Gilberto Duarte: Para o andebol evoluir no Algarve é preciso mudar as mentalidades”
Texto: Hélio Nascimento
Gilberto Duarte é um dos ‘nomes grandes’ do andebol português e um dos responsáveis pelo período de ouro que a modalidade atravessa, traduzido pelos excelentes resultados da Seleção e dos nossos principais clubes. Iniciou-se no Lagoa Académico Clube, onde permaneceu durante nove anos, rumando depois ao FC Porto para confirmar todos os atributos evidenciados no emblema da sua cidade. Seguiu-se a aventura no estrangeiro, com passagens pela Polónia, Espanha e França, onde agora se encontra.
Ainda se lembra dos primeiros passos no Lagoa Académico Clube?
Claro que sim. Tinha 9 ou 10 anos, vivia em Lagoa e comecei a praticar andebol no clube, que era o único que tinha a modalidade. Foi numa fase em que andava a experimentar outros desportos, caso do karaté, mas tinha um irmão que também jogava andebol e foi essa a minha escolha. Até hoje! Foi uma grande e acertada decisão!
Mantém ligação com o clube?
Mantenho uma boa ligação, até porque não fazia sentido cortar relações ou esquecer a coletividade que me proporcionou toda esta aventura. Os meus pais deixaram, eu gostei, mas há também, e sempre, o papel que o clube teve na minha carreira. Agora até vou fazer um vídeo, com palavras de motivação, atendendo ao momento que vivemos, incentivando também os miúdos à prática do andebol.
E faz algumas visitas, quando vem ao Algarve e a casa…
É uma paragem obrigatória. Sou padrinho de um torneio que o LAC leva a efeito todos os anos e estou a pensar, muito a sério, em organizar um Campo de Férias para ajudar o clube e a cidade e divulgar o andebol. Não é para já, mas está nos meus planos.
Sabe que continua a ser a maior referência para os jovens praticantes?
Tenho consciência disso e fico agradecido. Aliás, sei que sou também uma referência a nível nacional. Talvez seja uma pressão, mas é, seguramente, uma motivação para continuar ao mais alto nível. Esta época não correu lá muito de feição, mas não é isso que altera tudo o que está para trás, até porque desejo continuar a crescer e a lutar por esse estatuto e pela minha carreira.
Tem objetivos para levar isso avante?
Quero passar toda a minha experiência no andebol. O Algarve precisa de mudar mentalidades, de apostar mais e em força. Se puder ajudar toda a região ficaria bastante feliz. Sou algarvio e reconheço que a província fica numa zona mais isolada, mas o desejo de tornar o andebol mais forte não pode morrer e é indispensável, neste sentido, que os clubes remem todos para o mesmo lado e que a Associação de Andebol do Algarve ajude. Aliás, a Associação tem, igualmente, um papel importante a desempenhar.
Em que sentido?
Vou dar um exemplo: a Associação devia aproveitar os recursos que o Algarve tem para apostar no andebol de praia, uma vertente que está em franco desenvolvimento em todo o mundo. O Algarve tem umas condições incríveis para fazer esta aposta, quer pelas praias quer pelo clima. Percebo que nos meses de verão os jovens vão muitas das vezes fazer alguns part-times, mas se trabalharmos em conjunto é possível adaptar a realidade ao projeto. Temos de dar este passo em frente e de criar oportunidades. Mesmo reconhecendo as dificuldades, acho que é possível encontrar um ponto de equilíbrio.
SOZINHO EM MONTPELLIER
Mudando de assunto: como tem vivido estes dias de pandemia, sabendo que continua por Montpellier?
Só saio para ir compras. E pouquíssimas vezes. Treino, fazendo exercícios físicos, e depois jogo playstation, falo muitas vezes pelas redes sociais e vejo séries. Em relação ao treino, é o possível para um atleta de alta competição, mas não tem a carga nem a intensidade que são indispensáveis. Ou tens um ginásio em casa ou então limitas-te a diminuir o prejuízo. É difícil manter algum ritmo, é deveras complicado, mas, pelo menos, consegui não aumentar de peso.
A competição está totalmente parada…
Sim, está, e há duas semanas, na sequência das informações dadas pelo presidente francês, que prolongou o estado de emergência até 11 de maio, proibindo festivais e todos os eventos, incluindo os desportivos, a Liga Profissional de Andebol de França deu o campeonato por terminado e todas as provas sob a sua égide. A Liga dos Campeões, entretanto, foi adiada para dezembro.
Houve atribuição do título francês?
A Liga ordenou que a classificação ficasse como estava à 18.ª jornada. O PSG foi campeão, seguido pelo Nantes, Nimes e pelo Montpellier.
E como é viver sozinho numa cidade francesa durante um período tão atípico e preocupante?
Estou habituado a viver sozinho, e hoje, com todas as tecnologias que temos ao dispor, dá para gerir o tempo. Os contactos são permanentes, faço jogos online, falo com amigos e com a família por videochamadas e tem sido assim. Não é a mesma coisa, mas alivia. E o clube também está sempre em contacto, enviando constantemente mensagens a perguntar se está tudo bem ou se preciso de alguma coisa.
A família continua no Algarve?
Os meus pais vivem em Porches, a minha irmã no Parchal e falo sempre com eles. Até com o meu afilhado e sobrinho! E tenho outros irmãos, no Barreiro, em Lisboa, na Suíça, ligamos uns aos outros e vamos conversando e sabendo como estão todos. Às vezes juntamo-nos em videochamadas e as crianças também aparecem. Estão todos bem, felizmente. Aliás, dentro de dias espero estar aí ao pé deles.
Acha que conseguimos antecipar as marcas que o coronavírus vai deixar no desporto?
Vai deixar marcas em tudo e em áreas mais importantes do que o desporto. Para minimizar os danos, torna-se necessário que todas as pessoas e entidades se unam à volta do mesmo propósito. Depois, como já disse, há coisas mais importantes do que o desporto. Oxalá as pessoas tenham essa noção. A preocupação é global. E só quando o vírus estiver minimamente controlado é que se pode ter alguma ideia de como sairemos desta crise.
Continuar ligado ao andebol é objetivo para levar a peito
Uma curta viagem pela carreira de Gilberto Duarte leva-nos a emblemas de topo no panorama europeu, onde o andebol é rei. Em jeito de confissão, o algarvio garante que está pronto a jogar mais anos a alto nível. Depois, gostava de continuar ligado à modalidade.
Vamos agora falar um pouco da sua carreira. Saiu do Lagoa Académico Clube para o FC Porto, onde ganhou tudo…
Não ganhei tudo. Nesse aspeto, a Soraia Lopes [outra enorme referência do LAC] está em vantagem. Ela é que ganhou tudo, eu foi quase tudo, faltou uma Taça de Portugal. Venci campeonatos, Supertaça e Taça da Liga, mas a de Portugal não. Foram anos de sonho. Uma vida nova, tudo correu bem, foi muito bom. Foi top mesmo!
A Polónia foi a sua primeira experiência no estrangeiro. Gostou de jogar no Wisla Plock?
Foi importante, sobretudo por ser a primeira experiência fora de Portugal. Tive de me adaptar a uma nova realidade e a tudo o mais. Não deu para ser campeão, mas alcancei outros objetivos e deu para crescer.
Tanto deu para crescer que se seguiu o colosso Barcelona!
Foi um sonho realizado. Qualquer jogador terá certamente esse sonho de jogar no Barcelona e eu consegui concretizá-lo. Aquilo é outro nível, é um outro mundo e somei muitas e importantes conquistas.
Qual a razão de ter rumado depois para o Montpellier?
Quando saí da Polónia ficou logo tudo acordado: estaria um ano no Barcelona e assinei por três anos com o Montpellier. É igualmente um emblema de topo no andebol. Trata-se de uma nova experiência, mas eu, confesso, não gosto de pensar muito nas decisões que tomo.
Está satisfeito em França?
Com a época, claro que não estou. Já tive tempo mais do que suficiente para refletir e fazer contas. Com duas lesões aborrecidas pelo meio e agora o coronavírus…não estou contente com a parte desportiva. E até falhei o Europeu.
“JÁ HAVIA QUALIDADE “
Não representar Portugal na fase final do Europeu, no início deste ano, foi uma enorme mágoa…
Fui dos que mais lutei por isso e a ferida vai durar a sarar. Custou muito, não vale a pena, sequer, tentar dizer o contrário. Dei apoio fora do campo, mas foi bastante complicado. Durante anos e anos esforcei-me por esse objetivo e depois sofri aquela lesão [no ligamento lateral interno do joelho esquerdo] que deitou tudo por terra.
Ficou, certamente, a satisfação plena de que Portugal joga de igual para igual com os melhores do mundo.
A confirmação plena. Mas agora faço eu uma pergunta: e antes do Europeu, não podia jogar de igual para igual? O grupo de jogadores até era o mesmo. Não foi mais cedo porque faltou um bocadinho de sorte em certos jogos e faltou a concentração em alguns momentos. Agora, provámos qualidade, mas já tínhamos essa qualidade. É verdade que os treinadores chegaram e também contribuíram, mas não foi só num ano que se deu tamanha evolução. Já havia enorme qualidade.
Os clubes também têm contribuído para esta tal qualidade do nosso andebol?
Têm um papel muito importante, até porque, na Seleção, o tempo não dá para grandes evoluções a esse nível. Na Seleção criam-se mecanismos, apura-se o entrosamento e depois é aproveitar a capacidade dos jogadores e extrair o melhor de cada um.
O Gilberto continua com objetivos?
Quero continuar ao mais alto nível o maior tempo possível. Depois, logo se vê como faço a transição, mas não faço grandes planos. Estou bem, quero prosseguir a jogar andebol e é o que vou fazer.
Já pensou no que vai fazer quando terminar a carreira de jogador?
Gostava de ficar ligado ao andebol. Treinador? Não, quanto muito como adjunto, fazendo uma dupla. Mas quero passar a experiência, e, se puder ser no Algarve, melhor ainda.