Futebol sénior é a vitamina que dá nova vida ao Alvorense
Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto
Se há histórias singelas e curiosas, mas, ao mesmo tempo, com muito significado, uma delas é, certamente, a do Grupo Desportivo Recreativo Alvorense. O seu nascimento deveu-se ao desejo e à vontade férrea de um grupo de cidadãos e da Junta de Freguesia de Alvor. Apossaram de um terreno que à vista desarmada não pertencia a ninguém e construíram um campo para a prática de futebol.
O clube foi fundado em 23 de julho de 1979 e, o outrora espaço baldio, hoje o carismático Campo do Restinga, continua a ser palco dos treinos e dos jogos das diversas equipas daquela pitoresca freguesia.
A história é contada por Cristina Pestana, 52 anos, a presidente, que ao longo da sua vida tem mantido ligações fortes à coletividade. Nada e criada em Alvor, funcionária da Câmara Municipal, fala das ajudas e donativos que contribuíram para o arranque e até se lembra de ter andado a limpar o espaço para edificar o recinto de jogos. “Era miúda e fazia atletismo no Bairro SAAL, tendo a modalidade transitado nessa altura para o clube. Ajudámos a tirar pedras do campo”, evoca, recordando a azáfama dos habitantes.
O percurso do Grupo Desportivo Recreativo Alvorense (GDRA) foi, porém, deveras sinuoso. “Entretanto, surgiu outra associação. A Associação Cultural e Recreativa Alvorense 1º Dezembro (ACRA), que resultou da união de duas entidades, a sociedade 1º Dezembro, de índole mais cultural, e o Alvorense”, explica Cristina Pestana.
Só que o ‘casamento’ não resultou e, anos mais tarde, deixou de haver futebol. “Sabíamos que o GDRA continuava com o nome e o número de contribuinte ativo nas Finanças, porque nunca foi fechado, digamos assim”. Nesse contexto, Cristina e o grupo de fiéis adeptos conseguiram reativar o clube pioneiro, para gáudio de toda a população de Alvor.
Seniores recomeçam do zero
“Foi o gosto pelo futebol, sobretudo, que proporcionou a continuidade”, adianta a presidente, que estava então à frente do movimento, dando imensa dinâmica à causa.
“Convidaram-me para presidente e fiquei dois mandatos, de 2014 a 2020. Fui depois substituída por um colega, mas ele teve de desistir e voltei, em junho do ano passado, para novo mandato. É recente”, vinca Cristina, enfatizando a importância e influência do sexo feminino na vida do Alvorense.
“Houve sempre muitas mulheres em cargos dos órgãos sociais e chegou a existir uma equipa de raparigas no futebol. Tivemos um papel relevante e ativo e até lhe posso dizer que nos jogos era a voz das mulheres que mais se ouvia, puxando e incentivando os nossos jogadores”.
A família de Cristina está igualmente muito ligada ao clube e ao futebol: o marido representou o ‘antigo’ Alvorense e o filho jogou pela ACRA e pelo Alvorense. O futebol, de resto, é o coração da coletividade, apesar de os seniores terem estado parados durante alguns anos.
O regresso, aliás, verificou-se na temporada em curso. “Recomeçámos do zero a nível do escalão sénior, mas a formação nunca parou, ou não fosse o futebol o desporto base do clube”, garante a dirigente.
Os habitantes da freguesia gostam de uma ‘boa futebolada’ e sentiam essa lacuna. “Pediam-nos para haver uma equipa de seniores e não podíamos dizer que não nem adiar mais o assunto. Grande parte dos jogadores são de cá, de Alvor, e os sócios marcam presença em todos os jogos”, assegura Cristina, com os olhos postos no relvado onde, não tarda, a equipa sénior iniciará o seu treino.
Um apelo às “forças vivas”
Ainda a falar de futebol com a reportagem do Portimão Jornal, a presidente admite que o ideal seria haver “mais visibilidade, com a visita de pessoas de fora, que, por tabela, beneficiariam a hotelaria e a restauração, ou seja, também nos ajudariam”.
A esperança mantém-se, todavia, bem presente. “Não definimos objetivos concretos para a equipa sénior, nem tal podia ser. Estamos muito agradecidos aos técnicos, jogadores e restantes elementos, até porque já fizeram mais do que pensávamos. E aproveito para pedir mais apoios, porque seria fantástico que se falasse mais de outro clube do concelho, para além do Portimonense. Somos uma freguesia que não quer ser só falada a nível do turismo. Que as forças vivas se lembrem de nós”, exclama.
Por falar em apoios, Cristina Pestana sustenta que, caso o Alvorense tivesse uma situação financeira mais estável, “outras valências” podiam ser alvo de aposta futura. “Gostava de reativar o atletismo, que foi um desporto inicial do clube. É um dos nossos sonhos. Recordo-me que tínhamos bons atletas a nível da província. Mas há outras modalidades, como o futebol de praia, que podíamos dinamizar, ou não estivesse a praia aqui tão pertinho. E também a ginástica, que, em tempos, já tivemos uma classe. Mas como não temos um pavilhão fechado, reconheço que é complicado”, lamenta.
O Alvorense movimenta cerca de centena e meia de atletas, desde os mais pequenos aos seniores, distribuídos por seis equipas: petizes, benjamins, infantis, traquinas e juvenis, para além, claro, dos mais velhos, que disputam a II Divisão da Associação de Futebol do Algarve.
Projeto de reabilitação vai ter de esperar
O clube, refira-se, dispõe apenas do Campo do Restinga e do bar, que é contíguo ao relvado, instalações insuficientes para a Direção pensar, a curto prazo, em outras ‘aventuras’ e projetos.
“Chegámos a ter uma sede, no centro de Alvor, cedida pela Junta de Freguesia, mas agora é isto que está a ver”, refere Cristina, apontando para a realidade que a rodeia. “As dificuldades são enormes. Não conseguimos gerar receitas, o que é extensivo a outros clubes, e, só para fazer a manutenção do campo, como deve calcular… vamos adiando a situação. O relvado é natural, pelo que ainda mais precisa dessa manutenção, e necessitamos, igualmente, de renovar a instalação elétrica, inclusive porque não há luz suficiente para a realização de jogos à noite. Está tudo bastante degradado”.
Acresce que os pilares dos postes de iluminação são em betão, o que já não se usa, pelo que uma substituição, para metal, “torna tudo ainda mais caro”. A Câmara Municipal de Portimão dá algum apoio, através do contrato-programa, ajudando também em outras vertentes.
Mas os problemas não ficam por aqui: o campo do Alvorense está inserido no complexo desportivo, que, entretanto, foi construído na mesma zona, só que, “a nível de gestão territorial, o nosso relvado pertence agora, creio, à Docapesca, ou, pelo menos, está incluído nessa gestão”.
O assunto levanta dúvidas e é algo dúbio, como a presidente salienta, na medida “em que este espaço pertence a uma entidade e não houve ainda cedências”. Por outras palavras, “não conseguimos, por isso, avançar com um projeto de reabilitação, não temos legitimidade”, prossegue Cristina, aparentemente conformada com uma situação que, no entanto, não impede a regular prática do futebol. “O campo é nosso, mas não é… Era um terreno baldio, mas, quando saiu a legislação do ordenamento territorial, deixou de ser um espaço da autarquia”.
Miguel Ângelo vende peixe no Mercado e marca golos nos relvados
“Acredito que pode vir aí algo engraçado”
Miguel Ângelo vende peixe no Mercado e joga no Alvorense, duas atividades que se habituou a conjugar, muito embora, no futebol, venha de uma paragem de cerca de duas épocas. “Fui pai, lesionei-me com alguma gravidade e resolvi acabar com os treinos e os jogos”.
Na altura, quando equacionou pendurar as chuteiras, atuava no Esperança de Lagos, no Campeonato de Portugal, mas agora, quando surgiu este convite, quase nem pensou. “As pessoas do clube e o Sander (jogador e treinador adjunto de José Pedro Careca) convenceram-me. Sabendo das dificuldades que o Alvorense atravessa, resolvi voltar e dar uma ajuda, mais a mais sendo o emblema que é, que esteve tantos anos sem futebol a nível de seniores”, explica este filho da terra.
Miguel Ângelo faz 30 anos no próximo mês de fevereiro e reconhece que o “bichinho da bola” também contribuiu para o regresso. “É por gosto e por paixão”, vinca o agora médio ofensivo, autor de quatro golos da equipa nesta II Divisão da Associação de Futebol do Algarve. Na sua carreira, passou, entre outros, pelo ‘Armacenenses’, Portimonense e Odiáxere, para além do já citado Esperança de Lagos. “Sempre clubes perto do mar, não posso passar sem ele”, atira, com humor.
“As coisas estão a correr bem. É o primeiro ano para muitos, temos miúdos com 18 e 19 anos e acredito que pode vir aí algo engraçado. O objetivo é o de estabilizar e a próxima será certamente melhor”, releva, aludindo ao lugar a meio da tabela que o Alvorense ocupa no campeonato.
A banca de peixe que tem no Mercado de Portimão, ao lado da do pai e do tio, implica um despertar muito cedo, mas, em contrapartida, “às três da tarde estou despachado”. Depois, é tempo de estar com o filho, ir buscá-lo à escola, e, ao fim da tarde, o treino, que serve igualmente “para desanuviar a cabeça”.
À despedida, conta que muitas vezes saía do Mercado diretamente para o estádio, como sucedeu quando jogava em Lagos. “Chegava lá já durante a palestra do treinador, ainda com a roupa do peixe. Sabe o que é que me diziam os colegas, na brincadeira? ‘Sai daqui, olha o cheiro!’”.