São Gonçalo de Lagos é o nome escolhido para freguesia após fraca participação popular
De um total de 15 mil folhetos com boletins de votos enviados por correio à população, apenas 1.150 foram recebidos na sede da União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria), para alterar a sua designação. O referendo deu a vitória ao nome «Freguesia de São Gonçalo de Lagos», com 582 votos. Ou seja, uma escassa diferença de 28 votos perante «Freguesia de Lagos», que recolheu 554. O processo passa, agora, para a Câmara, Assembleia Municipal e deputados do Algarve.
José Manuel Oliveira
«Freguesia de São Gonçalo de Lagos», o conhecido padroeiro da cidade, será a nova designação da atual União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria). Na sequência de um referendo à população daquelas duas áreas, urbana e rural, do concelho lacobrigense foram recebidos na sede da Junta 1.150 de um total de 15 mil boletins de voto enviados para as moradias através do correio. Tal reflete, de resto, a fraca participação da população já manifestada nas sessões de esclarecimento realizadas em várias zonas da União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria), como reconheceram os autarcas.
Na contagem a cargo de uma comissão formada por sete elementos, o nome «Freguesia de São Gonçalo de Lagos» contou com 582 votos, enquanto a designação «Freguesia de Lagos» obteve 554. Ou seja, registou-se uma diferença de apenas 28 votos. Houve onze votos nulos e três em branco.
Os resultados foram divulgados neste sábado, durante uma sessão da Assembleia da União das Freguesias de Lagos, convocada para o efeito.
Recorde-se que a designação União das Freguesias de Lagos /São Sebastião (criada no ano de 1490) e Santa Maria (no século XIII, 1250 em reconquista cristã), abrangendo uma área com 29,19 quilómetros quadrados, com um total de cerca de 22 mil habitantes, foi imposta pelo atual Governo através da Lei nº. 22/2012, de 30 de maio, na sequência das eleições autárquicas realizadas no dia 29 de setembro de 2013.
Três deputados do Algarve já deram o sim
O processo do referendo de que resultou a escolha do nome «Freguesia de São Gonçalo de Lagos» será agora apresentado, numa das próximas sessões, à Câmara Municipal como proposta para a nova designação daquela União das Freguesias. Se for aprovada, como tudo parece indicar, será submetida à votação da Assembleia Municipal de Lagos, o que poderá acontecer no mês de maio.
“Não prevejo oposição. A Junta levou a efeito um trabalho democrático e esta foi a decisão do povo”, sublinhou, em declarações à Algarve Vivo, o presidente da União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria), Carlos Saúde, para quem independentemente de ser contra a reunificação, “há que olhar para a frente”.
A aprovação definitiva do novo nome passará pela Assembleia da República, em Lisboa. De resto, como referiu Carlos Saúde, três dos nove eleitos pelo círculo de Faro – “Miguel Freitas (PS), Cristóvão Norte (PSD) e Artur Rego (CDS) – já receberam a proposta e irão transmiti-la aos outros deputados do Algarve”, existindo, à partida, acordo para a votar favoravelmente. Se for aprovada no parlamento, será publicada no Diário da República. Só nessa altura, o que se espera que suceda durante o Verão deste ano, é que «São Gonçalo de Lagos» dará nome a uma freguesia do concelho.
“É preciso dar uma bandeira a esta freguesia”, defende presidente Carlos Saúde
No total, recorde-se, houve seis sessões de esclarecimento junto da população, as quais decorreram nos meses de fevereiro e março, tendo começado pela localidade de Portelas e zona da Meia-Praia. Seguiram-se as povoações do Chinicato e Sargaçal e por fim a própria sede da União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria). “Esperava mais participação. Nalgumas sessões estiveram 20/30 pessoas. Não procurámos saber qual era a tendência, se «Freguesia de São Gonçalo de Lagos» ou «Freguesia de Lagos», mas, isso sim, tentámos explicar o processo. Não andámos a fazer campanha por um ou outro nome, nem a contar espingardas”, garantiu à Algarve Vivo o autarca Carlos Saúde, considerando que “é preciso dar uma bandeira a esta freguesia”.
O presidente entende que se “perdeu identidade, além de existirem dois símbolos com esta unificação autárquica”, lamentando a “falta de debate na altura própria por culpa do Governo”. “Ainda existem grandes dúvidas. Ainda há muita gente que desconhece que as juntas de freguesia de São Sebastião e a de Santa Maria já não existem. Ainda há pessoas, sobretudo residentes no meio rural e as mais idosas na área urbana, que me perguntam: o senhor é presidente de que freguesia? O problema é que não se debateu muito na altura própria a agregação das freguesias. O Governo impôs, diria quase em estilo de uma birra, e assim ficou. Contudo, já várias freguesias neste país alteraram o nome”, lembrou Carlos Saúde.
Quem foi S. Gonçalo de Lagos
O Beato Gonçalo nasceu em Lagos, no ano de 1360. Segundo a tradição, terá nascido numa casa situada junto das Portas do Mar, precisamente no local onde ainda hoje se encontra o seu nicho e imagem. Tomou o sobrenome de Lagos, por ser esse o costume da época entre os frades e entrou no Convento dos “gracianos”, nome vulgarmente dado, naquele tempo, aos frades da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho que viviam no Convento de Nossa Senhora da Graça, em Lisboa. Pensa-se que teria entre 20 ou 21 anos nessa altura.
Fez estudos universitários (“Estudos Gerais”), os quais terá concluído de forma tão brilhante que terá sido convidado para se formar em doutor de Teologia e integrar-se no corpo docente. Os seus conceituados livros, os seus primorosos trabalhos de iluminura e as suas inspiradas composições musicais são a confirmação das suas qualidades intelectuais e artísticas, que se refletiriam sempre nas suas grandes vocações: a catequese e a pregação, sendo muitos os que se juntavam para o escutar e beneficiavam da sua generosidade e esmola. Ordenou-se sacerdote e cinco anos depois seria já Prior na Lourinhã, seguindo-se Lisboa, Santarém e Torres Vedras.
Diz-se que sempre foi grande amigo dos pescadores, sobretudo os da sua região de nascimento, o Algarve, sendo-lhe atribuídos milagres, entre os quais o que relata Frei António da Purificação (In P. Hipólito Martínez, OSA, in São Gonçalo de Lagos, Editorial A.O., 27.10.2008, http://www.snpcultura.org/id_beato_goncalo_lagos.html):
No ano de 1437, que são 15 depois da sua morte gloriosa, aconteceu que certos homens do Reino do Algarve, naturais de Lagos, pátria do mesmo Santo, se embarcaram para Lisboa em uma caravela, entre os quais ia um sobrinho do mesmo servo de Deus, filho de um irmão. Engolfados no mar, levantou-se uma tempestade tão severa que deu com a embarcação à costa, e a fez em pedaços, com a morte de todos os que nela iam, tirando dois que puderam lançar mão, ambos, de uma tábua. Mas, como o ímpeto das ondas os levasse, muitas vezes, aos penedos da praia, lastimavam-se gravissimamente. Pelo que, vindo a faltar as forças a um deles, lhe fugiu a tábua e se afogou. Ficou o outro a quem também as forças iam falecendo. E este era o sobrinho do Santo. Vendo-se ir pelo caminho dos seus companheiros, posto em tamanha angústia, começou a chamar por Deus e por São Gonçalo, dizendo: Tio Santo, Tio Santo, salvai-me!
Eis que neste ponto viu na praia um frade agostinho que o animava e lhe dizia que não temesse. Entrou então o frade pelo mar sobre as ondas e tomando-o pela mão o tirou à praia e Lhe disse: Eu sou o tio por quem chamaste. Ide-vos curar até que cobreis forças para poder caminhar. E já que em vida me não visitastes, fazei-o agora. Ide ao Mosteiro de Santo Agostinho, de Torres Vedras, onde o meu corpo está sepultado, fazei aí oração e recebereis aí saúde perfeita das chagas e feridas que neste naufrágio recebestes. Fê-lo assim o mancebo e dormindo aquela primeira noite ao pé da sepultura, acordou, pela manhã, de todo tão sem dor, ou sinal algum das feridas que recebera.
Do que e da repentina cura das feridas se fez um público instrumento autêntico em dois originais, um dos quais se lançou no arquivo daquele convento, e o outro que se levou ao Algarve para glória de Deus e maior veneração do seu servo.
Por essa razão, muitas imagens do Beato Gonçalo de Lagos o retratam com uma caravela na mão e os pescadores da cidade o tomaram como Padroeiro e Patrono da sua Corporação (a Confraria do Corpo Santo), entretanto extinta.
Gonçalo de Lagos é “Defensor e Padroeiro da Vila de Torres Vedras e seu Termo”, por indicação do Rei D. João II, que igualmente sugeriu que Lagos pudesse venerar de forma especial este Santo. A cidade terá acolhido uma relíquia do Beato Gonçalo, com grande festa encabeçada pelo Bispo do Algarve, D. Fernando Coutinho, tendo sido o Beato declarado Padroeiro e Protetor de Lagos. A referida relíquia estará à guarda da Paróquia de Santa Maria de Lagos.
A 27 de outubro celebra-se a Memória facultativa do Beato Gonçalo de Lagos, obrigatória na Diocese do Algarve e no Patriarcado de Lisboa e este é, também, o Dia do Município de Lagos e seu feriado municipal.