Ferreiras: Uma família ao ritmo da dança desportiva

Texto: Rafael Duarte | Fotos: D.R.

O primeiro passo foi dado em 1998, quando foi criada a equipa de dança desportiva no Futebol Clube Ferreiras e, 24 anos depois, já são 82 as atletas que seguem ao mesmo ritmo. Tudo começou face ao interesse crescente em relação às danças no concelho.

“A Câmara Municipal de Albufeira organizou um campo de férias que tinha diversas atividades, entre elas a dança. Mais tarde, houve necessidade de dar continuidade a este desporto, pela adesão que teve, e foi formalizado um pedido ao FC Ferreiras, que acolheu o projeto até aos dias de hoje”, recorda Telma Guerreiro, atual treinadora da equipa, em declarações à ‘Algarve Vivo’.

No arranque da modalidade no FC Ferreiras, Telma representou o clube como atleta, tendo, em 2002, passado a ser também monitora. Acabou por deixar os albufeirenses, em 2006, mas voltou, no final de 2019, enquanto treinadora.

“Houve uma grande evolução relativamente aos apoios às atividades. Quando voltei, senti-me de novo bem acolhida, com a direção a apoiar a modalidade. Prova que o FC Ferreiras não é só futebol. Às vezes, as pessoas acham estranho termos futebol no nome do clube, mas temos uma secção de dança desportiva muito forte”, conta.

Um regresso que surgiu a par da vontade do clube em dar início a “um novo ciclo” nesta secção. Paulo Tomás começou por se juntar à equipa em 2011, porque a filha gostava de dançar, mas, em 2012, deixou de ser apenas um espetador.

“Convidaram-me para ser diretor desportivo e aceitei, porque dancei num rancho folclórico e sempre tive uma ligação às danças. Durante estes anos, temos tido alguma irregularidade no número de atletas, mas nunca desisti. Em 2019, chamámos a professora Telma Guerreiro e a modalidade tem vindo a crescer. Veio a pandemia e continuámos a treinar, mas em casa. Quando pudemos voltar ao nosso ‘habitat’, a equipa subiu para uns 70 atletas e atualmente temos 82”, contabiliza.

Os altos e baixos no número de atletas têm uma explicação. “Os miúdos são pequenos e passam aqui a sua infância. Quando chega a altura de ir para a Universidade, cada um segue o seu caminho. Outros acabam por desistir por não haver competições no Algarve. No entanto, desde que aqui estou, já fizemos três campeonatos, o último em março, e queremos fazer mais um para o ano”, revela.

Quem também acompanhou de perto esta recente evolução do clube foi Mara Tomás, uma jovem de 18 anos, que está na equipa há 12 anos. “Quando entrei éramos muitos. Depois passámos a ser dois pares a competir, mais um grupo de raparigas que competiam em grupo. Agora somos muitos novamente, mas acho que temos um grupo mesmo forte. Somos uma família, na qual todos nos damos muito bem”, sublinha.

A carreira de Mara começou, porque estava em casa e apareceu na televisão um par a dançar. “Disse à minha mãe que queria fazer aquilo e ser boa naquilo”, conta a jovem atleta, que 12 anos depois, destaca uma grande evolução não só a nível desportivo.

“Sinto que me tornei uma pessoa melhor, mais disciplinada. Temos que ter disciplina para conciliar treinos, campeonatos e escola. Temos mesmo que gostar disto. Não tem sido fácil com o aproximar dos exames, mas com gestão faz-se tudo”, garante.

E com a experiência que tem agora, já sabe o que diria a ela própria, quando tudo começou. “Não te preocupes desde início com os resultados. São coisas que demoram a surgir. Comigo durou pelo menos cinco anos. Por isso, importa vir numa desportiva e de aproveitar ao máximo”, confidencia.

A família
A dança rejuvenesceu no Futebol Clube Ferreiras e a ‘Algarve Vivo’ falou com uma das jovens promessas desta equipa. Ricardo Costa tem apenas 12 anos, mas já fala como um adulto quando se toca em ambições.

“Imagino-me a ir para Nova Iorque, que tem danças de salão, como sabemos. Sempre gostei daquela cidade e foi o que sempre quis, por isso, quero seguir em frente para alcançar os meus sonhos”, afirma.

De sorriso fácil, o ‘pequeno grande’ Ricardo recorda como começou esta aventura. “Tive uma experiência no hip-hop, mas tive que sair, porque o meu professor da altura foi para Lisboa. No ano passado, juntei-me ao FC Ferreiras e gosto muito das danças de salão. No início foi difícil, mas com algum esforço e empenho consegui”, exclama. Na hora de entrar em prova, consegue pôr os nervos de parte e diz que tudo fica mais fácil estando numa equipa, onde há um espírito de família.

O lema do FC Ferreiras é ‘Mais que um clube uma família, somos Ferreiras’ e a verdade é que, mesmo sem combinarem antes, cada um disse que se sente numa família, quando foram questionados sobre o ambiente na equipa.

“Vou buscar a minha essência e, apesar de ter uma abordagem geral, tento tirar o melhor de cada um. Tento ser específica para perceber os medos e realçar as qualidades. Trabalhar o que acho que está em falta. É importante haver sensibilidade do treinador”, explica a treinadora que acaba por ser fundamental para fomentar esse espírito.

Este é um sentimento que vai desde os mais novos aos mais velhos. Daniel Shestak, de 18 anos, explica o porquê. “Aqui há uma grande união entre todos os colegas de equipa. Sente-se um ambiente de amizade e apoio. Se alguém tem dúvidas, quando a professora está a dar aulas, nós pedimos opiniões e apoiamo-nos muito”, salienta. O atleta começou na dança aos quatro anos, mas parou aos dez. Até que, em 2020, decidiu voltar a fazer o que mais gosta.

“Depois da covid senti uma nostalgia e comecei a ver vídeos. Decidi voltar e esse regresso foi marcante. Obviamente que, no início, quando calcei os sapatos, senti logo a sensação da dança. As coisas fluíram naturalmente. Senti a música e cada batimento… A música dava-me indicações e a minha memória dizia o que fazer”. E o regresso tem sido em grande. No ano passado, sagrou-se campeão nacional de juventude iniciados de latinas.
A seguir o mesmo ritmo, Márcia Gonçalves também soma grandes conquistas e assume estar cada vez mais perto do grande objetivo de ser campeã de standard e latinas.

“Desde pequena sempre gostei da dança. O meu pai é músico e estava sempre a tocar, enquanto eu dançava. Tentou ensinar-me a tocar viola, mas nunca quis, pois gostava era de dançar. Comecei no ballet e, aos dez anos, entrei no FC Ferreiras nas danças de salão, que foi o que sempre quis. Comecei na brincadeira e só aos 14 é que comecei a competir e levar tudo mais a sério”, conta a atleta, que, na altura “mais a sério”, admite ter sentido algumas dificuldades.

“Ainda hoje acho que não é fácil. É um desporto competitivo e temos que ter capacidade de saber perder e ter humildade. Temos que ter confiança em nós próprios e nunca desistir. Os resultados deitam abaixo e é um bocado chocante, quando entramos na competição. Há muitos dançarinos e não chegar à final é uma desilusão, mas, os resultados não chegam logo. É preciso trabalhar bastante”, revela. Admite que chegou a pensar desistir, mas em vez de seguir esse caminho encontrou outras opções para continuar a dançar.

A exigência
Outros atletas reconhecem a exigência do desporto e daí a importância dos pais e da treinadora para amparar estes jovens. “É claro que tem que haver uma estabilidade a nível de resultados, mas é relativo, porque o júri não é sempre o mesmo. A avaliação é subjetiva. O que tento passar é que ‘claro que todos queremos resultados, mas antes disso é importante percebermos a nossa evolução, treino após treino’. Na forma como nos sentimos na pista e saímos dela. Para chegar aos resultados, primeiro temos que desfrutar. Fazer o que gostamos com verdadeiro prazer. Não é só pelo resultado”, afirma Telma Guerreiro.

E, desfrutando, a dança pode trazer todo um mundo novo aos seus praticantes. “Costumo dizer que quem dança é mais feliz. É uma das modalidades mais completas, porque desenvolve uma série de componentes físicas e coordenativas. É um mundo interessante e para quem experimenta é muito difícil sair dele. Não é só passes técnicos. Ganhamos noção do nosso corpo e da nossa mente, ajuda-nos a crescer diariamente. Além disso, o convívio que temos uns com os outros é fantástico. Se alguém quer uma modalidade completa com este espírito, conhecer-se melhor a si próprio, a dança é o ideal”, defende a treinadora.

A aproveitar essas vantagens está o par composto por Alexandra Campaniço e Filipe Teodósio, ambos de 16 anos. Ela entrou em 2015 e ele em 2016, mas só começaram a dançar juntos no início deste ano. “Andamos nisto há muitos anos. Fomos crescendo ao mesmo tempo. É um bocado complicado trabalhar em par, no início, porque tem que haver conexão e temos que perceber bem o corpo um do outro, mas, passados uns anos, vai tudo ao sítio”, explica Filipe.

“Sinto que, se não fossemos tão amigos fora da dança, não seria tão fácil, porque querendo ou não, às vezes, chateamo-nos, mas depois fica tudo bem”, destaca Alexandra, por sua vez.

Futuro
Por mais taças ou vitórias que ambicionem, o atual grande objetivo do FC Ferreiras é apenas um: “Não deixar cair a dança no Algarve”, garante Paulo Tomás, o responsável que quer continuar a ver crescer a modalidade.

“O meu objetivo é colocar os dez pares a competir, assim como os solos que ainda não estão a competir”. O passado recente tem sido de conquistas e, nesse sentido, o ritmo é para manter. Em 2021, “tivemos um par campeão nacional no escalão de juventude e iniciados em latinas. Este ano, a parceria terminou, porque ela foi para a Universidade, em Lisboa. No entanto, o par composto por Daniel Shestak e Inês Rodrigues foi uma referência para o Ferreiras. Tivemos mais três pares campeões regionais na Associação de Setúbal e uma campeã nacional, no ano passado, a solos, a Alexandra Campaniço, que agora está a dançar a pares com o Filipe Teodósio e a solos, mas queremos revalidar alguns títulos nacionais e regionais a solos”.

Há dificuldades, como o investimento necessário para esta modalidade, pois, segundo Paulo Tomás, “um vestido custa no mínimo 300 euros e um par de sapatos 150”. Isto além das deslocações, que raramente são curtas, porque a equipa, estando associada à Associação de Setúbal, tem sempre muitas horas de viagem nos fins de semana de competição. Ainda assim, todos estes obstáculos são ultrapassados pelo “amor à dança e ao associativismo”.

Um esforço notado até pela concorrência. “Quando vamos a uma competição conhecem-nos cada vez mais. Diferenciamo-nos, porque somos do Algarve e percorremos muitos quilómetros, mas o cansaço não nos vence. Somos uma escola humilde e com bastante ‘fair play’. Aplaudimos as vitórias dos outros, que é bastante importante para evoluirmos”, diz a treinadora.

E com este sucesso, claro que a aposta do clube nesta modalidade é para manter. Tem sido “um trabalho bem conduzido e temos tido bons resultados. Isso atrai mais interessados. Estamos a falar de um desenvolvimento bastante interessante. Diz-se que esta é uma modalidade que vai por ‘ondas’ ou ‘modas’, mas, nos últimos anos, o crescimento tem sido contínuo”, afirma o presidente do FC Ferreiras, António Colaço, que espera, por esta razão, continuar a ver “muitos passos a dançar”.

O regresso ao Campeonato de Portugal

O FC Ferreiras sagrou-se campeão da I Divisão do Campeonato Distrital de Futebol do Algarve e garantiu, assim, o regresso ao Campeonato de Portugal na próxima época, competição que disputou, pela última vez, em 2018/19.

“É um regresso a um campeonato onde tentámos voltar mais cedo, mas a situação pandémica não permitiu. As últimas duas épocas foram completamente anómalas. Esta temporada, dentro do possível, decorreu normalmente e atingimos o nosso objetivo”, vincou o presidente do FC Ferreiras, António Colaço, à Algarve Vivo.

Admite que estão a ser preparadas alterações no plantel com o objetivo de o tornar “mais competitivo” e para conseguir a manutenção no Campeonato de Portugal. Poderá ser uma equipa com alguma juventude dos escalões de formação. “Jovens talentos há e a prova disso é que grande parte é disputada pelos clubes que estão nos campeonatos nacionais. Se tiverem a capacidade de continuar e resistir, agradecemos, porque é preciso um grande compromisso para andar nestas competições. Os jovens chegam aos 16 ou 17 anos e, por razões diversas, profissionais ou de estudo, desaparecem”, afirma o responsável.


“O clube é aquilo que os sócios quiserem”

Natação, futebol feminino, patinagem, triatlo e futevólei. Estas são as modalidades, a par do futebol e da dança desportiva, que fazem a família do FC Ferreiras aumentar. Neste momento, é o clube de Albufeira com mais atletas federados, tendo já ultrapassado a marca dos 600 atletas, fora os que não estão federados e os veteranos.

“Para um clube aqui da terra, que é conhecida como um cruzamento, que nem é aldeia, nem vila, mas já é freguesia, é muito bom (risos). No conjunto, temos seguramente entre 25% a 30% dos atletas federados do nosso concelho”, conta António Colaço.

E a explicação para esta diversidade é simples. “O clube é aquilo que os sócios quiserem”, defende o dirigente, que recebeu de braços abertos, por exemplo, a criação de uma equipa de natação.

“Nós procuramos estruturar e dar o apoio necessário. Na natação, tivemos altos e baixos, porque é dos desportos que tem mais problemas com a saída dos jovens para a universidade. No entanto, agora temos mais de uma centena de nadadores. Na adaptada também estamos a alcançar grandes resultados. Temos o Enzo, que está a fazer recordes absolutos, tendo apenas 17 anos. Todo este trabalho vai dando frutos”, considera.

Outra equipa a dar frutos, é a de futebol feminino, que surgiu com a necessidade de dar uma resposta ao crescente número de atletas.

“Queremos ter uma equipa de sub-14, sub-19 e seniores. Há cada vez mais uma apetência para as raparigas praticarem futebol e têm que se deixar de preconceitos, porque há muitas raparigas com jeito. Queremos criar condições para haver futebol feminino. Só nós e o Guia FC é que temos e são muitos quilómetros para fazer num jogo”, diz. Sejam rapazes ou raparigas, miúdos ou graúdos, o FC Ferreiras promete continuar a fazer de Albufeira uma cidade bastante ativa.

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