede. Não a fizemos, mas é com esse valor que nos temos governado”
“Durante a pandemia, a partir de março, os hospitais estiveram meio parados, direcionando todos os esforços para o tratamento da covid-19. Hoje, já estão a tratar as pessoas que tinham procedimentos para realizar. É claro que se há mais operações, há mais desgaste e a necessidade de sangue aumenta”, relaciona João Reis. Também neste ponto a pandemia afetou a atividade desta entidade.
Faltou a FATACIL
Apesar de ser sediada em Portimão, a ADSBA promove muitas iniciativas de recolha de sangue noutros concelhos e Lagoa é uma das que acolhe mais ações. Este ano, sem a FATACIL, onde a associação costuma estacionar a unidade móvel, houve muito menos dádivas.
“Estamos nove dias na FATACIL, temos duas ações por ano através da Câmara Municipal de Lagoa, promovemos também recolhas, uma ou duas vezes, na Escola Internacional Nobel e no Hotel Tivoli, em Carvoeiro. Este ano, não fizemos nada devido à pandemia”, contabiliza João Menau Reis. A associação promove colheitas também em Tavira, Faro, Quarteira, Lagos, Monchique. “Fazemos em qualquer local, desde que nos seja solicitado. Normalmente são empresas, escolas ou pessoas ligadas à área social que nos contactam. Vamos ver as instalações, falamos com o hospital e, se for possível, organizamos uma ação de recolha”, refere João Reis. Aliás, o CHUA compromete-se a apenas realizar colheitas através da ADSBA.
Agora só há colheitas na sede
Com a pandemia, o hospital passou a ser um local onde as pessoas evitavam dirigir-se, por isso uma das mudanças que a covid-19 trouxe foi a realização das colheitas na sede da Associação, junto à Avenida 25 de Abril, em Portimão.
“As pessoas estacionam, entram na sede, fazem a inscrição e doam o sangue. Não há receio nenhum. Estamos no centro da cidade, mas num local com pouco movimento”, mostra.
Os apelos são para a doação de sangue e a mensagem que agora passa é a de que é seguro, uma vez que, são seguidas todas as normas da Direção-Geral da Saúde. Há ainda um pedido à população mais jovem, que, regra geral, se mobiliza mais quando há apelos relacionados com a medula óssea, para que se tornem dadores habituais.
Procedimento seguro
A médica Carmen Rey garante que dar sangue continua a ser um ato seguro, mesmo com a covid-19. Houve algumas mudanças com esta nova realidade como o facto de as colheitas terem deixado de ser realizadas na Unidade de Portimão do CHUA e terem passado a ser efetuadas na sede da Associação de Dadores, na Rua Poeta António Aleixo, para evitar juntar muitas pessoas naquela estrutura hospitalar. Também os planos para as recolhas fora de portas, foram adiadas ou suspensas.
Sentada à secretária do consultório na sede da ADSBA, a médica começa por explicar que houve outras alterações nos procedimentos. Assim, agora, além do questionário habitual, há um outro conjunto de perguntas relacionadas com a covid-19. Algumas interrogações são se o dador teve “febre, algum sintoma respiratório ou contacto com alguém confirmado”, enumera a médica. Também foi incluído o controle da temperatura corporal e mais medidas de higienização dos espaços, além das que já eram normais.
No entanto, Carmen Rey descansa os dadores ao recordar que ainda “não foi demonstrada a transmissão deste vírus através do sangue. Também é verdade que é um vírus novo sobre o qual ainda se pode descobrir muito, mas os vírus respiratórios conhecidos não se transmitem através da transfusão”.
Outra das mudanças é o controle pós-dádiva. “Damos sempre os nossos contactos e pedimos para nos avisarem se tiverem febre nas duas semanas seguintes a terem vindo cá ou se souberem que, nas semanas anteriores, houve algum contacto confirmado ou se fizeram o teste, entretanto”, conclui.
Todos os tipos são necessários
Neste momento, todos os tipos de sangue são necessários. Isto porque, “houve uma quebra de doações e, no início da pandemia, muita da atividade médica ficou parada, com cirurgias suspensas. No entanto, esta situação, prolongando-se no tempo, não permitirá manter” as reservas, conta.
As pessoas têm receio, mas a atividade hospitalar a nível de qualquer serviço de saúde retomou e, agora, tem-se mantido, destaca. Os gastos, nesta altura, são maiores do que no início da pandemia.
As pessoas têm receio, mas a atividade hospitalar a nível de qualquer serviço
de saúde retomou e, agora, tem-se
mantido, destaca. Os gastos, nesta altura, são maiores do que no início da pandemia.
Se a situação da descida das reservas se tornasse catastrófica, o primeiro passo seria adiar todos os procedimentos cirúrgicos que não são urgentes. Há sempre uma reserva porque todos os dias há acidentes ou situações que pedem estes recursos. “Ainda assim, hoje já há programas que ajudam a gerar as melhores condições possíveis ao doente”, no caso de uma operação, “de forma a minimizar o uso de transfusão ou, se precisarem dela, que seja a menor quantidade possível”, refere a médica responsável.
Um dos rostos da Associação há 30 anos
João Menau Reis tem dedicado as últimas três décadas à Associação de Dadores de Sangue do Barlavento Algarvio, fundada há 31 anos. Foi vogal 20 anos, seguiu-se a vice-presidência durante quatro e, nos últimos seis, está na Direção como presidente. Abraçou a causa, mas recorda os altos e baixos de quem vive de verbas do Instituto Português do Sangue, autarquias e entidades locais. Acredita também que seria importante o Estado promover mais incentivos aos dadores.
O único que ainda subsiste é a isenção do pagamento da taxa moderadora. “Estava a pensar, por exemplo, em incentivos em termos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou outras alternativas”, alerta. Se houvesse mais estímulos concretos, talvez houvesse mais pessoas a dar mais sangue.
Recordar a FATACIL
Longe vão os anos em que a Associação começou a realizar colheitas de sangue durante a FATACIL. “As primeiras que fazíamos, ainda nem tínhamos a unidade móvel. Estávamos dentro das tendas, no Verão, e era muito complicado. Tínhamos de andar a pedir aparelhos de ar condicionado e ventoinhas. Estivemos em vários locais no recinto e só lá estávamos durante o fim de semana”, lembra João Reis. Com o sucesso da participação na FATACIL nesses fins de semana, alargaram a presença a todos os dias do certame.
A primeira vez que a ADSBA levou a Unidade móvel para o recinto, ficou ao pé do palco. Já passaram 20 anos. E João Menau Reis recorda que, nesse ano, “em que levamos a unidade, o Instituto mandou uma que estava em Lisboa. A médica que veio disse-nos, no final da feira, que tínhamos colhido mais sangue naqueles nove dias do que ela em Lisboa num ano”.
Quem pode dar sangue?
Qualquer pessoa pode candidatar-se a fazer dádivas de sangue, desde que tenha entre 18 e 65 anos. O requisito principal é que seja saudável e que tenha um peso acima dos 50 quilogramas. Há algumas condicionantes que podem causar impedimento, como doenças ou a toma de determinadas medicamentações.
Por sua vez, quem já recebeu uma transfusão de sangue já não pode ser dador. Por vezes, pode também haver um impedimento temporário, o que não significa que não possa ser dador nunca mais. As entidades efetuam um controle, através de um pequeno questionário, para apurar as condições do dador. Em regra, os homens podem doar até quatro vezes por ano e as mulheres três vezes.