Drogaria Ideal: a tradição que teima em resistir em Portimão

Texto e foto: José Garrancho, in Portimão Jornal nº65


No início da Estrada de Alvor, ali no número 16, abriu uma drogaria, em 1963, que se chamava Casa Varela e Prazeres, Lda. Em fevereiro de 1981, os irmãos Mário e José Guia Martins tomaram-na de trespasse e, durante 41 anos, vêm servindo uma clientela fiel, sempre com simpatia e o máximo de correção.

Das imensas drogarias que se conheceram em Portimão, como Valente, Viana, João Primo António, Quintas, Marcante e outras, já só existem três. Glória e Silvestre, que saiu do centro da cidade para a zona industrial e se expandiu, a drogaria Pereira e a drogaria Ideal, que se mantêm fiéis ao atendimento personalizado e à venda à moda antiga, contando pregos, parafusos e anilhas, porque o cliente não é obrigado a levar mais do que necessita.

Comprar em superfícies maiores pode ser desvantajoso
De vez em quando, recordamos o espanto dos nossos netos, quando lhes dizemos que, na idade deles, comprávamos um ou dois rebuçados de cada vez. E pensamos no espanto das próximas gerações, quando lhes disserem que se comprava um parafuso ou dois pregos.

O Portimão Jornal esteve à conversa com os proprietários e únicos trabalhadores da drogaria Ideal, que foram adiantando: “As grandes superfícies, abertas todos os dias e durante longas horas, têm afetado bastante as pequenas drogarias e nós só continuamos por carolice, porque temos os nossos clientes habituais e todos os dias é um prazer vê-los e contactar com eles”.

Quando confrontados com os preços, disseram que, nas grandes superfícies, não são mais baratos; pelo contrário.

“Eles apresentam preços que nós teríamos vergonha de apresentar aos nossos clientes. Se o cliente fizesse um pequeno estudo sobre aquilo de que necessita e consultasse o pequeno comércio e essa grande superfície, ganhava muito dinheiro. Porque, na drogaria, se desejar um parafuso, compra um. Lá, tem de trazer uma embalagem com 10 ou 12. Logo, o investimento é muito maior. E o preço, por unidade, também não compensa. Não na totalidade dos artigos, mas numa grande parte”, garantem os responsáveis pela Guia Martins, Lda.

Parafusos avulso, um negócio com dias contados
Os irmãos afirmam que os artigos que mais saem são parafusos, cola e plásticos. As vendas de tintas baixaram significativamente, por causa da concorrência.

“Qualquer comércio as tem. Aquelas casas que, antigamente, eram mercearias e só vendiam bens alimentícios, hoje vendem de tudo, começando pelos produtos de limpeza. Fidelizam o consumidor e hoje não vale a pena alguém se iniciar com uma drogaria. Nós iremos continuando enquanto pudermos e, depois, saldamos isto. O dia de amanhã ninguém sabe, mas não estamos a ver continuidade”, perspetivam.
Os parafusos, um dos produtos mais vendidos, existem numa variedade de tipos e tamanhos que passam despercebidos à maioria dos cidadãos.

“As pessoas chegam com um bocado de parafuso na mão e dizem que querem um igual. Mas não sabem qual é o comprimento ou o diâmetro do mesmo. Os mais jovens trazem a fotografia no telemóvel, mas continuam sem saber as medidas. Preocupam-se principalmente com o tipo de cabeça. Sem falar naqueles que deixam o parafuso em casa e vêm tentar mostrar o tamanho com a distância entre dois dedos, que vai variando. A gente vira-se para procurar e, quando volta a olhar para o cliente, já está mais pequeno ou maior”.

Segundo asseguram, entre gargalhadas, acontece quase todos os dias.

Fechadura direita ou esquerda?
“Há quem chegue aqui com a fotografia ou as medidas da fechadura que quer adquirir. A primeira pergunta que fazemos é se é esquerda ou direita e ficam a olhar para nós, admirados com a pergunta. Temos de fazer uma série de observações, para podermos servir o cliente. Muitos nunca repararam se a porta abria para a esquerda ou para a direita, até virem comprar a fechadura. E alguns, mesmo jovens e com uma certa preparação, têm dificuldade em orientar-se”, contam.

Atenção, ‘amigo leitor’: a leitura deve ser feita pela direção da abertura, quando estamos do lado de fora.

As tintas não se mantêm inalteráveis
“No passado, o cliente chegava com uma lata vazia, ou trazia a referência, e levava o produto. Mas, se a outra tivesse sido comprada há 3 ou 4 anos, já não era igual, porque a tinta, depois de aplicada, vai perdendo a tonalidade. E, no dia seguinte, vinham queixar-se que a cor não era a mesma e criavam-se atritos. Hoje, ainda acontece, mas menos, porque as pessoas já estão mais esclarecidas”.

‘Tu cá, tu lá’ e um humor refinado

As pessoas acham engraçado e algo estranho que dois irmãos, com uma diferença de idades pequena, se tratem por você. Não resistimos e quisemos saber porquê? Entre risadas, disseram que se tratam assim, no trabalho, por brincadeira, pois o seu tratamento habitual é por tu. E assim descobrimos que, por detrás daqueles rostos formais, existe um sentido de humor refinado. E, também, que se encontram ligados comercialmente desde 1958. Ao Portimão Jornal revelaram que são dois de seis irmãos, cinco homens e uma mulher, todos oriundos de Cumeada – Nora, no concelho de Silves, freguesia de São Bartolomeu de Messines. Mas que emigraram para Angola, na sua juventude, radicando-se na zona de Sá da Bandeira. “Eu fui com 16 anos”, avançou Mário Guia Martins, acrescentando: “E este fez 14 anos a bordo do navio e foi sozinho”.

Os dois irmãos mais velhos, Maurício e João, partiram em 1949. Em 1952, foram Eduardo e Mário. Depois, juntou-se-lhes o irmão mais novo, José. Dedicavam-se à agricultura e pecuária, mas o mano Mário abriu um estabelecimento onde vendia de tudo um pouco e deu sociedade ao José, que trabalhara numa empresa de venda por grosso e, mais tarde, na mina. “Em 1963, os nossos pais foram passar um ano connosco. Mas, quando estavam quase a regressar, começámos a ver a nossa mãe chorosa, pelos cantos. Falaram connosco e disseram que, se a filha estivesse interessada em ir para lá com o marido e o filho, eles já não regressariam”. E, assim, se juntou a eles a irmã Deolinda, em 1966. E a família só regressou em 1975, fixando-se os irmãos Mário e José em Portimão.

“Antes de termos isto, explorámos a adega dos Azeiteiros, a partir de janeiro de 1978. Em 1981, surgiu esta situação e agarrámos a oportunidade. Jogámos às sortes para ver quem vinha para aqui e ficámos com os dois negócios. Em 1988, os filhos, que eram quem nos dava uma ajuda, começaram a ir para a tropa. O empregado tinha a mesma idade e também foi para o serviço militar e decidimos vender a adega e ficar só com a drogaria. E cá estamos, enquanto pudermos”.

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