Carrasquense é a paragem ideal para os amantes do ‘pé de dança’
Texto: Hélio Nascimento | Foto: Portimão Jornal
Faça sol ou faça chuva, não há domingo sem baile no Clube Recreativo Carrasquense. A tradição vem de longa data, quase tão antiga como os anos da coletividade, precisamente 40, praticamente todos sob a direção de Carlos Lopes, o presidente, que recebe o Portimão Jornal nas acolhedoras instalações do popular clube.
Foi quase por acaso, diga-se, que o nosso anfitrião passou a liderar os destinos do Carrasquense. “Vim cá uma bela tarde, pedi um Vinho do Porto e não havia. Fiquei admirado com a situação e aos poucos fui reparando num certo estado de abandono. Resolvi meter mãos à obra e com a ajuda de alguns sócios peguei no clube. Até hoje”. Passaram cerca de 35 anos e Carlos Lopes continua ao leme, muito embora tenha pensado algumas vezes em sair. “Não me deixam sair, porque, dizem, o clube acabaria por fechar”, explica o antigo trabalhador do Hotel da Penina e do Alto Golfe, agora reformado.
O Carrasquense foi fundado em 1984 por José Trindade e Renato Fernandes, sendo edificado num terreno cedido pela Câmara Municipal, na Aldeia do Carrasco. Os bailes sempre têm sido o principal cartão de visita e não são só os portimonenses a marcarem presença, já que de outros concelhos, casos de Lagos, Lagoa, Silves e até Albufeira, bem como do Alentejo, chegam a vir pessoas dispostas a um ‘pezinho de dança’, atraídas pelos ritmos alegres dos músicos de serviço. Ou seja, o clube é uma paragem obrigatória e ideal para os amantes desta ‘arte’.
Já houve, no entanto, melhores dias, reconhece Carlos Lopes. O número de sócios pagantes diminuiu, para cerca de 30, apesar de a quotização ser de apenas dois euros por mês. Depois, nos bailes, os associados pagam três euros e os restantes quatro (as mulheres) e cinco (os homens). “As pessoas deviam aderir mais, mas também sei que a Aldeia do Carrasco é um dormitório e grande parte dos residentes tem uma idade mais avançada”.
Casa cheia no inverno
Para lá do apoio da Câmara Municipal e Junta de Freguesia, o Carrasquense chegou também a ser auxiliado pelo Governo Civil de Faro. Os melhoramentos foram acontecendo ao longo dos anos, com o presidente a lembrar-se da substituição das portas, do teto falso e até de uma cozinha, contígua ao bar. “Não tínhamos um palco digno, mas isso também mudou. Depois, numa segunda fase (1998), no tempo de Nuno Mergulhão, construímos o andar de cima, onde hoje funciona o escritório da Direção”.
Os bailes, entretanto, passaram a ser sempre realizados nas tardes de domingo, uma medida para evitar uns certos desacatos, verificados à noite, bem como algumas multas. “Comecei a fazer matinés, durante todo o ano, com casa cheia no inverno, que até serve para compensar os dias mais fracos no verão, quando está muito calor e as pessoas preferem outras paragens”.
O salão das festas comporta para cima de duas centenas de pessoas e a afluência, repita-se, é assinalável. Humberto Silva e Luís Godinho são os acordeonistas mais aclamados, que cantam e tocam.
“Temos outros artistas convidados e de quando em vez realizamos uma sessão de fados. Também há convívios e alugam-nos o salão para festas. Mas o mais significativo são os bailes”, vinca Carlos Lopes, aludindo à ajuda fundamental de Mariana, Isabel, Diana e Sónia, que se prontificam a auxiliar nos diversos tipos de atividade inerentes.
O Carrasquense também é palco de recitais de poesia, organizados por Dolores Costa, que faz muita divulgação do espaço e convida vários autores. Além de poetisa, esta senhora, que já foi protagonista de uma reportagem no Portimão Jornal, também é presença assídua nas matinés dançantes.
Local de culto e ringue de boxe
“Já funcionámos como uma igreja, inclusive com procissão, e, numa outra vertente, chegámos a montar um ringue de boxe, que fomos buscar a Faro, propositadamente”, adianta Carlos Lopes, enumerando outras iniciativas, como karaté, xadrez, rancho folclórico e artesanato a cargo de senhoras. “Agora há mais televisão e outros divertimentos, as pessoas aparecem menos”, repete o presidente, conformado com a atual situação, mas pronto a lembrar que, “em tempos, chegou a vir cá um senhor do Barreiro, de comboio, para ler poemas”.
O terreno, que foi dado pela Câmara, pertence ao Carrasquense, cujas receitas passam quase em exclusivo pelos bailes, o que sustenta a pouca atividade e paga luz, água e outros serviços. “Antigamente chegou a haver futebol, no recinto atrás do pavilhão, onde hoje é o estacionamento, bem como outros desportos populares. Agora, com tanta oferta na cidade, computadores e outro tipo de jogos, a malta nova não aparece e diz que aqui é ‘baile para velhos’. Mas somos como uma família”, garante.
Carlos Lopes argumenta que o Clube Recreativo Carrasquense “vive com o que tem” e assume até uma posição curiosa, afirmando “que os clubes devem, no essencial, viver com as suas próprias receitas e só recorrer às entidades oficiais em caso de extrema necessidade”. E depois, à laia de conclusão do que disse, “se não tenho, não compro”, atira, determinado e pronto a seguir com este princípio. A coletividade dá-se bem com todos os clubes do concelho, quer integrar mais o movimento associativo e espera marcar para breve uma reunião com Álvaro Bila, presidente da Câmara de Portimão, para estreitar relações.
Ar condicionado e uma viagem à Madeira
“A curto prazo gostava de ter aqui ar condicionado. É uma despesa, mas no verão facilitava, porque faz muito calor no salão dos bailes”, revela Carlos Lopes, de 72 anos, disposto a agradar, cada vez mais, as pessoas. “Temos cafés e bebidas, bolachas e batatas fritas, mas vamos cozinhar uma sopa de inverno nas tardes dançantes, para ver se dá resultado. Como não há bifanas nem pipis…”, diz ainda, com humor. Os visitantes, repete, gostam de conviver e dançar e por isso frequentam o Carrasquense, cujo calendário tem dois dias – para além dos domingos – obrigatoriamente dedicados aos bailes: o Dia de Ano Novo e o 25 de Abril. “Os nossos acordeonistas, com o Humberto Silva à cabeça, são fantásticos. Venham mais ao clube e divirtam-se”, apela o presidente, deixando para o fim uma curiosa revelação. “No baile do próximo dia 1 de janeiro, com o Humberto Silva, vamos ter rifas a seis euros para sortear uma viagem para duas pessoas à Ilha da Madeira, com hotel e avião incluídos”.