Há canários para todos os gostos nas gaiolas do ‘mestre’ Henrique
Texto: Hélio Nascimento, in Portimão Jornal nº 27
No alegre reino da passarada, os canários são quem mais ordena. É assim, pelo menos, em casa de Henrique, o nosso anfitrião, um apaixonado pela ornitologia, que começou pelos pombos e há mais de vinte anos se dedica à criação dos pequenos pássaros, conhecidos pelo seu canto e pelas cores que deliciam quem os vê e aprecia.
A visita do Portimão Jornal, aliás, começa logo com o Xico a dar as boas vindas. O Xico? Sim, um belo exemplar, de cor amarela, o único que tem direito a um lugar diferenciado dos restantes ‘primos’ e ‘irmãos’.
No último piso da residência, localizada mesmo em frente à Quinta Pedagógica, a vista é muito mais abrangente. São dezenas e dezenas de gaiolas, que albergam cerca de 120 canários, um número que, todavia, está longe de ser o recorde de Henrique, que já se ocupou do dobro.
Para início de conversa, o criador retira dois pequenos exemplares de uma gaiola e passa a alimentá-los. Nasceram há quatro dias e recebem por isso um cuidado especial, “com uma papa especial de tratamento de bico”. Henrique, com um pequeno instrumento, leva essa papa à boca dos recém-nascidos, que não se fazem rogados e parecem deliciar-se com a iguaria. Por cima de um volume, um ovo artificial “para os verdadeiros ovos não serem amachucados”, as crias dão ideia de que não tardarão a ser ‘independentes’.
Mais à frente, outros rebentos. “Estes nasceram hoje e são topázio vermelho. Tenho de proceder assim, ajudando-os a abrir a boca, pois são demasiado pequenos”, explica Henrique, dando então conta da infindável série de categorias de canários, cujos nomes, algo invulgares para quem é leigo no assunto, podem ser mosaicos, satiné, timbrado, onduloso, de crista, e tantos outros.
Atualmente, são conhecidos mais de 30 tipos de canários, sendo esta a espécie de ave doméstica mais abundante em todo o mundo, juntamente com os periquitos. Embora existam muitas classificações possíveis, as raças de canários costumam ser divididas em três grandes grupos: de canto, de cor e de porte.
Brincadeira virou paixão
José Henrique tem 64 anos, é natural de Lagoa, viveu uns anos em Faro e está há mais de 30 em Portimão. Começou por se dedicar aos pombos, quando residia em Faro, e, em 1999, ficou apaixonado pelos canários, recordando o início da aventura.
“Foi um compadre que me deu um canário vermelho… dias depois fui a Silves, com o meu filho Ricardo, ele tinha aí uns dez anos e a mãe ofereceu-lhe um pássaro. Depois veio mais um, mais um outro, até que me filiei no clube de Silves, tal como ele. Um fazia criação de canários amarelos, outro de vermelhos. Isto já há mais de 20 anos. Foi dessa brincadeira que nasceu esta paixão”, sublinha.
Hoje, para além da criação, Henrique participa em exposições, concursos e campeonatos internacionais e nacionais, sendo que no Algarve os principais polos situam-se em Silves e Olhão.
“Ganhei dois anos consecutivos, com um satiné, já fui a Mundiais, em Portugal e em Espanha, tendo obtido um 2º lugar em Almeria. O ano passado não houve certame e este ano não se sabe ainda”, face aos problemas derivados da pandemia.
O clube que Henrique representa é o Clube Ornitológico de Silves. Já agora, ornitologia é o ramo da zoologia que se dedica ao estudo das aves a partir da sua distribuição na superfície do globo, das condições e peculiaridades de seu meio, costumes e modo de vida, de sua organização e dos caracteres que as distinguem umas das outras, para classificá-las em espécies, géneros e famílias.
A ornitologia é uma das poucas ciências beneficiadas por importantes contribuições de amadores, como é o caso do protagonista desta história. E de muitos outros, obviamente. Embora muitas informações provenham de observação direta, algumas áreas da ornitologia tiram proveito de técnicas e instrumentos modernos.
Combinações e cruzamento de cores
O canário é um pássaro com um comprimento total de 12,5 centímetros e com um comprimento de asa de 71 milímetros. A sua plumagem é geralmente amarelada, com a parte inferior do ventre de cor clara. As fêmeas têm uma coloração semelhante, mas mais acinzentada e menos brilhante. A postura é de quatro a cinco ovos, que têm um período de incubação de 15 dias.
Se o canário é amarelo, perguntará o leitor, como surgem os vermelhos, os laranjas e os de outras cores? “São mutações, combinações e cruzamento de cores”, explica Henrique, qual ‘mestre’ no ramo da ornitologia.
A cor dos canários define-se pela espécie, através de dois pigmentos, o lipocromo e a melanina. O lipocromo é um pigmento presente na alimentação destes pássaros e existe em dois tipos, resultando na cor amarela ou vermelha; a melanina é um pigmento que o próprio organismo desta ave produz, que escurece o tom do pássaro. Para aumentar a intensidade da cor dos canários, existem suplementos alimentares que lhes podem ser dados na altura da muda.
Henrique troca canários, compra e também oferece. O preço usual pode variar entre os 50 e os 75 euros, mas estas pequenas aves chegam a custar para cima de 100 euros, sobretudo se “o seu criador for famoso e já tenha ganho prémios, o que torna o pássaro mais caro”.
Num concurso, prossegue Henrique, “a classificação é ditada pela plumagem, raça, cor, o tamanho, o porte, ou seja, tudo é avaliado”, existindo categorias várias, formando-se equipas ou concorrendo individualmente, quer machos quer fêmeas.
“Aqui no concelho há muitos criadores, que concorrem aos campeonatos. Temos por exemplo o Brito, na Pedra Mourinha, que chega a tirar 300… ou mesmo 500 novos canários. Com os outros que já tem, é capaz de juntar 700 e tal”, assegura, ciente de que são números para causar o espanto geral.
Uma hora diária a tratar das gaiolas
De novidade em novidade, aparecem as caturras! “São do meu filho”, atira logo Henrique. São pássaros mansos “e criados à mão pelo Ricardo”, o filho que também é amante da ornitologia, embora seja o pai, de momento, a tratar de toda a passarada.
“Ele é que gosta, e muito, já o Hugo, o outro meu filho, não liga ao assunto”. E a esposa? O nosso homem dá uma valente gargalhada e confessa que “a Mena queria fazer uma cozinha deste espaço, mas depois rendeu-se às evidências”.
No clube de Silves, todos os sócios têm um número, que corresponde “às anilhas que colocamos nos pássaros em todas as exposições”, o que funciona como identificação da ave e também do seu dono.
Henrique dedica uma hora de todas as suas manhãs para tratar dos canários “e só depois é que vou tomar o pequeno almoço”, mas, aos sábados, ‘perde’ meio dia com uma limpeza profunda e cuidada, para além, claro, da alimentação, gastando uma média de 50 euros mensais na compra do indispensável para que os seus canários apresentem um porte de fazer inveja.
“Há alguns que morrem, naturalmente, inclusive por síncopes”, acrescenta Henrique, que, por norma, aumenta a sua coleção com as compras nas exposições, quase sempre aos criadores mais conhecidos no meio. “Também já fui a Sevilha para comprar. E já dei 120 euros por um macho mosaico amarelo e uma fêmea satiné”.
As prateleiras circundantes do espaço mostram medalhas, taças e troféus vários, e, à medida que nos relata onde e como ganhou as distinções, Henrique continua atento às gaiolas e vai mexendo aqui e ali. “Todos os dias se rodam os ovos, e vamos, igualmente, colocando os de plástico, para as crias não estranharem”, diz, exemplificando como se faz.
Só por gosto e carolice
Os canários podem durar cerca de dez anos, dependendo bastante do modo como são tratados. Daí que a temperatura da sala seja minuciosamente verificada, com um relógio onde se marca o amanhecer e o anoitecer.
“Na época de criação acende toda a noite, para que a fêmea tenha sempre luz. Se, porventura, se apagar de repente, pode deixar os ovos”, argumenta Henrique, a propósito de todos os cuidados inerentes ao bem-estar e à ‘habitação’ dos canários.
“Já vendi canários por 40 ou 50 euros, o máximo. E também muitos por dez ou 15 euros. Não tenho isto para fazer negócio, é mesmo e só por gosto e carolice, não pretendo ganhar dinheiro”, assevera o criador, que é empresário em nome individual.
Já na parte final da reportagem, e ao mesmo tempo que mais pormenores sobre as bonitas aves continuam a ser revelados, ou não fosse este mundo um manancial de ‘novidades’, Henrique fala da mudança da pena e da “alimentação com vitaminas, para os canários não irem abaixo”. Por outras palavras, “é preciso um trabalho aturado para participar nas exposição e concursos e dar boa imagem”.
Nesta circunstância, “os que vimos mais apropriados e melhores passam para as gaiolas”, por certo ‘douradas’, tal o enlevo posto nos atos e nas palavras.