Gil Eanes: “Vivemos o nosso melhor momento” 

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Mário Moreira


O Clube Desportivo da Escola Secundária Gil Eanes é um caso de sucesso no andebol português, no escalão feminino, com muitos pontos altos no seu historial, sobretudo o que foi vivido nas épocas de 2009/10 e 2010/11, quando a equipa sénior se sagrou bicampeã nacional. Agora, no presente, a saga continua, mercê dos três títulos nacionais (sub-17, sub-20 e II Divisão de seniores) conquistados na temporada passada, assinalando o regresso da turma principal à I Divisão, depois de um hiato prolongado – o clube de Lagos suspendeu a equipa sénior devido a dificuldades financeiras depois do já citado período de ouro. 

“Já passámos por momentos muito bons, eu próprio vivi grande parte deles por dentro, pois estou no clube desde 2002, mas arrisco-me a dizer que atualmente vivemos o nosso melhor momento, com maior pujança de todas as atletas e equipas e com uma massa adepta que é difícil igualar em Portugal”, afirma Mauro Santos, o presidente da coletividade, que na altura do bicampeonato era vice-presidente numa direção então presidida por Carlos Lucas. 

A reportagem da Algarve Vivo esteve à conversa com algumas das principais figuras do Gil Eanes, visitando uma história que ecoa a orgulho e satisfação. “Os títulos da I Divisão foram muito difíceis de conquistar, pois na altura havia uma hegemonia da equipa da Madeira SAD, mas os obtidos na época passada não foram mais fáceis, até porque as nossas atletas eram (e são) muito novas. Foram muitos sacrifícios, tanto delas como das suas famílias, a quem voltamos a agradecer”, vinca Mauro Santos, de 50 anos, oficial de justiça de profissão. 

Fazer a travessia do deserto, depois da suspensão da equipa sénior, foi um duro golpe, “mas sempre estivemos a trabalhar, com a maior seriedade possível, apontando para a formação das nossas jovens, que são a principal razão da existência do Gil Eanes”. De resto, garante o dirigente, o sonho de voltar à I Divisão nunca foi abandonado. “Se as dificuldades são imensas, as dificuldades para um clube algarvio tornam-se ainda maiores, porque a situação geográfica em nada nos favorece para ter uma equipa sénior competitiva, ano após ano. Felizmente, alcançámos esse objetivo, para felicidade de todos os lacobrigenses, algarvios e amantes do desporto. O Gil Eanes faz falta na I Divisão Nacional”. 

11 jogadoras nas seleções 
Mauro Santos apostou na treinadora Sofia Osório para relançar o escalão e os resultados estão à vista. “Já conhecíamos o trabalho da Sofia no seu anterior clube e pensámos ser a pessoa ideal para ajudar nos nossos objetivos. Foi uma escolha acertada”, regozija-se o presidente, prudente em relação ao decorrer desta época. “A principal meta é a manutenção na I Divisão, consolidando ao mesmo tempo o trabalho formativo das jovens atletas”. 

Num emblema dedicado à descoberta, formação e lançamento de mais talentos, o Gil Eanes bem pode orgulhar-se de ter um plantel constituído exclusivamente por atletas algarvias. E além disso, “todas passaram pelo nosso processo de formação, incluindo a mais velha, a Tânia Afonseca, que ingressou no clube, pela primeira vez, quando era ainda júnior”. 

Um dos sinais de maior vitalidade da coletividade de Lagos, que se dedica em exclusivo ao setor feminino, diz respeito ao número de jogadoras chamadas aos trabalhos das seleções nacionais, 11 neste momento, a saber: Matilde Rosa (Seleção A e sub-19), Carmen Figueiredo (Seleção A e sub-19), Maria Pico (sub-19), Matilde Correia (sub-19), Amanda Assunção (sub-19), Miriam Martins (sub-17), Joana Candeias (sub-17), Martina Marreiros (sub-17), Íris Rodrigues (sub-17) e Beatriz Silva (sub-17 de praia), todas por Portugal, e Tânia Afonseca, pela principal seleção de Cabo Verde.  

“O segredo? Muito trabalho, muita dedicação à modalidade, muito sacrifício. Também passa pela escolha de bons técnicos, que possam extrair o que há de melhor nas nossas atletas, que consideramos serem uns ‘diamantes’ que precisam de ser lapidados”. O Gil Eanes tem mais de 130 jogadoras inscritas, com a particularidade de apenas duas serem seniores! Ou seja, as restantes da equipa principal têm ainda idade de júnior. “Temos oito técnicos, alguns deles numa fase inicial, que apoiam os mais experientes para que possam, no futuro, vir a assumir a liderança de equipas”. 

Mauro Santos destaca a cooperação com a Câmara Municipal de Lagos, “o nosso maior apoio, ao qual se associaram algumas empresas, a quem muito agradecemos, como o Grupo Adega da Marina, ‘Imobarlavento’, ‘Barbolagos’, ‘Successexpert Lda’, ‘Boavista Golf & SPA – Bela Colina Village’ e Intermarché Lagos, estando abertos a realizar mais parcerias, pois todo o apoio é pouco para um clube com mais de 130 atletas e uma equipa na I Divisão Nacional”. 

O apoio dos adeptos lacobrigenses tem sido fantástico, garantindo quase sempre “pavilhão cheio” nos jogos em casa, quiçá um dos baluartes no futuro próximo do Gil Eanes. “Já fizemos quase tudo no Gil Eanes, mas o que vamos continuar a fazer é formar atletas e mulheres para a vida. Esse é o nosso maior objetivo e orgulho!”. 

Alcunha de lobas teve autoria de Donner 

As jogadoras seniores do Gil Eanes são também conhecidas por ‘lobas’, uma alcunha que data do tempo do saudoso Aleksander Donner, o treinador que conduziu ao primeiro título nacional (o outro foi ganho com João Florêncio ao leme). “Donner ensinou que para conseguirmos bons resultados desportivos tínhamos de ser uma ‘alcateia’. Fomos campeões, de facto, porque houve uma grande união e formámos uma verdadeira equipa, a tal ‘alcateia’. Este marco bastante importante para o clube, apesar de nunca ter sido esquecido, renasceu em 2017, quando a Vera Lopes regressou como coordenadora técnica, e, em conjunto com outra ex-atleta, agarrou na história das lobas para dar vida ao projeto da Escola de Formação. Nasceu assim, oficialmente, a Escola de Formação de Andebol Feminino Gil Eanes, onde a imagem é a loba e os princípios e valores são à imagem de uma alcateia”, conta Mauro Santos, recordando a jogadora e “eterna Nelma Fonseca”, cuja morte, em 2018, com cancro, “veio unir ainda mais a família Gil Eanes” e dar força ao grito ‘Somos Lobas’.  


Sofia Osório, a treinadora

“Conseguimos consolidar os pilares desportivos do clube”

Sofia Osório trocou o Clube de Andebol de Leça da Palmeira e o Norte do país pelo Gil Eanes, há cerca de três anos, naquilo que considera “um desafio ganho”. Para a treinadora, a última época foi de sonho. “Quando vim para Lagos tive de sair da minha zona de conforto, tanto a nível pessoal como profissional. No Gil Eanes a responsabilidade cresceu exponencialmente, levando a que, em termos profissionais, tenha crescido imenso e ganho experiência. Considero que hoje sou uma profissional mais consistente, experiente e madura”, diz a técnica e coordenadora, de 29 anos, natural de Lamego. 

“A última época desportiva foi, sem dúvida alguma, o melhor momento. Conseguimos consolidar os pilares desportivos do clube, e, como consequência, garantimos os três títulos a que nos propusemos”, prossegue Sofia Osório, vincando que durante este período tem alimentado “o constante desafio que coloco nas minhas atletas, estrutura do clube e escolas para que não se acomodem, visando a construção de uma carreira desportiva e académica de sucesso”.  

A treinadora e fisiologista da Federação ligada às seleções nacionais é uma pessoa decidida e pronta a testar a sua capacidade. “Nesta mudança nada me custou. Quando tinha 15 anos e fui para Leça da Palmeira, aí sim, foi difícil para mim, principalmente a nível pessoal, por estar longe da minha família, mas, como tinha o objetivo de ter uma carreira profissional no desporto, este passo que dei tão jovem permitiu-me agora ter muita segurança em todas as decisões”. 

Num breve olhar sobre o andebol no sul do país, Sofia considera que “há muitos talentos, muitas atletas em bruto, mas a grande dificuldade prende-se com o facto de existirem poucas equipas, por vezes muito distantes umas das outras, e, por isso, o nível de competitividade não é o ideal”. No caso particular do Gil Eanes, porém, o caminho está traçado.

“Os escalões de formação são o grande trunfo do clube, porque a formação é um dos pilares mais importantes da estrutura. Neste momento o nosso foco está em aumentar o número de atletas na formação e a sua qualidade, para, posteriormente, colhermos os frutos nos escalões de competição. Já temos uma base bastante alargada, mas ainda não nos sentimos confortáveis”. 

NOME, POSIÇÃO, IDADE
Matilde Rosa, Guarda-redes, 17
Joana Candeias, Guarda-redes, 16
Inês Rosa, Guarda-redes, 20
Laura Espada, Pivô,20
Matilde Correia, Pivô, 17
Tânia Afonseca, Pivô, 33
Miriam Martins, Central, 16
Cristina Hribor, Central, 16
Martina Marreiros, Lateral direita, 16
Amanda Assunção, Lateral direita, 17
Beatriz Chito, Lateral esquerda, 17
Carmen Figueiredo, Lateral esquerda, 17
Bianca Almeida, Ponta direita, 18
Bruna Almeida, Ponta direita, 18
Joana Maurício, Ponta direita, 16
Maria Pico, Ponta esquerda, 18
Ana Luz, Ponta esquerda, 21
Treinadora: Sofia Osório
Treinador adjunto: Pedro Silva


ENTREVISTA: TÂNIA AFONSECA FESTEJOU TERCEIRO TÍTULO NACIONAL 

“Chorei de emoção e o meu filho estava na bancada” 

Tânia Afonseca é a única ‘sobrevivente’ do plantel que conquistou os títulos nacionais em 2010 e 2011. Deixou o Gil Eanes, depois o andebol, entretanto foi mãe e regressou na época passada, reacendendo uma chama que, dita a verdade, nunca se apagou. Aos 33 anos, é a referência de um grupo bastante jovem e participou agora na CAN ao serviço da seleção de Cabo Verde. Trabalha na restauração e dá-se a conhecer neste ‘jogo’ de perguntas e respostas.   

Porque é que voltou ao Gil Eanes, dez anos depois? 
Para ser o mais verdadeira possível, a vontade de voltar ao Gil Eanes estava guardada no meu ‘cofre’. Na época passada recomecei a jogar, no Lagoa Académico Clube, que é igualmente muito especial para mim, porque foi lá que dei os primeiros passos no andebol, com 11 anos. O meu filho, que felizmente também joga, insistiu imenso para o meu regresso. No decorrer da época o Gil Eanes entrou em contato comigo, para perceber se estaria disposta a voltar a uma casa onde só tenho boas recordações e sem dúvida onde mais me senti realizada. A decisão foi bem ponderada, pelos mais variados motivos, pessoais, familiares e profissionais, mas, perante uma situação de resultados menos favoráveis do clube que representava, e porque naquele momento me sentia cada vez mais preparada, quer a nível físico quer a nível psicológico, rumei ao Gil Eanes, que mostrou interesse em que eu pudesse ser uma mais-valia para a equipa sénior que estava a ser bem preparada para conquistar o campeonato. 

Acreditava poder voltar a jogar na I Divisão pelo clube? 
A partir do momento em que falaram comigo sobre as intenções e o trabalho já desenvolvido, percebi que estavam a ser sérios. O Gil queria mesmo entrar na luta pelo título e consequente subida à primeira divisão. Quando, finalmente, iniciei os trabalhos com a equipa, ao ver a vontade, a dedicação e empenho de toda a gente, desde atletas, treinadora, dirigentes… entendi que o sonho da subida iria chegar e não tardava nada… 

O que sentiu quando subiram? 
Foi simplesmente inexplicável, um misto de emoções, chorava de emoção ao olhar para a bancada e lá estava o meu filho feliz da vida ao ver a mãe conquistar um título tão importante para o clube, mas também para mim, a nível individual. Foi como uma assinatura por baixo de um contrato que diz que eu consigo mais, que isto é só o começo. 

Que memórias guarda da conquista do bicampeonato? 
O bicampeonato foi muito bem ganho e super merecido, na sequência de uma época em que continuámos a trabalhar bem, muito sérias e focadas no objetivo. Mostrámos a muita gente que tínhamos ganho o campeonato anterior apenas e só por mérito próprio. 

Tinha 20 ou 21 anos, agora tem 33, o que mudou na Tânia jogadora e até na Tânia mulher?
Mudou muita coisa e quase tudo para melhor, a única coisa que não foi para melhor foi mesmo a idade. A Tânia com 20 anos era uma atleta preguiçosa no que toca a esforço complementar ao treino (ginásio, observação de jogos, etc.), e, embora com alguns bons resultados, achava que não era preciso esforçar mais, que o treino complementar era apenas mais uma ‘modinha’, que o que já fazia era o suficiente para mim a nível individual. Isso, com toda a certeza, foi o que mais mudou para melhor na Tânia de hoje em dia: sou muito ambiciosa, procuro muitas vezes o meu limite, sempre que posso faço caminhadas, ando de bicicleta e corro, algo que há dez anos era impensável. Infelizmente, o tempo disponível para me poder dedicar mais ao andebol é bastante reduzido. Tenho de saber conciliar a parte familiar com a profissional e ainda mais a desportiva. Isto sem comprometer nenhuma delas. Tem sido uma ‘ginástica’, mas nada que me faça desistir, aliás, eu só quero mais, só quero jogar. Considero-me uma pessoa responsável e bastante batalhadora. Sinto que ainda tenho força para mais um bocadinho. Também acredito que se há dez anos o meu nível psicológico fosse igual ao de hoje, teria aproveitado melhor e, possivelmente, subido mais na carreira.
 
No atual plantel acha que é vista como uma referência? 
Este plantel, apesar de bastante jovem, já mostra muita maturidade. Estas mulheres (muitas delas com metade da minha idade) são uma verdadeira inspiração para mim. São muito dedicadas, fazem treinos bidiários e ainda competem em escalões diferentes. Agora estou numa posição completamente diferente, pois, quando cá cheguei, salvo erro em 2006, era a atleta mais nova do plantel e agora é exatamente o inverso. Confesso que vim um pouco reticente em relação à diferença de idades, e se isso iria ter uma influência menos boa, mas, por incrível que pareça, correu tudo muito bem e hoje somos uma equipa coesa e com uma ligação afetiva enorme. Tal é essa ligação que sou apelidada de ‘mãe’ por elas todas de uma forma carinhosa, que adoro. 

O que pensa da equipa e o que pode ser feito esta época? 
A realidade é que somos das equipas mais jovens da primeira divisão (sou só eu a ‘estragar’ a média de idades do plantel) e chegámos até aqui com o grande trabalho de toda a direção, a vontade e dedicação das atletas e a grande liderança da nossa treinadora, porque a nível de experiência/vivência sou a única que já esteve numa primeira divisão. É nesse aspeto que talvez elas se ‘apoiem’ mais em mim. O trabalho está a ser feito de forma séria e exigente para que possamos ficar o melhor classificadas possível. Temos ambição e surpresas podem acontecer a nosso favor. Estou confiante que vamos fazer um bom campeonato. 

Esteve na CAN, com a seleção de Cabo Verde, que sentimentos? Era um objetivo de carreira? 
Darem-me a chance de representar Cabo Verde e ainda mais nesta competição é simplesmente um sonho. O que eu posso dizer é que nunca me tinha ocorrido tal coisa… nem perto disso. É incrível, sinto-me feliz e é um orgulho imenso. Ao mesmo tempo, trouxe muitas responsabilidades para mim enquanto jogadora e principalmente enquanto mãe. Porque ser mãe, é e sempre vai ser o meu primeiro ‘campeonato’. Daí, volto a referir que se a nível psicológico não estivesse bem, não poderia estar presente na maior competição africana. 

Por falar em carreira: quantos mais anos pensa jogar? E admite, depois, continuar ligada ao andebol? 
Não sei mesmo quantos mais anos mais continuarei a jogar. É algo que penso frequentemente e que influencia, também, a minha maneira mais ‘cautelosa’ de treinar/jogar. Após uma paragem tão longa e a falta de exercício/competição a que estive sujeita, tenho receio de me lesionar. Estamos a falar de desporto de alta competição. O meu desejo é jogar até que me sinta capaz de ajudar. E continuar ligada ao andebol, principalmente à formação, é, de facto, um dos meus maiores desejos. 

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