Hélder Nunes: “Acredito que os jornais em papel têm sempre futuro”

TEXTO: VERA MATIAS

Fundador e diretor da rádio e do jornal Barlavento retirou-se do jornalismo há três anos, depois de mais de quatro décadas de profissão. Conseguiu marcar a região com a secção ‘gramofone’, ainda hoje recordada e afamada. Sentado na cadeira de espetador admite que os novos tempos colocam outros desafios ao jornalismo. Sente-se orgulhoso pelo respeito conquistado ao longo dos anos.

Esteve 40 anos no jornalismo. Como vê a área hoje?

Acho que os jornais terão de se adaptar. O jornalismo de futuro será feito na base de notícias que não são dadas por outros órgãos de informação. Isto é, o jornal tem de se ocupar de informação que a rádio e a televisão não dão por serem mais imediatas e terem poucos segundos disponíveis. A imprensa terá de ir na frente da informação, até porque não há ninguém que não goste de saber o futuro. Essa será uma linha de jornalismo. A outra é que terá de ser muito mais trabalhado. Isto não se reflete ainda muito a nível local, porque as notícias de proximidade não têm projeção para serem feitas noutros órgãos. Só o jornal local ou regional é que dará esse tipo de notícias.

Na atualidade, para os jornalistas, muitas vezes o que importa é o imediatismo. Pode retirar a credibilidade à profissão?

Exatamente. O jornalismo é uma profissão e, como tal, não há ninguém que substitua os jornalistas. Aquilo que se ouve muito hoje são as ‘fake news’, o facebook, as redes sociais, mas, muitas vezes, o que vai sendo noticiado nestas redes é feito por gente anónima. A pessoa escreve como quer e lhe apetece. É a visão de um. Os leitores não podem acreditar naquilo e a credibilidade ali é muito difícil de se avaliar.

A profissão evoluiu. Houve uma melhoria?

Acho que não. Antes, a pessoa quando se formava ou aparecia numa redação de um jornal, ficava normalmente a ser orientado por um jornalista mais velho e, portanto, fazia todo um ciclo a que nós chamávamos ganhar tarimba. Hoje, aquilo a que assistimos é que o jornalista segue a profissão e é apenas ‘pé de microfone’, porque não fará perguntas, apenas agarrará no microfone. Penso que o jornalismo hoje não tem nada que ver com antigamente.

Por outro lado, há demasiada informação e desinformação?

Muita informação e informação que, às vezes, não é verdadeira. E depois temos dúvidas. A verdade é que o leitor, no digital, procura uma notícia, deixa-a a meio e quando volta atrás, já não está lá ou já está ultrapassada por outra qualquer. Por isso é que acho que o papel vai sempre existir. Será uma concorrência, mas também é preciso ver que os grandes jornais têm todos sites. Um dia possivelmente, aliás já existe, começará o digital pago, porque quem quiser notícias feitas por jornalistas vai pagar.

No último Congresso de Jornalistas ouvia-se que o jornalismo é das poucas profissões que oferece o seu trabalho. Foi um erro?

Foi um erro. Muitos jornais lançaram os sites e as pessoas queriam notícias, visitava-nos de borla. Ótimo… para o leitor! No entanto, ninguém consegue sobreviver dessa maneira. Não sei se isso não se irá modificar no futuro.

Acha que o leitor continua a querer ser informado ou formado? Há tanta informação em tantos suportes. Muitos até veem as notícias partilhadas nas redes sociais e comentam sem as lerem…

Isso é verdade. Começa a haver a necessidade de se ensinar nas escolas a ler jornais e mostrar porque é que o jornal deve existir, bem como os outros meios de comunicação. Se na escola ensinarmos as crianças a perceber o que de facto é o jornalismo, este passa a ter uma importância maior. Por sua vez, o manancial de informação que existe faz com que as pessoas dispersem, mas, lá está, se nós introduzirmos nas escolas a regra de que o jornalismo tem valor… Aí é que acho que o ensino está a falhar muito.

A imprensa em papel pode morrer?

Julgo que os jornais têm sempre futuro, porque o papel tem cheiro, podemos manuseá-lo. Não, o papel não morre! Vamos lá ver, as pessoas gostam de agarrar. Aliás, isto é uma técnica de venda. Nas grandes marcas, deixam os produtos em exposição precisamente por isso, para serem tocados. Neste caso, a pessoa mexeu, começou a ler, parou ali, mas depois pode voltar a ler. E não é possível editar depois de ser publicado. No digital todas essas manipulações podem ser feitas e a velocidade ali é tão grande que a pessoa perde-se.

As novas gerações são, porém, mais ligadas ao digital….

O jornal escrito, físico, tem sempre o seu papel, pelo menos como educador. A perspetiva que vejo do jornalismo de futuro é que este terá de oferecer informação diferente dos outros. Por exemplo, houve um Golpe de Estado em determinado país. A notícia é essa para a televisão, rádio ou mesmo no digital. No dia seguinte, no jornal em papel virá a informação mais tratada explicando quais as razões para o Golpe de Estado, como estava o país, o que faziam as pessoas, o que as pessoas pensavam… O jornalismo irá caminhar para textos mais estruturados, complementando a informação e julgo que continuará a ter interessados em lê-los.

A comunicação social ainda é o quarto poder?

Antigamente era muito mais forte. Hoje já não, porque a concorrência entre os meios de comunicação social é muito grande.

O Barlavento foi uma casa que formou muitos jornalistas que hoje continuam na profissão e até ganharam destaque. Quem é que o Helder Nunes teve como mentor no seu tempo?

Isto foi uma questão de intuição. Quando era pequenino fazia jornais à mão. O jornal chamava-se ‘Viva Viva’ e era uma folha A5 onde eu escrevia. Ainda estive ligado a alguns clubes na juventude, como o Grupo Amigos de Portimão ou o Boa Esperança. No liceu houve necessidade de criar um jornal e lá estava eu e o José Garrancho a editar o ‘Alcalá’. Depois fui para a tropa, para fotografia e cinema, mas quando cheguei não havia imprensa em Portimão. Resolvi lançar o Barlavento, porque sempre tive essa apetência para o jornalismo.

 

Fundou o jornal a 26 de Abril de 1975, a seguir à revolução. Quais foram as dificuldades que foi encontrando ao longo do tempo?

A imprensa normalmente vive da publicidade. Os leitores raramente contribuem para que um jornal sobreviva. Portanto, aquilo que tive sempre como prioridade foi a questão da publicidade, mas como o jornal era feito com muita carolice, por mim e por outro elemento, íamos levar os planos à gráfica e vendíamos os jornais de porta em porta. Geralmente esgotávamos a edição e conseguíamos dinheiro para fazer a seguinte. O jornal foi sobrevivendo dessa maneira.

O jornal tem 43 anos e manteve-se. Porquê?

Distinguia-se dos outros. A perspetiva que tenho de um jornal local ou regional é que este deve ir na frente da informação, deve procurar noticiar o que vai acontecer daqui por um mês ou dois. Depois tínhamos uma secção famosa, o gramofone, composto pelas tricas políticas, onde não havia notícias. Ali se lançavam candidatos, se lançavam informações que passado um tempo aconteciam. Por exemplo, tinha um amigo de Vila Real de Santo António, o Zé Cruz, que me questionava sempre como é que conseguíamos, três meses antes, dizer que aquilo ia acontecer. A verdade é que as pessoas que consumiam o gramofone eram pessoas com muito traquejo. Conheciam, os bastidores da vida algarvia e isso possibilitava-nos fazer esse tipo de informação.

Acredita que quando se reformou ficou também um vazio na política no Algarve?

(Hesitação) Eu diria que sim. Houve um vazio, porque houve vários jornais que tentaram fazer algo parecido com o gramofone e nunca conseguiram aguentar. De facto, ficou um vazio. Porque verdade seja dita, muitas das coisas que ali se lançavam vinham a acontecer. Levava inclusive a que as pessoas envolvidas pensassem naquelas coisas. Fazíamos uma leitura dos acontecimentos dando a perspetiva de que aquilo iria acontecer no futuro e muitas coisas aconteciam com base naquela informação.

E com o tratamento das notícias políticas também ficou um vazio?

Sim, também. É preciso que um jornal local ou regional tenha um bocadinho de sal e o sal que nós tínhamos era efetivamente a política. Quer se queira, quer não, os políticos são as pessoas que decidem sobre determinados aspetos da sociedade. Decidem também sobre a publicidade. Isto é um jogo, darmos essa informação sempre em primeira mão, procurando ir na frente da informação em termos políticos, mas também estar junto das pessoas que afinal de contas são ou serão os decisores.

O Barlavento sempre foi conhecido por ouvir todos e dar lugar às chamadas minorias…

Nós temos de ter noção do contraditório. Se ouvimos uma parte e esta fizer referências a outra, temos que deixar que esta se defenda. Foi neste equilíbrio que o Barlavento foi construído e foi respeitado por toda a gente. Só assim é que eu entendo que é o jornalismo. Já as minorias tinham sempre lugar na nossa informação. Não dávamos só lugar aos grandes partidos, pois os pequenos também tinham espaço. Acho que também é o correto.

A verdade é que a política também tem vindo a perder credibilidade. As pessoas não estão a ficar fartas?

Nós temos de procurar na política factos que estejam ligados sobretudo ao futuro. Quando estamos a dar informação política podemos estar a noticiar o passado e o presente, mas sempre com uma visão no futuro. Quais são as implicações que aquele ato do político pode vir a ter no futuro? E acho que isso as pessoas gostam de saber.

Apesar da maioria da carreira ter sido na imprensa, ainda teve a Rádio Barlavento. Preferiu a rádio ou o jornal?

São duas coisas diferentes. Ainda no outro dia estive na minha ex-rádio, que agora é a Rádio Portimão. Este meio tem uma outra finalidade que o jornal não tem. É voz e deve ter vida. Costumávamos dizer ‘está lá o Zé Mudo’, porque só passava música. Quando tive a Rádio Barlavento, entre as 7 e as 10 horas, fazíamos noticiário. Ouvíamos os políticos em direto. Hoje olhamos para as rádios e elas não noticiam nada do que diz respeito à localidade onde estão inseridas e deviam ter esse papel. É música e pouco mais e, isso, não é fazer rádio. Não é por acaso que as pessoas de manhã, antes de saírem de casa ou quando conduzem o carro, ligam a rádio. Têm necessidade de ouvir outros a falar. Por isso, foram perdendo audiência. O jornal é diferente, porque fica disponível durante muito tempo, é impresso e já não se pode alterar. São dois órgãos diferentes. Na realidade, não consigo escolher um.

Esteve 40 anos no jornalismo. Que histórias tem para contar?

Histórias tenho muitas. Mas há aspetos que sempre foram importantes. Por exemplo, uma das normas daquela casa era não falarmos da vida particular das pessoas. A verdade é que sabíamos, e muito. O que hoje são casos públicos, nós tínhamos conhecimento com antecedência. Algumas vezes mandávamos avisar que sabíamos mas que não íamos usar a informação, através de amigos de amigos. Este foi outro aspeto pelo qual respeitavam o Barlavento.

Havia relações de amor ódio?

Sim. No entanto, sinto orgulho de termos sido respeitados por grandes figuras do Algarve, como foi o caso de Cabrita Neto, Joaquim Vairinhos, José Vitorino, eu sei lá… Apesar de poder haver rixas, respeitavam muito.

Teve uma carreira preenchida no jornalismo?

O balanço é positivo, porque ainda hoje, e eu já saí do jornalismo há três anos, tenho grandes amigos e pessoas que me respeitam. O jornalismo deu-me essa alegria de ter muito amigos a nível de entidades e da sociedade civil. Muitas vezes perguntavam-nos como sabíamos as coisas, mas era por ter essas fontes de informação, essas pessoas. Ainda assim, custou-me muito nos primeiros tempos do jornal implantá-lo. Tinha 20 e poucos anos, era um jovem e tínhamos de vendê-lo à entrada da praça e de porta em porta.

Continua a ter essas fontes?

Hoje já estou um pouco fora da área.

Tem uma longa carreira. Consegue apontar um ponto alto?

Sinceramente, era o dia-a-dia e não consigo escolher um. Podemos dizer que fomos reconhecidos com um prémio nacional, mas acho que não é isso que tem grande significado. O que era importante era o respeito das e pelas pessoas.

Faltou uma homenagem?

Não, acho que não faltou homenagem nenhuma. É o respeito que têm por mim, é o facto de o jornal ainda existir e as pessoas reconhecerem que o trabalho que eu fiz teve grande importância e grande impacto no Algarve que me deixa orgulhoso.

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