Festival Som Riscado em Loulé surpreende público
Loulé recebeu entre 11 e 14 de abril a quarta edição do festival Som Riscado, o qual trouxe a sul diversos protagonistas e projetos de referência nas áreas da música e imagem experimentais, muitos deles em estreia absoluta no Algarve. Com uma adesão significativa de público à maioria das propostas apresentadas, este evento, sem paralelo de conceito artístico a sul do Tejo, arriscou mais uma vez numa programação artística inovadora, a pensar quer nas minorias quer num público mais mainstream, a qual integrou concertos, instalações interativas, performances, espetáculos multidisciplinares, formação e debates com nomes como Vítor Rua, André Tentugal, Noiserv, Chassol, Radar 360º, Lixoluxopóetico, Carlos Zíngaro e The Metaphysical Angels.
A edição deste ano foi marcada por uma forte aposta na dimensão formativa, com várias materclasses e conversas performativas, envolvendo fortemente a comunidade escolar do concelho de Loulé e da região algarvia (ligada à área audiovisual), contando com a participação do músico Vítor Rua e do realizador André Tentugal, os quais se centraram, respetivamente, nas temáticas das novas abordagens ao Som e à Música, e da criação de Imagem para conteúdos musicais. Antevendo o evento, os dois formadores desenvolveram ações de mediação artística na semana prévia ao festival (entre 1 e 5 de abril) na Escola Secundária de Loulé, Escola Secundária Dr.ª Laura Ayres (Quarteira), ETIC_Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e Escola Superior de Educação e Comunicação (ambas da Universidade do Algarve), e na Escola EB2,3/S da Bemposta (Portimão) – instituições parceiras do festival –, abrangendo, no total, mais de 300 alunos e seus docentes. Esta vertente constitui, aliás, uma das prioridades programáticas do festival Som Riscado, de modo a contribuir gradualmente para a criação e maior alargamento de públicos a nível dos universos experimental e exploratório.
O Som Riscado abriu depois a 11 de abril com casa cheia na Ermida de N.ª Sr.º da Conceição em Loulé, local inusitado para o qual a organização convocou o “Concílio (riscado) dos Deuses”, num serão que juntou alguns dos protagonistas do festival numa animada conversa informal sobre processos criativos e públicos, antecedida por uma performance de violino solo de um grande nome da música experimental portuguesa há muito ausente dos palcos algarvios: Carlos Zíngaro.
Também no dia 11 a masterclass (seis horas) de Vítor Rua envolveu dinamicamente alunos do curso de Multimédia da Escola Secundária de Loulé, do curso de Criação Musical, Produção e Técnicas de Som da ETIC_Algarve e do curso de Instrumentista de Jazz da Escola EB2,3/S da Bemposta (Portimão), num dia inteiro dedicado a aproximações exploratórias aos universos sonoro e musical, num ambiente descontraído, em que Rua desconstruiu várias conceções e modelos, interagiu com os formandos e propôs diversos formatos práticos com performances musicais dos alunos. No dia 12 seria a vez de André Tentugal apresentar uma animada masterclass (igualmente de seis horas) com alunos dos cursos de Multimédia e Design Gráfico da Escola Secundária de Loulé, do curso de Realização e Cinema da ETIC, do curso de Fotografia da Escola Secundária Dr.ª Laura Ayres de Quarteira e das licenciaturas em Imagem Animada da Escola Superior de Educação de Comunicação da Universidade do Algarve e de Artes Visuais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da mesma instituição de ensino superior. Exemplificando com o seu eclético percurso profissional e transmitindo inúmeros conselhos práticos sobre técnicas e métodos de criação de imagem para conteúdos musicais, Tentugal dedicou ainda uma parte substancial da sua formação à produção, junto com os alunos, de um videoclip que contou com a participação especial do músico Noiserv, o qual está a ser divulgado nas redes sociais pelo Cine-Teatro Louletano.
Durante o festival muitos foram ainda os que, de crianças a adultos, aderiram à performance ‘Há:som Directa’, de Lixoluxopóetico, o mestre das esculturas sonoras que se estreou a sul vindo de terras do norte, em três sessões esgotadas em que o espanto foi a palavra de ordem, com o público a vibrar (e a interagir com o artista experimentando os engenhos usados durante o espetáculo) com as sonoridades contagiantes que catos, aspiradores, máquinas de escrever e outros objetos não convencionais produziram sob a batuta do criativo escultor plástico sonoro. Por seu lado, a instalação interativa “Noiserv nas tuas mãos”, patente ao público no foyer do Cine-Teatro Louletano, fez as delícias de miúdos e graúdos, registando-se uma adesão muito entusiástica a esta proposta do músico Noiserv, um dos convidados do Som Riscado, para mergulhar lúdica e emocionalmente nas suas sonoridades.
O espetáculo ‘Manipula#Som’, da associação portuense Radar 360º, foi um dos momentos altos do festival no seu segundo dia (12 de abril), com o numeroso público, de várias idades, presente no Cine-Teatro a vibrar com a criatividade e originalidade de uma proposta que aliou, com inegável qualidade artística, as artes circenses, nomeadamente a manipulação de objetos, e o universo dos sons e das suas múltiplas derivações e desdobramentos. Explorando a questão de como o som influencia o movimento e de como este molda a corporalidade/fisicalidade, o intérprete António Oliveira apresentou um trabalho performativo que primou por um grande equilíbrio entre técnica, plástica visual e sensibilidade interpretativa.
No sábado, 13 de abril, foi a vez de um grande nome internacional subir ao palco do Cine-Teatro Louletano para um dos espetáculos mais esperados do Som Riscado. O reconhecido e inquietante compositor e pianista francês Chassol estreou-se a sul com o concerto ‘Big Sun’, um espetáculo que desafiou qualquer tentativa de classificação, com um público rendido às suas cativantes composições audiovisuais que combinam vozes, música, sons e imagens. Na manhã de domingo, também inserida na programação do festival, Chassol dinamizou uma estimulante masterclass – foi a primeira vez que o músico fez algo do género em Portugal – em que os participantes tiveram o privilégio de contactar de perto com o pianista e de perceber em profundidade os seus processos criativos. Na mesma noite, mas no Auditório do Solar da Música Nova, aconteceu o momento provavelmente mais experimental da edição deste ano do festival, com a estreia a sul de um coletivo de luxo: Vítor Rua & The Metaphysical Angels. A banda veio a Loulé apresentar o álbum duplo ‘Androids Dream of Electric Guitar?’, no qual a guitarra está no epicentro em abordagens híbridas de matriz free jazz e onde a filiação musical dos temas se torna um desafio constante, com a intervenção de cada instrumento a revelar-se, a cada esquina, uma surpresa. Talvez por isso o crítico e produtor musical Vasco Completo, da revista digital ‘Rimas e Batidas’, que acompanhou todo o Som Riscado, tenha afirmado que neste festival “gira o disco e nunca toca o mesmo”.
A fechar o festival, uma encomenda que juntou Noiserv ao fotógrafo louletano Luís da Cruz, reveladora da contínua (não apenas a nível do Som Riscado) aposta programática do Cine-Teatro Louletano na valorização dos talentos locais e na promoção de encontros inéditos com reconhecidas figuras do panorama artístico nacional. Assim, no domingo, 14 de abril, o Auditório do Solar da Música Nova recebeu uma surpreendente instalação-concerto, num dispositivo cénico não convencional em que Noiserv tocou dentro de uma estrutura composta por três telas de projeção, a qual transportou todos os que massivamente aderiram à singular performance para um universo contemplativo e poético em que o som de Noiserv dialogou harmoniosamente com as imagens de Luís da Cruz, num dos pontos altos do festival, conforme muitos espetadores destacariam posteriormente.
A aposta na afirmação e consolidação do Som Riscado – Festival de Música e Imagem de Loulé assume-se assim como uma das prioridades a nível da programação do Cine-Teatro Louletano, contribuindo para a formação e alargamento de públicos derivados da diversidade e arrojo da oferta artística apresentada, para uma maior democratização no acesso à Cultura e para um reforço da componente educativa e formativa bem como da mediação artística quer com a comunidade escolar quer com o público em geral. Arriscar, inovar e envolver são os motes deste evento singular, que regressa em 2020 com novos protagonistas, abordagens e formatos.