Homenagem ao povo angolano numa mostra inédita de desenhos

Texto: Hélio Nascimento | Foto: Portimão Jornal


Patente na Casa Manuel Teixeira Gomes, a exposição ‘A Preto e Branco’ foi inaugurada no dia 8 de novembro e serve de homenagem ao povo angolano. São 21 desenhos da autoria de Agostinho Jorge, natural de Bibala (Moçâmedes) e em Portugal desde 1975. Viveu na Amadora, depois em Lisboa e chegou a Portimão em 1987, onde se radicou e constituiu família, tendo desempenhado vários cargos na Câmara Municipal, na qualidade de engenheiro civil, durante mais de três décadas, até se reformar.

“Os quadros foram feitos há 50 anos, quando cheguei cá, numa altura em que senti a necessidade de os desenhar. Precisava de me libertar, de criar na minha cabeça espaço para as novas situações e transformar as ideias em desenho, até porque percebia que o retorno era impossível”, explica o autor, de 68 anos. A obra foi realizada num café, na Amadora, “enquanto via televisão a preto e branco”, entre 2 de novembro e 27 de dezembro de 1975, coincidindo com o período da independência de Angola, cujo cinquentenário ocorreu precisamente agora (11 de novembro).

“O preto e branco tem a ver com o estado de alma. Se interpretar as molduras dos quadros, começam por ser metade branca e metade preta, e, com o andar da colonização, foram enegrecendo, na totalidade, até à formação do MPLA. A partir daí começam a aclarar, até ao último, todo branco, assinalando o dia da independência”, salienta Agostinho Jorge, rodeado pela sua obra, em conversa com o Portimão Jornal.

“Todos os desenhos representam uma homenagem ao povo nativo, que estava oprimido. Eu estava lá e senti, pelo que, para mim, tratou-se de uma libertação, embora não tivesse qualquer influência, visto que era um miúdo e apenas estudava. Na circunstância, “o preto representa amargura, escravatura, e o branco a liberdade e esperança”.
 
Chefe e diretor na Câmara de Portimão
Agostinho Jorge pensou em tudo ao pormenor, incluindo os nomes dos quadros, escolhidos de modo a que não fossem castigadores. “São palavras que demonstram ideias, mas palavras leves, em que a vogal inicial é um O, como ‘O Servir’, ‘O Proibir”, ou seja, tudo que fosse para oprimir, ou um A, como ‘A Luta’, ‘A Libertação’, em que o significado é a esperança”. Foi assim que o autor deu ainda mais expressão às suas ideias patentes nos 21 quadros.

“O escurecer retrata um período complicado e obscuro e depois o aclarar revela liberdade e a vitória do povo angolano”, resume Agostinho Jorge, que chegou a Portugal em agosto, antes da independência de Angola, em novembro desse mesmo ano de 1975. “A minha mulher veio comigo e acabámos depois por rumar a Portimão”, na sequência das raízes algarvias da esposa, já que o pai nasceu em Albufeira e a mãe nos Montes de Alvor.

Agostinho cursou engenharia civil, licenciando-se no Instituto Superior Técnico de Lisboa. Já em Portimão, esteve três anos a trabalhar no privado, entrando na Câmara no final de 1989, onde permaneceu 33 anos, sempre ligado à engenharia, com várias funções (de chefe de divisão a diretor de departamento) até se reformar.

Da cidade destaca as belas relações mantidas ao longo de todo este tempo. “Metade da minha vida tem sido aqui e sem razões de queixa. Não foi mau”, realça, deixando no ar a sensação de que se tratou do melhor passo: o filho mais velho nasceu em Lisboa, as duas filhas em Portimão – os três “abriram as mentes no estrangeiro” – e é avô de quatro netos.

Não se sente artista nem voltou a pintar
O período da exposição coincide com os 50 anos da independência de Angola e foi naturalmente preparado para esta data. O momento atual no seu país de origem é visto com total serenidade, na convicção de que está tudo certo. “O povo é sempre bom, às vezes quem manda no povo é que pode não ser bom. O povo quer viver, descontraído, feliz e em sossego. As conjunturas internacionais é que alteram isto”, atira o nosso artista, em jeito de reflexão.

Por falar em artista, Agostinho não se considera como tal. “Não me sinto artista, de todo. Na Câmara Municipal, em 2009 e 2010, fiz teatro e o grupo teve algum sucesso, mas não possuo o perfil. Preciso que alguém organize. Se assim for e me convidarem, eu vou”, adianta, largando uma gargalhada.

Desde as longínquas tardes da Amadora, aliás, Agostinho não voltou a pintar. “Foi a necessidade da altura, como já disse. Os desenhos até são rústicos e o apontamento nasce do sentimento. Os meus filhos nem sabiam que os tinha guardados”. Agora, fruto de alguns contactos na Embaixada, a exposição deve rumar à Casa de Angola, em Faro, e a outros locais. “O objetivo é divulgar. O meu espólio de cartazes, programas dos três movimentos e panfletos (também em exposição) vai ser doado ao Museu de Portimão, para arquivo histórico. Mas os desenhos não…”.

Hoje em dia, Agostinho gosta de se dedicar à pesca, à dança e ainda toca conga. “E sou colecionador: junto pacotes de açúcar há 52 anos, desde os tempos de Angola, bem como moedas, cartazes e selos”, revela.

Manuel da Luz é o padrinho

Durante os muitos anos em que trabalhou na Câmara, Agostinho Jorge travou conhecimento com vários presidentes e estabeleceu amizades, tendo convidado Manuel da Luz para ser ‘padrinho’ da exposição. “Ele viu os desenhos e incentivou-me bastante. Isto não existe, é sentimento, disse-me Manuel da Luz”. Na nota de abertura, sob o título ‘Abrir a visão’, o ex-autarca escreve que “o preto e o branco se inscrevem numa realidade concreta da História de um povo – o povo angolano, antes e depois do 25 de Abril de 74”.

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