Heróis da natação

Texto: Rafael Duarte | Fotos: D.R.


A Os sonhos de quase 200 atletas de 23 países couberam em cada pista de 25 metros das Piscinas Municipais de Albufeira.

O Mundial de Natação DSISO voltou a passar pela capital do turismo, entre 17 e 22 de outubro, e a ‘Algarve Vivo’ acompanhou de perto todas as emoções vividas por quem esteve dentro e fora de água na competição destinada a atletas com síndrome de down.

A expetativa em torno da equipa portuguesa composta por dez nadadores era muita à partida para o evento. Portugal tinha acabado de receber 31 medalhas no último Europeu e já se esperavam grandes conquistas no Mundial. “Há muita expetativa em torno da nossa Seleção, mas é uma expetativa fundada. Temos atletas de grande craveira internacional, porque os resultados assim o atestam”, apontava na antevisão do torneio, António José Silva, presidente da Federação Portuguesa de Natação.

O início da competição
O momento tão esperado por atletas, treinadores e familiares chegou a 17 de outubro com o começo das competições. A ‘Portuguesa’ fez-se ouvir logo no arranque, com seis medalhas conquistadas pelos nadadores portugueses, duas das quais de ouro, e João Vaz bateu o recorde mundial nos 200 metros mariposa.

“O João já perseguia este recorde há muitos anos e finalmente caiu”, contou o treinador Rui Gama, que lamentou apenas que Vicente Pereira não tenha conseguido o mesmo feito na prova dos 100 metros livres. “Ficámos a um centésimo do recorde mundial. Foi uma pena”, lastimou.

No dia seguinte, ainda mais conquistas para Portugal, com oito medalhas e um novo recorde do Mundo, neste caso na estafeta de 4×100 metros livres, composta por Diogo Matos, Diogo Rego, André Almeida e Vicente Pereira. “Senti-me mesmo feliz. Trabalhámos muito com os treinadores e fizemos treinos mais difíceis”, disse com um sorriso de orelha a orelha Vicente Pereira. Ele que fechou o segundo dia com ouro nos 200 metros livres e nos 50 metros mariposa.

Na estafeta recordista estava Diogo Rego que é um bom exemplo de como estes atletas vivem para a natação. O nadador de Aveiro trabalha numa creche e já tem de gerir o desporto que ama com outras responsabilidades.

“A natação é uma vida para mim. Já estou há 17 anos no meu clube: o Sporting Clube de Aveiro. Não vou deixar mal a minha marca para trás e estamos a representar o nosso país”, garantiu Diogo que nunca pensou pôr a natação de parte. O pai confirma a dedicação do filho. “Ele levanta-se às 8h30 e regressa às 21h30. Passa o dia fora entre trabalho e treino. É exaustante. Tem muita força e supera-se todos os dias”, contou-nos Vítor Rego.

No mesmo dia, também Diana Torres subiu ao pódio para receber a medalha de bronze pelos 50 metros mariposa. “Não estava à espera. Tinha julgado que tinha ficado em 4º”, desabafou a nadadora que destacou ainda o papel da equipa para a ajudar nestas provas. “Estamos sempre nas bancadas a apoiar. Somos uma família, é a minha segunda casa, a minha segunda família”, revelou.

A importância da família
Uma segunda família que complementa a primeira e essa também está sempre presente. “A minha mãe ajuda-me sempre a nadar bem para ser o campeão”, disse André Almeida. E a mãe, que todos os dias puxou pelo filho a partir das bancadas, não esconde o orgulho. “Desde que o André tem vindo às competições internacionais que vibro imenso com isto. Estou tão orgulhosa. Uma pessoa fica de coração cheio seja pelo meu, seja pelos outros que não são meus, mas são nossos. É um orgulho extraordinário”, afirmou Ana Almeida.

Para as famílias portuguesas, este ano a viagem foi curta, mas a distância nunca é, nem será, um problema. “Já fomos a vários sítios onde nunca pensámos ir, como o México (Mundial de 2014) e vamos um pouco por todo o lado a acompanhá-lo e sempre com a mesma vontade”, reforçou Francisco Vaz, pai de João Vaz.

Desta vez foram outros pais que tiveram de fazer essa viagem mais longa. Rita Rodriguez, mãe de Jorge Luís Luna, que viajou do México, é um dos exemplos. “São muitas horas de voo, mas o voo e o cansaço não nos custam nada, porque queríamos vir ao Campeonato Mundial. O meu filho ganhou o seu lugar com o trabalho de muitos anos. O feito de estar aqui a competir, com os melhores atletas de todos os países que pertencem a esta grande organização, deixa-nos tão contentes e tão satisfeitos”.

Pais e filhos, todos partilham esta paixão pela natação e conseguem passar uma mensagem com o desporto. É o caso do norueguês Aleksander Haarberg, que, com o pai, fez cerca de 850 quilómetros de Alicante a Albufeira, de bicicleta, para angariar fundos para os atletas com síndrome de down na Noruega. “É uma mensagem para o Mundo de que todos conseguimos. Só é preciso algum tempo, treino e alguém por trás para os ajudar. É fantástico”, destacou o pai Lasse Haarberg.

Um futuro promissor
No terceiro dia a armada lusa conquistou mais sete medalhas, duas delas de ouro. Seguiu-se uma pausa para os atletas, mas a ação voltou às Piscinas Municipais de Albufeira no dia seguinte. Aí Portugal somou mais cinco medalhas, com Vicente Pereira , de novo, em destaque.

O jovem nadador de 17 anos bateu o recorde do mundo nos 100 metros mariposa, numa prova discutida quase até ao último segundo. Ainda assim, o atleta do Sporting superou o britânico Zac Lacey para garantir a medalha de ouro e não só.

“O Vicente, no ano passado, em Ferrara, já tinha conseguido o recorde do mundo nos 100 metros mariposa com distinção. Entretanto, o francês voltou a roubar o recorde em junho. Não ficámos satisfeitos com a situação e fomos atrás do resultado”, contou Rui Gama. “Fico muito feliz por ter batido este recorde mundial nos 100 metros mariposa. O meu tempo era 1:14 e baixei para 1:13. Estou muito feliz”, disse Vicente.

O atleta soma cada vez mais medalhas, mas afinal como é que se explicam tantas vitórias com apenas 17 anos? “Com talento, muito trabalho e muita maturidade competitiva que ele aos 17 anos já tem”, diz o treinador. E o pai, confirma. “Tem uma coisa que o diferencia da maior parte dos outros atletas, e não falo apenas dos colegas, mas a nível do Mundial, que é a vontade de ganhar. Ele é muito competitivo e chega a ser obcecado de mais com a preparação. Está constantemente a ver vídeos de natação, provas dele ou dos grandes nadadores que ele segue. Chega a ser um bocado exagerado, mas é a vontade de aprender e melhorar. Tem essa capacidade mental de gostar de competir e ganhar”, explica Nelson Pereira.

No último dia do Mundial ,os nadadores portugueses conquistaram mais seis medalhas. Além do ouro na estafeta de 50 metros livres masculinos, Vicente Pereira venceu os 50 metros livres e os 100 metros estilos, onde André Almeida ficou em 2º. Já durante uma cerimónia realizada à noite, na NAU Salgados, em Albufeira, o nadador português recebeu o ‘Prémio de Melhor Nadador do Mundial’ depois de ter alcançado 13 medalhas, 10 das quais de ouro, e a isto se juntam ainda os recordes batidos.

“Ele já tinha conseguido esse feito no Europeu e aí, pela primeira vez, um nadador júnior foi considerado o ‘Melhor da Europa’, porque tinha 16 anos. Para este Mundial não tinha expetativas, porque apesar de saber que ele é aplicado e bom nadador, não gosto de criar expetativas em relação a medalhas e prémios. Foi um orgulho e deixou-o em êxtase. Ficou felicíssimo, mas trabalha para isso”, admite Nelson Pereira, que também esteve de perto a acompanhar os grandes feitos do filho. “O Vicente gosta muito de ganhar para deixar quem está à sua volta feliz. Ele, normalmente, quando ganha, tem como primeira reação festejar, mas depois é olhar para treinadores, colegas e pais nas bancadas. Gosta de ver a malta feliz”, descreve o pai de Vicente.

Feitas as contas, os portugueses receberam 32 medalhas e ficaram em segundo lugar no quadro de medalhas, atrás da Grã-Bretanha, que conseguiu um total de 50. “Podemos falar na prestação que foi ao encontro com as melhores expetativas que podíamos ter relativamente à equipa portuguesa, mas também podemos falar da organização, da satisfação que provocámos em todos os participantes. Foi perfeita esta participação”, afirma José Machado, diretor técnico nacional.

Todos já são exemplos, enquanto desportistas e pessoas. Os feitos de Vicente Pereira, com apenas 17 anos, podem torná-lo um pioneiro para mais jovens com síndrome de down. “Eu espero que seja pioneiro, mas para terem o Vicente como exemplo, temos de dar toda a visibilidade possível a estes atletas, até porque o merecem. Os pais que estão em casa com miúdos, assim, percebem que eles têm uma capacidade fantástica. Não são miúdos para os quais olhamos e dizemos que não vão conseguir fazer isto. Têm é de ser incentivados, porque foi assim que o Vicente conseguiu. Desde cedo foi incentivado”, concluiu.

“Seria interessante voltarem em 2030”

As Piscinas Municipais de Albufeira voltaram a ser o palco do Mundial para nadadores com síndrome de down, depois de já terem recebido o evento em 2008. Em dez edições, esta foi a primeira vez que a organização repetiu uma cidade. E como não há duas sem três, a autarquia deixou um desafio para o regresso. “Lancei informalmente o desafio à presidente da DSISO para que, daqui por uns anos, voltemos a receber o Mundial. O primeiro foi em 2008, agora 2022 e seria interessante fazermos em 2030 aqui em Albufeira. Mas mais importante do que o evento, foi a Federação e os próprios organizadores internacionais perceberem que podemos fazer mais eventos utilizando as nossas Piscinas, seja um Europeu ou uma prova de natação artística”, afirmou Cristiano Cabrita, vice-presidente da Câmara Municipal de Albufeira.

Talvez o melhor campeonato
Também a Federação Portuguesa de Natação (FPN) destaca o resultado final do evento. “As pessoas ficaram extremamente satisfeitas. Oferecemos um conjunto de soluções quer hoteleiras, quer no sentido da área do lazer que Albufeira oferece e as pessoas ficam felizes com este sol radioso do Algarve”, salientou Rui Sardinha, vice-presidente da FPN. Também os pais ficaram encantados. “Não podia deixar de dar os parabéns à Federação, porque todas as comitivas e pais comentaram que foi provavelmente o melhor Campeonato onde já tinham estado em termos de organização. Foi profissional a todos os níveis. Colocaram a expetativa muito alta para quem vem a seguir. A todos os níveis a organização foi fantástica”, confessa Nelson Pereira, pai do nadador Vicente Pereira.

Uma pausa, mas perto da água

A meio da semana houve direito a um dia de descanso para os atletas. Esta foi uma oportunidade para quem se deslocou de outras regiões conhecer melhor o Algarve e, mesmo com a chuva que se fez sentir nesse dia, várias comitivas aproveitaram para visitar o parque aquático Zoomarine, em Albufeira.

“Encantador. Esteve um pouco chuvoso, mas estamos habituados a isso. Somos da Irlanda, por isso, não importa”, disse, entre sorrisos, Niall Molloy, treinador da seleção daquele país.

“O show dos golfinhos está relacionado com o desporto deles, a natação. Estamos muito gratos. É um dia relaxante especialmente para as pessoas com síndrome de down, porque os golfinhos são como uma pequena terapia. Ajuda-os”, afirmou Florin Badea, coordenador técnico da Roménia. Esta foi também a ideia reforçada por Roberto Di Cunto, coordenador técnico do Brasil. “Foram três dias inteiros na piscina. Eliminatórias de manhã e finais à tarde. Bem cansativo e, assim, dá essa ‘quebrada’ e o pessoal conhece um bocado melhor a cidade”. Uma pausa merecida depois de três dias de competição e a pensar nos dois que ainda faltavam para terminar o Mundial. “Podiam ficar cansados e é bom ter esta pausa no meio. Assim também podem visitar a cidade e relaxar um pouco para recuperar a energia para os últimos dois dias”, lembrou Niall Molloy.

MEDALHAS CONQUISTADAS POR PORTUGAL

12 Medalhas de ouro

9 Medalhas de prata

11 Medalhas de bronze

32 Medalhas no total

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