Biblioteca-Museu de ‘A Avezinha’ é ponto de referência em Paderne
Dedicado à imprensa regional, o museu conta com antigas máquinas fotográficas e de escrever, zincogravuras e computadores, além de outros equipamentos, ofertas e troféus.
Texto: José Manuel Oliveira / Fotos: Kátia Viola
Um poema da autoria de Albertina Rodrigues, natural de Paderne, está exposto na montra da Biblioteca-Museu do jornal ‘A Avezinha’ nesta típica aldeia do concelho de Albufeira, onde o presidente da associação cultural que dirige a nova estrutura, Arménio Aleluia Martins, de 77 anos, um dos jornalistas mais antigos do Algarve, nos conduz a uma visita guiada pelas instalações, onde funcionou durante décadas aquele órgão de comunicação social.
A biblioteca, que surgiu devido ao museu, conta com dez mil livros entre literatura portuguesa diversificada, incluindo poetas e escritores de Paderne, de outras zonas do Algarve e autores estrangeiros, além de dois computadores utilizados gratuitamente por crianças, jovens e idosos. Numa das prateleiras encontra-se toda a coleção dos jornais ‘A Avezinha’. Estão encadernados.
A biblioteca e o museu funcionam de segunda a sexta-feira das 9h00 às 16h30 com uma funcionária, mas a presença de Aleluia Martins à tarde, permite mantê-los abertos até às 18h00. A biblioteca situa-se no rés-do-chão do edifício, e o museu na cave.
XANANA GUSMÃO ENTRE OS ASSINANTES
“Tudo aqui ‘fala’ e pode ver-se o que durante anos foi utilizado para a elaboração do jornal”, diz à reportagem da revista Algarve Vivo Aleluia Martins, após descer os degraus e chegar ao espaço (onde estiveram instalados os serviços comerciais), inaugurado a 1 de maio de 2016 como museu dedicado à imprensa regional. ‘Boa viagem nas asas da Avezinha’ lê-se num cartaz no final da escada. Numa das paredes à entrada do museu surge uma foto de Xanana Gusmão, antigo líder da Resistência de Timor-Leste e mais tarde Presidente da República, a ler, naquele país, o jornal de Paderne de que, curiosamente, era assinante.
Numa vitrina encontram-se 25 máquinas fotográficas, desde as mais antigas com 60/70 anos, até às digitais. Sobre uma ampla mesa, no meio da sala, estão dez máquinas de escrever, uma de 1936, na qual Arménio Aleluia lembra ter começado a fazer, nos seus tempos de juventude, um jornal intitulado ‘Voz da Casa do Povo’. Também se pode ver uma outra máquina, de 1938, em que fazia o jornal ‘A Faceal’, empresa onde trabalhou no escritório, após ter sido guia-turístico e rececionista de um hotel em Albufeira. A esse conjunto juntam-se, noutro espaço, mais duas máquinas de escrever então destinadas ao sector comercial e à correspondência geral.
“CHEGÁMOS A TER 11 TÍTULOS”
Noutras mesas veem-se quatro ‘scanners’ utilizados para copiar fotos e documentos, além de vários tipos de equipamentos gráficos e computadores. “A Avezinha’ e o ‘Barlavento’ foram os primeiros jornais do Algarve a terem um computador IBM com pequenas bolas (as cabeças), através das quais se escreviam os textos, escolhendo os diversos tipos de letra. “Parece portátil, mas pesa cento e tal quilos…” – observa Aleluia Martins.
Mais adiante, estão três computadores (cada um pesa mais de 800 quilos) comprados ao ‘Diário do Comércio’, em Lisboa, o que permitiu à ‘A Avezinha’ aumentar a capacidade de produção de textos e autonomia na montagem das diversas páginas. “Assim, tínhamos condições para fazer não só ‘A Avezinha’, mas também o ‘Diário do Algarve’, a ‘Hora de Albufeira’, ‘Hora de Loulé’, ‘Hora de Silves’, ‘Hora de Lagoa’, a revista ‘Albufeira Magazine’ e o jornal desportivo ‘Zona Sul’, entre outras publicações. Chegámos a ter onze títulos registados, mas nem todos utilizámos. Aliás, há um título que sinto pena de não o ter editado, ‘O Promontório’, uma revista cultural. Tentámos, mas fomo-nos desligando a pouco e pouco das várias publicações precisamente quando íamos deixando de ter publicidade. O ‘Diário do Algarve’ deixou-nos um grande prejuízo”, recorda.
Noutro espaço há sete computadores e os mais diversos equipamentos. Numa sala que há anos estava repleta de jornais, foi instalado o arquivo, contando neste momento com um quinto dos 30 mil exemplares das 1.360 edições. “Se o jornal continuasse já nem sabíamos onde guardar tantos exemplares. O primeiro foi publicado em janeiro de 1921 e o último número no dia 14 de julho de 2014 por falta de condições económicas”, nota Aleluia Martins.
PERSEGUIDO E INTERROGADO PELA PIDE
No meio da conversa não esquece quando aos 17 anos foi “perseguido, interrogado e considerado irresponsável pela PIDE por um artigo publicado num jornal da época”. Já noutras prateleiras encontram-se antigas máquinas de calcular, de ‘off-set’, carimbos, troféus e ofertas diversas recebidas ao longo dos anos, nomeadamente durante aniversários e em visitas, além de prémios atribuídos pelo Governo Civil do Distrito de Faro, pela Câmara Municipal de Albufeira e pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do concelho. “Tenho aqui uma placa pela qual dou especial importância. Nas muitas visitas efetuadas por vários países, constatei como o jornal ‘A Avezinha’ era lido”, sublinha Aleluia Martins.
ATÉ RUSSOS VISITAM O MUSEU
A ideia da criação do museu sobre o jornal surgiu quando o diretor de ‘A Avezinha’, no final da publicação deste órgão de informação e encerrada a empresa proprietária, a Edigarbe, decidiu juntar todas as máquinas e equipamentos que permitiram fazer os jornais durante muitos anos.
“Não quis deixar cair no esquecimento, como se costuma dizer, quando infelizmente acaba um jornal e assim preservei pelo menos parte do material utilizado durante décadas. O conteúdo deste museu tem, para mim, um valor incalculável”, refere.
As visitas são para já, na sua maioria, de alunos das escolas do concelho de Albufeira. “Muitos acham piada, riem-se e dizem: ‘ahhh!… mas isto era assim?’ Ainda nenhum mostrou interesse em ser jornalista”, conta Aleluia Martins. E acrescenta: “pelo menos aqui os visitantes, em que se incluem também muitos estrangeiros, nomeadamente franceses, canadianos, ingleses e até russos, ficam com uma noção sobre a evolução na imprensa algarvia ao longo dos anos. ‘Eu lembro-me de ter visto isto no passado’, afirmam, entusiasmados. Apesar da escassez de espaço, Aleluia Martins diz que continuará aqui, mas poderá eventualmente ser transferido para o anunciado Museu do Barrocal.
“IMPRENSA DO ALGARVE TEM FUTURO”
“A imprensa do Algarve, em papel, apesar da redução do número de títulos, tem futuro, mas sem a pujança de há anos”, considera Arménio Aleluia Martins, lembrando que a região “chegou a contar com uma dezena de semanários e neste momento possui apenas três.” E justifica: “A culpa deve-se à redução do número de leitores porque os mais novos leem pouco os jornais, preferindo a Internet.” Apesar da crise, este veterano jornalista mostra-se convicto de que “ninguém vai deixar de ler livros nem jornais. Isso é mais do que evidente. Penso que voltará o amor pelas edições em papel”.