Barbeiro mais antigo de Portimão conta histórias de ‘barba e cabelo’
Texto e foto : José Garrancho, in Portimão Jornal nº63
Manuel António Cristina Boto acabou de completar 73 anos de existência e leva 60 como barbeiro, 59 dos quais em Portimão, o que o torna o barbeiro mais antigo na cidade.
Nascido no Parchal, no concelho de Lagoa, onde continua a residir, iniciou-se na arte aos 13 anos, na sua aldeia natal, com Francisco Rato.
“Passado um ano, em 1964, vim para Portimão trabalhar com o senhor Manuel Laranjinha, na Rua da Hortinha, onde me mantive até 1970, quando fui prestar o serviço militar obrigatório”, contou ao Portimão Jornal.
Após quatro anos nas Forças Armadas, regressou a Portimão, começando a trabalhar numa das melhores barbearias da cidade, o ‘Salão Desportivo’, de João Bonito, na Rua da Guarda, hoje a 5 de Outubro, onde se manteve durante quatro anos. “Melhor professor do que executante, o senhor João punha os olhos num corte e via os mais pequenos defeitos. Mais tarde, apontava-nos as falhas, para as corrigirmos na próxima vez”, diz Manuel Boto.
Em 1978, mudou-se com armas e bagagem para o ‘Salão Convívio’, de João Maria Silva, na Praça 1º de Dezembro, onde continua a exercer. E quando lhe perguntam se, numa possível reencarnação, seguiria a profissão, responde que sim, mas talvez com outras opções, querendo dizer que se aventuraria num salão próprio.
O cabelo segue a moda
Os trajes vão mudando ao longo dos tempos e os cortes de cabelo acompanham a moda. E os profissionais têm de se adaptar, ou ficam pelo caminho.
O barbeiro recorda que, nos anos 60, apareceu o corte francês, ou corte à navalha, que se prolongou pela década de 70. Por volta de 1975, veio a moda do cabelo comprido, obrigando a um corte diferente. A partir de 80, regressou o corte clássico, com pente e tesoura. De há uns anos para cá, apareceu o chamado ‘degradé’, feito com a máquina, que começa no pente um e vai subindo. No passado, também trabalhavam à base da barba. Havia muitos homens a fazê-la no barbeiro. Depois, reduziu bastante, quando apareceu a SIDA. Agora, a malta nova está a usar muito a barba crescida, que tem de ser aparada com regularidade, e por isso, estão a voltar aos barbeiros.
“Os clientes mais assíduos, no passado, eram da hotelaria”, vai dizendo Manuel Boto. “E havia um serviço que eles requeriam, lavar e pentear, semanalmente. O corte era feito de mês a mês. A meio do corte, havia o caldinho, que consistia em aparar no pescoço e em volta das orelhas. Essas práticas foram abandonadas, mas ainda tenho um cliente desses, que vive em Messines e vem cá três vezes por semana, lavar e pentear. E corta o cabelo mensalmente”.
Não há cabeças iguais
As cabeças são diferentes, muitas são imperfeitas, os cabelos também são específicos, alguns com remoinhos, outros espetados, e o corte de cabelo vai contribuir muito para a apresentação da pessoa e para a imagem que ela tem de si mesma. Como lidam, então, os barbeiros com essa situação?
“É um trabalho minucioso e temos de estar muito atentos e ter mão firme. Quando são clientes antigos, sabemos o corte que vai sair. Se nos diz que não quer como da última vez, quer mais acima ou mais abaixo, nós alteramos. Porque conhecer os clientes tem muito a ver com a profissão. Quando não conhecemos, perguntamos como querem e dizem-nos ‘corte daqui, corte dali’. Às vezes, no final, dizem que cortámos demais. Aí, não podemos fazer nada, mas ficamos com a fotografia mental para a próxima vez. É importante lembrarmo-nos. Tenho clientes, alguns estrangeiros, que vêm de ano a ano, chegam e dizem que querem um corte igual ao da última vez”.
Os clientes acabam por gostar mais do trabalho de um profissional do que de outro e, por isso, vemos por vezes dois clientes à espera de vaga num oficial e o outro não está a trabalhar. E, se o barbeiro muda de estabelecimento, os seus clientes habituais vão com ele.
Pente e tesoura, os tesouros da velha guarda
“Embora as máquinas sejam uma grande ajuda, um bom barbeiro tem de saber trabalhar bem com pente e tesoura, porque fazer disfarces perfeitos não é para todos. Os barbeiros novos fazem cursos de seis meses e começam a trabalhar, usam a máquina pequenina para fazer os contornos, mas nunca ficam tão perfeitos como com o pente e a tesoura. Há sempre uns cabelos mais compridos e outros mais curtos”, descreve Manuel Boto, com a segurança de quem já experimentou ambos os métodos.
Histórias do futebol contadas por um árbitro-barbeiro
O entrevistado do Portimão Jornal foi árbitro nas camadas jovens, durante dois anos, e revela duas histórias engraçadas, ambas como fiscal de linha, tendo Fernando Mendes como árbitro principal: “Uma vez, fui fazer um jogo de juniores em Olhão. Estava a correr bem, mas houve um lance em que um jogador de Olhão se pegou com outro de Tavira, começaram à pancadaria e, depois, envolveu-se a malta toda. O Fernando Mendes chamou os dois fiscais de linha e fomos para o balneário. Passado um bocado, chegou o delegado ao jogo da equipa da casa, dizendo que a partida podia recomeçar, porque já estava tudo organizado. O Fernando Mendes olhou para ele e perguntou-lhe: “‘Como é que eu posso recomeçar o jogo, se já expulsei os onze de cada lado?’. Vimo-nos aflitos para sair do balneário, sendo necessária a GNR para nos tirar de lá”.
Por sua vez, “no campo da Horta da Areia, em Faro, um campo sem condições, também estava como fiscal de linha, num jogo contra o Lusitano de Vila Real de Santo António. Naquela altura, os suplentes faziam o aquecimento junto às linhas laterais. Eu estava no lado contrário, sempre em linha com o último defesa, saltou um indivíduo do banco para aquecer e passou-me despercebido. De repente, vi a bola e um jogador a correr, como se fosse atrás dela, em posição de fora de jogo. Levantei a bandeira, o Fernando Mendes mandava-me baixá-la, mas eu mantinha a minha decisão. E toda a gente atrás de mim a chamar-me palhaço e coisas piores. Até que o árbitro veio até mim e me disse que aquele jogador estava para além da linha, em aquecimento. Na segunda-feira seguinte, fomos a uma reunião a Faro e quem dava as palestras era o árbitro internacional César Correia. Chegou lá e disse que, em tantos anos na arbitragem, fora a primeira vez que vira marcar um fora de jogo marcado a um jogador a aquecer”.
BREVES
Gratificações em vinho
Os barbeiros são uma daquelas profissões onde a gratificação é habitual. Mas nem sempre foi em dinheiro. Antigamente, era em vinho, havendo sempre uma taberna perto da barbearia, onde o cliente, no final, convidava o barbeiro a beber um copo, que raramente era recusado. “A maior parte deles eram bêbedos”, conta Manuel Boto. “Um cliente pagava um copo, o outro a seguir pagava outro e, quando chegava ao meio-dia, já estavam atordoados. Na parte da tarde, funcionavam mal. O ‘Laranjinha’ era assim e, na parte da tarde, só trabalhava eu e ele ficava por ali, até passar o efeito. Mas nunca quis que eu bebesse e, quando os clientes perguntavam, respondia que o moço não podia beber. Era um homem reto”.
Barbeiros, o Facebook do passado
As pessoas, quando queriam saber novidades, iam ao barbeiro, onde havia sempre os jornais do dia. “Os marítimos gostavam muito de saber o que se passava em terra, enquanto eles estavam na pesca, e os barbeiros sabiam tudo, porque iam lá contar-lhes. Do futebol às traições amorosas, tudo ali era discutido”, segundo afirma. Mas o futebol era a principal fonte de conversas e muitos barbeiros eram árbitros na modalidade e, por conseguinte, considerados peritos na matéria.