Basquetebol: Academia de Calabote projeta Ferragudo para outra dimensão
Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Ana Sofia Varela, in Lagoa Informa nº169
A dinâmica da Associação Cultural e Desportiva de Ferragudo, em termos de basquetebol, está imparável! Não há volta a dar. E não é para ser ‘simpático’ que o Lagoa Informa avança com este elogio, já que, se o quiser comprovar, basta deslocar-se à Nave Desportiva, em cujo pavilhão os treinos começam por volta das 6h30 e prolongam-se até perto das 23h00.
O professor José Calabote, que cumpre a segunda época no clube, é o rosto deste ambicioso projeto, por sinal – ou talvez não – a coincidir com a primeira presença de uma equipa sénior na I Divisão dos Campeonatos Nacionais, no caso a feminina.
O fantástico ‘alvoroço’ está relacionado com a parceria estabelecida entre o clube, a Bic Academy Calabote e a Câmara Municipal de Lagoa. Uma ideia antiga, lançada agora, no início de setembro, a qual nem foi muito publicitada, porque, no entender do coordenador da modalidade e treinador das seniores, é preferível ir “passo a passo”. E o que é, então, esta Academia? “É algo fundamental para desenvolver o basquetebol, aumentando a qualidade e captando mais atletas, só possível graças ao apoio da Câmara, na pessoa do seu presidente”, explica José Calabote.
Ao todo, são 24 os jovens, de todos os escalões da formação, que estão fora da família. Acompanhados por tutores, iniciam os treinos às 6h30, depois de um pequeno-almoço ligeiro, tomam banho, voltam a comer e seguem para as escolas, sempre supervisionados pelos técnicos da ACD, que os conduzem aos respetivos estabelecimentos de ensino.
Depois das aulas têm horários específicos de estudo e, claro, mais sessões de treino. “Ao domingo enviamos um microciclo do trabalho, em processo individualizado. Têm a gestão da carga horária escolar, os apoios extraescola, incluindo ‘explicações’ se necessário, de modo a que conciliem o desporto e o estudo. Os treinadores, que são seis e também vieram de fora, têm disponibilidade total. Essa era uma das dificuldades para arrancar com o projeto, porque é preciso um foco a 200 por cento”.
“É trabalho, não é demagogia”
A atividade é para ambos os géneros (masculinos e femininos) e para os vários escalões, na tal interação entre a ACD Ferragudo, Academia e município. “Só assim podemos fazer este volume de trabalho e os atletas que não estão na academia têm igualmente trabalho específico orientado”, prossegue José Calabote, um barreirense de 53 anos que é uma figura da modalidade.
“As atletas da equipa feminina sénior treinam mais do que uma vez por dia. Nem todas estão na academia, mas as que trabalham e estudam fora têm também oportunidade de treinar uma segunda vez num horário específico. Temos espaço para todas, com treino individualizado, físico e técnico”.
Os atletas que não têm aulas de manhã começam a preparação por volta das 10h30. “Temos sempre tudo organizado. Através dos tais microciclos que recebem ao domingo, ficam a saber qual vai ser o plano da semana”, assinala o mentor, com a matéria devidamente pormenorizado, o que leva a reportagem do Lagoa Informa a questionar se tudo isto não será uma autêntica ‘pedrada no charco’ no basquetebol português? “Muita gente diz que pensa fazer ou diz que faz, mas na realidade não é bem assim. Nós fazemos mesmo. Os outros, tenho dúvidas que o façam”.
José Calabote costuma dizer, em relação aos ‘campus’ que organiza, que os jogadores entram de uma maneira ao domingo e saem de outra ao sábado. “É trabalho, não é demagogia, é um trabalho efetuado de forma séria, que ajuda a perceber porque se evolui tanto numa semana. A carga horária é dura, mas depois surge a recompensa”, garante o técnico, que continua a ter lotação esgotada todas as semanas de ‘campus’. E em todos os anos.
“O nosso marketing é fraquíssimo… se fosse agressivo e funcionasse, não sei onde nós estaríamos. Assim, é passar palavra boca a boca”.
Uma parceria fundamental
Estes ‘campus’ que Calabote organiza há 18 anos (em 38 de carreira de treinador) costumam realizar-se no Colégio Calvão, distrito de Aveiro, e estão sempre esgotados. O prestígio é tanto que, recentemente, recebeu convites para os efetuar na Roménia e em Espanha, mas a pandemia não deixou. É todo este ‘background’ e conhecimento profundo da modalidade que o leva a querer sempre mais.
“A parceria com a Câmara Municipal é fundamental para este crescimento desportivo da pouca população que temos. Vamos captar e trazer mais gente para uma realidade diferente”, promete, confirmando que o quartel-general da ACD está sempre montado na Nave de Ferragudo, embora, de vez em quando, possam decorrer atividades em outros pavilhões do concelho.
“Não é fácil, em termos logísticos, porque há dias em que andamos sempre de um lado para o outro, inclusive para o transporte dos atletas. Mas quem corre por gosto nunca se cansa”.
A ACD tem cerca de 120 jogadores, mas quer voltar, rapidamente, às duas centenas, a exemplo de um passado recente, que foi, entretanto, ‘atraiçoado’ pela pandemia. “Aguardamos uma retoma e faço um apelo para que voltem, em prol de um bom desenvolvimento e formação a nível geral das crianças, na parte escolar, familiar e na desportiva. A nossa preocupação é para que tudo funcione bem, inclusive na carga escolar e no acompanhamento. É um conforto para os pais saber que os filhos estão bem entregues e passam uma hora a fazer desporto”, um ideal extensivo a todas as modalidades, seguindo o projeto da Câmara.
A coletividade de Ferragudo tem muitas equipas em atividade, como é habitual: sub-12 e sub-10 de ambos os géneros, sub-14, sub-16 e sub-19 femininas, equipa B e A de seniores femininas, sub-16 que jogam nos sub-18 masculinos e os seniores masculinos, que disputam a II Divisão Nacional e cuja base assenta na formação.
Objetivos renovados para competir ao mais alto nível
Eis-nos então chegados a um dos pontos incontornáveis da reportagem, precisamente a equipa sénior feminina, pela primeira vez a disputar a I Divisão nacional.
“O trabalho vem encadeado do ano passado, quando nos candidatámos a subir de escalão e conseguimos. Agora, é dar seguimento, na parte coordenativa, nos femininos e sem esquecer os masculinos, apontando jogadores para o topo”, realça o treinador, frisando que a equipa sénior masculina é também uma aposta forte, muito embora os holofotes do público estejam mais virados para o conjunto feminino, “esta época com jogadoras novas”. A ideia é levar a bom porto o projeto e “solidificar os nossos objetivos, a nível geral, nos dois géneros”.
Calabote reconhece a “maior visibilidade no feminino, pela presença no Campeonato Nacional”, falando, na circunstância, de um “trabalho mais complicado e com mais dificuldades”. Apesar disso, prossegue, a adaptação tem sido boa e “os obstáculos têm sido ultrapassados, diariamente, com objetivos renovados, para competir ao nível mais alto”.
Sobre as dificuldades, revela que a maior parte das jogadoras nunca tinha competido a este nível. “Temos duas ou três com essa experiência, que acrescentam um nível mais forte e minimizam lacunas. E o que conseguimos é derivado ao volume e qualidade de trabalho, de outra forma era impossível competir, até porque o grupo é curto e tem muitas jovens, sempre dispostas a evoluir para se aproximarem da realidade atual”.
A realidade desta I Divisão é diferente “a nível técnico e tático, coletivo e individual, frente a equipas mais experientes, com várias internacionais e mais do que uma estrangeira”, mas os objetivos, garante, são claros: ficar nos quatro primeiros lugares da zona sul para tentar subir de divisão. “Se ambicionarmos outra coisa vamos descer”.
Prata da casa mais enquadrada
A ACD Ferragudo conservou a base e reforçou-se com quatro jogadoras, “mais experientes e que nos dão outros argumentos”, para colmatar as citadas diferenças. “Seria irreal manter o grupo do ano passado, seria até estragar tudo o que estava a ser feito”, embora a ‘prata da casa’ esteja agora muito “mais enquadrada, face às exigências”.
Neste contexto, Rafaela Fernandes, Mónica Barroso, Mariana Amaro, Maria Pedro, Leonor Neves (todas algarvias), Ana Granja, Sara Dias, Inês Monteiro e a norte-americana Janesha Guen transitam da última época, sendo que as ‘novas’ são a brasileira Marília, Fatumata Baldé, Ana Santos e Filipa Marques.
“Volto a frisar que temos as portas abertas. É preciso dizer ‘não’ a uma sociedade obesa, apostando na interligação entre escolas e clubes. Só assim conseguiremos viver numa sociedade mais saudável e com outros níveis de perspetivas futuras”.
Tudo indica, na circunstância, que a ACD tem o futuro nas mãos. José Calabote sorri, com alguma cumplicidade à mistura, e é prudente no comentário final.
“Esperemos que sim, com foco e trabalho e muitas parcerias nesse sentido. Apostamos todas as fichas para que tudo corra pelo melhor e que para este trabalho, que tem sido feito e saído do corpo, nos deixe satisfeitos. São inúmeras horas de dedicação, inclusive fora do pavilhão. Precisamos de maior ajuda e de mais gente, que não olhe para o nosso umbigo, mas, sim, para o dos outros, com total foco no crescimento geral”.
Manuel Noites: “Salto qualitativo e sustentado”
“Estamos numa fase embrionária, que arrancou em setembro, mas o projeto é ambicioso e tem pernas para andar”, considera Manuel Noites, o diretor de todo o basquetebol da ACD Ferragudo, enfatizando o “tridente clube/academia/município”. O dirigente confirma o “salto qualitativo e sustentado” que levou à presença das seniores femininas na I Divisão Nacional e quer fazer o mesmo com os seniores masculinos, que, sublinha, “estão no bom caminho”. O outro desafio, a breve prazo, é aumentar para 200 os praticantes, “número que já tivemos e que vamos certamente repetir”. A terminar, Manuel Noites faz questão de deixar “uma palavra especial ao José Calabote, que veio mexer com tudo, sobretudo em termos de mentalidade, modelo e dinâmica”.
Filipa Marques joga e ajuda na área da condição física
“Temos todas as condições para chegar ao topo”
Filipa Marques tem 27 anos, é natural da Póvoa de Varzim e chegou este ano a Ferragudo, “convencida e fascinada” pelo projeto que José Calabote lhe apresentou.
“O basquetebol faz parte da minha vida”, confessa, numa altura em que está envolvida na área da condição física e de personal trainer, algo fundamental para o convite. “Era uma lacuna do clube e a minha aposta é tipo dois em um, ou seja, jogo e ajudo na preparação”, diz esta base/extremo que é… médica dentista.
“Exerci dois anos e meio, mas, na prática, não me identifiquei com o que fazia”, prossegue Filipa, agora a terminar o curso técnico e pronta a iniciar o estágio de treinadora.
Na época passada jogou no Colégio Luso Inglês do Porto, mas atingiu um ponto alto no Guifões, onde foi campeã e atuou na liga profissional. “Tive bons treinadores com quem me identifiquei”, sustenta, falando então de uma boa adaptação a Ferragudo, sobretudo porque a Póvoa também tem mar, e, “continuar a vê-lo todos os dias, é sinónimo de satisfação”, mais a mais com o basquetebol sempre presente.
“Está a ser muito bom. Na parte desportiva não gostaríamos de ter derrotas, mas o caminho é este e temos fortes possibilidade de ficar nos quatro primeiros e passar à segunda fase, para disputar a subida à liga principal. Pela minha experiência? Sem dúvida que acredito! Não é por estar na ACD, mas nós trabalhamos muito mais, com sessões bidiárias e às vezes um terceiro treino. Temos todas as condições para chegar ao topo”, vinca Filipa, que, como se calcula, quase ‘vive’ na Nave, treinando com a equipa e dando treino às suas colegas.