Elidérico Viegas (AHETA): “O Algarve continua dependente do turismo e das crises”

“Nem tudo o que brilha é ouro. O pior poderá estar para vir”, avisa, nesta entrevista à Algarve Vivo, o presidente da direção da AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve.

José Manuel Oliveira

Numa altura em que a região algarvia regista uma subida significativa de turismo, iniciada ainda antes da chamada época alta e que, segundo alguns especialistas, irá bater todos os recordes, o presidente da direção da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, volta a colocar o dedo na ferida devido à instabilidade internacional e alerta que nem tudo o que brilha é ouro. O pior poderá estar para vir.

“O aumento da procura turística que se vem verificando nos últimos anos resulta, essencialmente, do facto de muitos dos nossos destinos concorrentes se confrontarem com situações de instabilidade, nomeadamente no norte de África e Magreb, desde Marrocos ao Egipto, passando pela Tunísia, Grécia e Turquia. Uma vez que não são previsíveis alterações que permitam perspetivar o fim das hostilidades que afetam negativamente estes destinos turísticos, pelo menos no curto/médio prazo, as expectativas apontam para que os bons resultados turísticos do Algarve, em particular, e do país, em geral, se possam manter no próximo futuro. A verdade é que os aumentos da procura só podem ocorrer durante os chamados meses laterais (abril, maio, junho, setembro e outubro), pois na estação alta as taxas de ocupação atingem, tradicionalmente, mesmo em períodos de crise, os cerca de cem por cento”, afirma, em entrevista à revista Algarve Vivo, Elidérico Viegas.

As previsões para este ano no Algarve apontam um aumento na ordem dos três por cento nas taxas de ocupação e de seis por cento no volume de negócios.

Já em relação ao anunciado “ano de todos os recordes”, considera tratar-se de “uma questão mais ao gosto da política e dos políticos do que das empresas. Nem tudo o que luz é ouro”. “Sabemos que os números nacionais do turismo não se refletem de igual modo nas empresas, na medida em que não consideram, nomeadamente, o aumento da oferta e a inclusão nas estatísticas oficiais de alojamento que já tinha utilização turística no passado, mas não contava para efeitos estatísticos, como é o caso do alojamento local, por exemplo”, reconhece.

“Infelizmente, e por muito que alguns responsáveis se tentem colar aos bons resultados turísticos, o seu contributo efetivo tem sido pouco ou nada relevante, não sendo conhecidas quaisquer campanhas promocionais significativas, quer em termos internos, quer principalmente a nível externo”, acusa o presidente da AHETA.

SAZONALIDADE É FRAQUEZA

O Algarve está cada vez mais dependente do turismo e não se encontra preparado para enfrentar crises como no passado. Elidérico Viegas não tem dúvidas: “Portugal está cada vez mais dependente do turismo, uma vez que os restantes sectores de atividade teimam em não iniciar a via da recuperação.” Por isso, alerta que “as consequências da dependência de uma monocultura económica são pouco recomendáveis, deixando os países e as regiões à mercê das crises cíclicas que, mais tarde ou mais cedo, acabam por afetar essas atividades sectoriais.”

Contudo, nota, “acresce que, já agora, a dependência de uma monocultura económica não é tão grave quando se trata de uma região, mas pode ser muito grave quando se trata de um país. O exemplo do Algarve é paradigmático nesta matéria. O certo é que continua totalmente dependente do turismo e das crises.”

Por outro lado, aquele dirigente da principal associação de hoteleiros e empreendimentos turísticos algarvia, reconhece que a sazonalidade não se está a esbater, antes pelo contrário. E deixa o recado: “A sazonalidade é e vai continuar a ser a nossa maior fraqueza, independentemente de declarações mais ou menos otimistas de alguns responsáveis. A sazonalidade, infelizmente, não se esbate com declarações e, muito menos, sem ações concretas. Neste contexto, irá continuar a marcar a vida económica e empresarial do Algarve nos anos vindouros.”

MULTAS PARA MAUS COMPORTAMENTOS

Em termos da segurança, Elidérico Viegas mostra-se confiante de que a região manter-se-á a salvo de uma ameaça terrorista, mas lança avisos a nível interno.

“Portugal tem ficado à margem de ataques de índole terrorista, não havendo quaisquer razões, felizmente, para considerarmos que isso possa ser diferente nos tempos mais próximos”, observa.

“Porém, no que se refere à segurança de pessoas e bens, existem problemas associados aos designados negócios da noite, resultantes, sobretudo, da permissividade das nossas leis e de uma incapacidade notó- ria das entidades competentes, nomeadamente de algumas autarquias em fazerem aprovar regulamentação respeitante aos horários de funcionamento destes estabelecimentos de animação noturna, (des)ocupação da via pública e aplicação de regulamentos sobre posturas municipais. Esta situação obriga à concentração de elevados efetivos policiais nestas zonas em prejuízo de outros cidadãos, o que tem contribuído para um ligeiro aumento da criminalidade, tanto mais que ao aumento do número de turistas não houve o correspondente aumento de efetivos policiais e outras forças e serviços de segurança”, sublinha o responsável associativo.

O dirigente turístico responsabiliza “a generalidade das câmaras” do Algarve pela falta de posturas municipais que possam contribuir “para evitar comportamentos desviantes das pessoas, como andar nu ou seminu e urinar na via pública, através da punição com o pagamento de multas elevadas, a exemplo do que sucede em vários países, além da instalação de videovigilância, horários de funcionamento dos bares e discotecas, aplicação da lei do ruído e som e ocupação desordenada de espaços públicos, entre outros aspetos.” “Estes problemas são mais frequentes em Albufeira, onde todas as noites há bebedeiras e agressões na via pública”, lamenta.

EMPRESÁRIOS GEREM POLÍTICA DE PREÇOS

Em 2016, o rendimento por quarto disponível (RevPar) foi de 46,2 euros. Ou seja, “ascendeu, em média, a pouco mais de 46 euros por dia por unidade de alojamento, devendo este valor subir, em média, cerca de 6 por cento este ano”, esclarece o presidente da AHETA. “Os hotéis e empreendimentos turísticos irão atingir em 2017, pela primeira vez desde o virar século, taxas de ocupação superiores a 65 por cento/ano, fazendo com que atinjamos o chamado ponto crítico, ou seja, a taxa de ocupação a partir da qual os empresários passam a gerir a sua política de preços e, por essa via, a rentabilizar os seus investimentos”, sublinha.

SÃO PRECISOS ENTRE 5 A 7 MIL TRABALHADORES

O presidente da AHETA justifica a falta de pessoal e a dificuldade das unidades em recrutar trabalhadores nesta altura do ano, sobretudo ligados aos setores de andares, limpeza e restaurantes: “A escassez de mão de obra encontra explicação em vários fatores, destacando-se, entre os mais importantes, a grave crise internacional de 2008 que empurrou muitos trabalhadores para a emigração e muitos imigrantes de regresso aos seus países de origem. A crise na construção civil, por outro lado, também está a contribuir, decisivamente, para a falta de mão-de-obra feminina, já que muitos trabalhadores deste sector se faziam acompanhar das esposas e de outros familiares que supriam as necessidades de mão-de-obra dos hotéis e empreendimentos turísticos, especialmente em matéria de empregadas de limpeza e andares, os trabalhadores mais numerosos na hotelaria.”

“Neste momento, as faltas estão a ser colmatadas através do recurso a trabalho suplementar, trabalho temporário e recrutamento de trabalhadores junto das localidades alentejanas mais próximas do Algarve. Estima-se que seriam necessários entre 5 a 7 mil trabalhadores para satisfazer todas as necessidades de mão-de-obra nos hotéis e empreendimentos turísticos do Algarve, designadamente em matéria de mulheres de limpeza e empregadas de andares, empregados de mesa e cozinha. Os reflexos traduzem-se em menores índices de produtividade, equipas pouco estáveis e duradouras e, por conseguinte, num aumento dos custos de exploração das empresas”, faz notar.

CERCA DE 200 UNIDADES PODEM ENCERRAR NO INVERNO

Muitos hotéis e empreendimentos turísticos do Algarve vão encerrar, como é hábito, na chamada época baixa, a partir de novembro e até fevereiro/março do ano seguinte, uns por opção de gestão, outros devido à necessidade de remodelações e outros também pela falta de procura.

“Não existem razões nem indicadores fiáveis que permitam considerar que a situação será substancialmente diferente, não só em 2017, como nos próximos anos”, observa Elidérico Viegas, admitindo que a partir de dezembro possam fechar “perto de 200 unidades” em toda a região.

“Mais do que afirmações pessoais, um gráfico com os dados do INE sobre esta matéria indica ter havido mesmo um maior número de encerramentos durante alguns meses em 2016 do que no ano anterior, o que contraria as declarações, sempre otimistas, de alguns dos nossos responsáveis, pouco atentos e conhecedores destas realidades empresariais. Este gráfico refere-se apenas aos encerramentos que se verificam nos empreendimentos classificados oficialmente, embora saibamos que esta realidade é muito superior junto da chamada oferta paralela”, conclui.

 

 

 

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