Começaram por ajudar duas famílias em Portimão, agora apoiam mais de 60

Texto e foto: Jorge Eusébio


A pandemia está a provocar consequências sociais dramáticas. Isso mesmo constata Leandro Antunes, através do trabalho que desenvolve à frente da associação Coragem & Fé.

Muitas das 63 famílias que a ela acorrem em busca de alimentos e de outros bens essenciais “tinham os seus empregos, sempre conseguiram pagar as suas contas e, entretanto, devido às circunstâncias que atravessamos, deixaram de ter trabalho e viram os seus rendimentos descer a pique”.

Trata-se, por isso, de pessoas a quem custa imenso ter de recorrer a apoios externos, mas que não possuem, nesta altura, outra alternativa.
Mas, para além destas “há muitas outras que estão a passar mal e que, por vergonha, não pedem ajuda”, o que é ainda mais grave. Este é um fenómeno que “sempre existiu, embora passe ao lado de muita gente, mas que agora ganhou proporções de grandes dimensões”.

Há cerca de um ano, quando o vírus da covid-19 causou os primeiros ‘estragos’ sociais, a família de Leandro começou a ajudar dois casais amigos que estavam a passar por dificuldades. Outras pessoas que souberam da situação juntaram-se nesse apoio, o que levou a que acabassem por receber mais produtos do que precisavam.

Muitas famílias a precisar de apoio
Usaram então aquele que continua a ser o seu principal canal de comunicação, o Facebook, para encontrar outros agregados familiares com necessidades, que precisassem desses produtos. “Apareceram logo mais três ou quatro, que começámos a apoiar de forma regular”.

A palavra foi passando e surgiram cada vez mais cidadãos que passavam por tempos difíceis e, também, felizmente, gente solidária, que queria contribuir para minorar tais dificuldades.

Em determinada altura sentiram que, para dar resposta a tantas solicitações e a levar por diante a sua missão precisavam de uma outra estrutura, organização e, sobretudo, de espaço. Surgiu, então, a ideia de formar uma associação.

O nome de ‘Coragem & Fé’, lembra Leandro Antunes, “foi sugerido pela minha mulher, por se tratar de uma frase que uso com frequência e que achámos que se adequava bem a esta missão”.

No entanto, essa designação leva a que “muita gente pense que estamos ligados a alguma instituição religiosa, o que não é verdade, somos completamente independentes, quer a esse nível, quer na vertente política ou qualquer outra, a única coisa que nos move é ajudar quem precisa”.

Mais faz quem quer do que quem pode
O primeiro espaço que usaram estava situado em Alvor, mas, entretanto, encontraram um outro mais barato, no centro de Portimão, na zona da Malata, e é aí que guardam os produtos que vão conseguindo recolher e, depois, os entregam, pelo menos uma vez por mês, a quem deles precisa.

Os alimentos são oferecidos, na sua esmagadora maioria, por cidadãos anónimos que, de forma pontual ou regular, fazem questão de ajudar e também por alguns pequenos empresários que, apesar de passarem por dificuldades, continuam a ser solidários e a ajudar dentro das suas possibilidades.

Ainda recentemente um deles contribuiu com uma arca frigorífica, que muita falta fazia, pois “permite que consigamos alargar a oferta alimentar, uma vez que assim é possível termos um stock maior de carne e peixe”. Foi aí que foram guardados, até serem distribuídos, 60 frangos recentemente oferecidos por um talho das redondezas.

E é assim que, pouco a pouco, grão a grão, a associação ganha condições para responder à tarefa a que se propôs.

Leandro Antunes tem esperança que outras empresas, sobretudo supermercados de grande dimensão, bem como estruturas regionais e nacionais que estão envolvidas no combate à fome e aos problemas sociais venham no futuro a ajudar a associação.

Mas, entretanto, a estrutura que montaram vive com base no voluntariado e na generosidade individuais, o que, mais uma vez, dá razão ao ‘ditado’ popular de que “mais faz quem quer do que quem pode”.

Isso tem permitido que, “pelo menos até agora, não tenhamos sido obrigados a dizer não, por falta de meios, a quem nos procura”, apesar de o número de pedidos ter aumentando substancialmente nos últimos seis meses.

Provavelmente isso sucede porque só recentemente essas pessoas tomaram conhecimento do trabalho da associação, mas também porque, enquanto foi possível, foram gastando as economias que tinham, as quais, com o passar do tempo, acabaram por se esgotar.

A recuperação vai ser muito lenta e difícil
Para além das dificuldades em obter os produtos necessários, também é duro lidar psicologicamente com a realidade dramática com que todos os dias os voluntários se deparam. Desde a família de um taxista “que sobrevive com os escassos 200 euros que ele consegue fazer nesta altura, passando por uma senhora de perto de 80 anos que, depois de receber alguns produtos alimentares, desabafou não saber como é que vai conseguir viver nos próximos tempos”.

Tratam-se de dramas a que é impossível ficar insensível. “Basta colocarmo-nos na pele destas pessoas. Muitas tinham até há bem pouco tempo vidas normais e, de um momento para o outro, perderam praticamente tudo, incluindo a esperança de recuperarem o padrão de vida a que estavam habituadas”.

E isso aconteceu não por responsabilidade própria, mas “devido a circunstâncias que não controlam e que nos fazem perguntar se também vamos ser ‘apanhados’ pela crise e chegar a esse ponto”.

Uma das suas filhas, que também queria ajudar, “passava os dias a chorar por deparar-se com tantas situações do género, pelo que, ao fim de algum tempo, tive de lhe dizer para deixar de vir à associação”.

E o mais grave é que “não vejo forma de, tão cedo, as coisas terem uma evolução positiva”, diz Leandro Antunes.

Mesmo que nas próximas semanas ou meses se proceda ao desconfinamento total, há muitas empresas que vão manter-se fechadas, outras que vão reabrir mas, seguramente, a meio gás, sem a atividade e as receitas habituais, pelo que vão precisar de menos funcionários”.

Para além disso há contas que ao longo deste período se foram avolumando, por exemplo, de rendas, que “vai ser muito difícil as pessoas e as pequenas empresas conseguirem pagar”. É que se, em muitos casos, quando tinham rendimentos, isso já era difícil, futuramente, com menos receitas disponíveis, vai ser quase impossível pagarem as despesas correntes e as que foram ficando para trás ao longo deste período”.

Esta é, de resto, uma situação que já está a fazer grandes ‘estragos sociais’, uma vez que “várias pessoas que nos procuram tiveram de abandonar as suas casas e algumas estão a viver em carros”.

Muita necessidade de produtos para bebés
Em face de tudo isto, considera que, mesmo depois da pandemia estar controlada, vai ser necessário que a ‘Coragem & Fé’ continue de portas abertas, pois vão manter-se muitos dos problemas sociais graves que atualmente existem.

Para que isso aconteça, a associação vai continuar a precisar de apoio. Quem o queira e possa fazer pode contactá-la através da sua página de Facebook (basta fazer uma busca através do nome Coragem e Fé), por e-mail (geral.coragem.fe@gmail.com), por contacto telefónico (927 505 921) ou deslocando-se às suas instalações situadas a poucos metros da entrada principal do estádio do Portimonense.

O presidente da associação diz que “precisamos de todo o tipo de alimentos, desde carne e peixe, passando por leite, farinha, ovos, azeite, cereais, entre outros”. Também há muita necessidade de produtos específicos para bebés que são bastante caros e que, por isso, pesam bastante no orçamento familiar.

Ainda recentemente “esteve aqui uma senhora que precisava de fraldas para o seu menino e teve de levar umas que ficavam um pouco apertadas, mas eram as que tínhamos”.

Para além de produtos, quem preferir pode fazer doações em dinheiro, numerário ou através de transferência bancária (número da conta disponível na página de Facebook), recebendo o correspondente recibo por parte da associação.

Leandro Antunes frisa que “esta é uma associação que está de portas abertas a todos os que queiram ajudar e que tem uma política de total transparência em relação à sua atividade e às contas”.

A decisão de aceitar dinheiro foi tomada por “termos constatado que, através das dádivas de produtos, muitas vezes não conseguirmos obter a variedade de alimentos de que precisamos, um problema que pode ser colmatado se tivermos alguma verba disponível para fazer compras”.

Para além disso, por vezes surgem casos dramáticos e urgentes de famílias que não conseguem pagar contas básicas, como as do gás ou da eletricidade e, “embora o nosso foco seja o apoio alimentar, se tivermos possibilidade para isso, tentamos também ajudar em situações pontuais, a esse nível”.

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