Há 33 anos a segurar a fanfarra dos Bombeiros de Portimão
Texto e foto: José Garrancho
O chefe Nuno Silva reformou-se em 2023, ao fim de 49 anos nos Bombeiros Voluntários de Portimão. O facto de ter morado junto ao quartel, no início da sua vida, foi decisivo para a sua adesão, aos 15 anos, numa época de voluntariado puro, escasso na atualidade.
“O meu irmão mais velho já era bombeiro. E não havia outro local na zona com televisão, onde pudéssemos ver os filmes, futebol e tudo o mais. E adorávamos ver sair os carros. Era o que havia, naquele tempo. Grande parte dos jovens daquele quarteirão foi para os bombeiros. Muitos ficaram e outros desistiram”.
Ser bombeiro, no passado e no presente
Quando ‘tocava a fogo’, os patrões autorizavam que abandonassem o trabalho para o irem combater e os bombeiros, todos voluntários, deslocavam-se o mais rapidamente possível para o quartel. Havia os que trabalhavam nas fábricas de conserva e que também vinham.
“Aliás, o comandante Pacheco era empregado do Fialho e o chefe Martins trabalhava na fundição da Feu Hermanos”, diz.
À noite, o quartel também era o local de lazer para muitos. “Mas o comandante Pacheco não gostava de malandros e estava sempre a dizer-nos que tínhamos de trabalhar”, prossegue.
O chefe Nuno Silva laborou uns anos na construção civil, na sua juventude, para um patrão que tinha sido bombeiro. E o encarregado também era operacional. Quando a sirene tocava e eles não ouviam, era o patrão quem lhes vinha dizer para irem combater o incêndio.
“Mais tarde, os patrões começaram a mudar de atitude e a Associação teve de aumentar os efetivos, para poderem acorrer, numa primeira fase. Entretanto, apareceu o 115, que obrigava a ter dois elementos efetivos, todos os dias. Quando mudámos para o quartel novo, já havia seis ou sete efetivos”.
Os bombeiros voluntários faziam turnos, diurnos ou noturnos, nas horas livres das suas obrigações profissionais, sem qualquer remuneração. Aliás, durante muitos anos, quem mais voluntariado fazia eram os bombeiros efetivos, nas suas horas de descanso.
Nos dias que correm, os voluntários são pagos pelos serviços que prestam, recebendo o mesmo valor que os efetivos que trabalhem no dia de folga.
Como surge a fanfarra?
“Foi um sonho que começou no quartel antigo. Tínhamos três clarins e uma requinta, que já vinham do passado, e nós brincávamos com aquilo. Havia alguns com conhecimentos rudimentares, que tinham adquirido na tropa. Começámos a soprar e a retirar sons dos instrumentos”, recorda.
Fizeram vários pedidos ao exército e a outras entidades, mas sem resultado. Em 1990, formaram uma Comissão de Bombeiros e realizaram 14 bailes, a fim de conseguir dinheiro para os instrumentos.
“Houve grande afluência de pessoas, o que permitiu obter o equipamento a pronto pagamento, sobrando dinheiro para mobilar o gabinete do comandante e a sala da fanfarra. Mas começámos com instrumentos que nos foram emprestados pelos Bombeiros de Monchique, onde houvera uma fanfarra, que estava desativada”, afirma o chefe Nuno Silva.
Souberam que o guitarrista Victor do Carmo já tinha formado uma fanfarra, em Lagos, e o comandante Vilarim Reis, que apoiou a ideia desde o início, contactou-o. Prestou-se a dar o seu contributo, mas alertou para o facto de não ter muito tempo disponível e de que iria necessitar de alguém para o substituir, quando não pudesse comparecer. O chefe Nuno Silva, o grande impulsionador do projeto, foi o escolhido.
“Só tenho a agradecer, pois deu-me umas dicas muito boas de como aquilo funcionava e, pouco a pouco, fui assumindo integralmente a chefia. A fanfarra teve a sua primeira saída em 1992, no dia do aniversário do comandante Vilarim Reis. Foi o nosso agradecimento pelo seu apoio. Mas já tinha cerca de um ano de ensaios”, refere. Logo, a fanfarra tem 32 anos de existência, mais um ano de gestação.
Dá trabalho e exige sacrifícios
O chefe Nuno Silva foi, durante muitos anos, o coordenador de serviços da corporação e, durante cinco anos, adjunto de comando. Elaborava as escalas de serviço, assegurava o bom funcionamento da central telefónica, coordenava as comunicações durante os incêndios e, sempre que possível, juntava-se aos operacionais no terreno. Era trabalhoso e requeria muito tempo, mas conseguiu sempre conjugar o trabalho de bombeiro com a chefia da fanfarra, onde ainda há meia dúzia dos membros que a iniciaram.
Contudo, já não existe a adesão que houve no passado. Ainda têm cerca de quarenta inscritos, saindo habitualmente com vinte e poucos. E há eventos que necessitam de menos, somente clarins ou percussão.
Em 2023, houve 28 saídas, “o que foi muito bom. Não há muitas fanfarras a atingir esse número, a nível nacional. Mas já houve anos com 40 saídas. Temos ido a encontros de fanfarras em todo o país”.
Substituto, precisa-se
Nuno Silva anda a trabalhar, há anos, para arranjar um substituto e poder descansar, mas não é fácil. E diz que, mesmo depois de passar a pasta, ainda vai continuar a colaborar, se puder.
“Já tive algumas pessoas na forja, mas, infelizmente, desanimaram. Alguns tinham qualidade, mas faltou-lhes a paixão necessária para assumir a posição. Não me importo que seja homem ou mulher e até tenho aqui algumas raparigas que tocam bem e a quem estou a dar incentivo. Mas quero alguém à minha imagem, no gostar e na dedicação. Se quem estiver à frente não tiver gosto, não consegue motivar os outros”.
Abertas inscrições para a fanfarra
Qualquer pessoa, entre os 11 e os 45 anos, pode inscrever-se. E se for mais velho, mas já tiver feito parte de uma fanfarra, também é aceite.
Além dos instrumentos de sopro e de percussão, também há vagas para majoretes, ideal para a iniciação de raparigas mais novas. E algumas já passaram para o instrumental.
Quem o desejar, pode frequentar a Escola de Bombeiros e pertencer a este grupo musical ao mesmo tempo. Aliás, há vários elementos que se iniciaram na fanfarra e, depois, se tornaram bombeiros.
Chamadas para eventos
A fanfarra participa em eventos locais, como procissões, inaugurações, aniversários, Dia da Cidade, 25 de Abril e até a chegada do Pai Natal. Estiveram com a Comissão dos Descobrimentos nas comemorações da Descoberta do Brasil, no aniversário de Pedro Álvares Cabral e nas entradas régias em Portimão, Évora e Belmonte.
“Em eventos particulares, solicitados por empresas, pedimos sempre algo em troca, para renovação do equipamento. Colaboramos muito com o Boa Esperança e com Carlos Pacheco Produções, que nos dá grande apoio monetário”, garante. A próxima saída será na Sexta-Feira Santa, dia 29 de março, para a Procissão do Enterro do Senhor, em Alvor.