Ilídio Martins: O único homem que conseguiu ‘roubar’ a Junta de Portimão ao PS
Jorge Eusébio, in Portimão Jornal nº42
Ao longo da sua vida, Ilídio Martins desenvolveu muitas atividades, mas, garante, “aquela de que mais gostei foi a de presidente da Junta de Freguesia de Portimão”.
Conquistou o cargo nas eleições de 1989, à frente da lista do seu partido de sempre, o Partido Social Democrata (PSD), tendo sido, até agora, o único a conseguir ‘roubar’ essa autarquia ao Partido Socialista (PS).
Confessa que, “aí a meio da campanha eleitoral fiquei convencido que ia ganhar”. Para isso contribuíram as reações muito positivas que encontrava na rua e a adesão de um elevado número de pessoas que sabia nunca terem votado no PSD.
Em determinada altura, deparou-se até com um homem que lhe prometeu que “ia a Fátima a pé se eu derrotasse o PS”. Acabou por não saber se cumpriu a promessa, mas aquela foi uma frase que nunca mais esqueceu e que lhe deu alento para o resto da campanha.
O forte élan que os social-democratas conseguiram criar e a forma algo ‘preguiçosa’ como o PS encarou o ato eleitoral, provavelmente por entender que não era preciso fazer grande esforço para conseguir a vitória, levaram a que aquelas fossem as eleições mais renhidas de sempre no concelho.
Foi nesse ano que, pela primeira vez, um jovem chamado Carlos Martins concorreu à presidência da Câmara para tentar desalojar do cadeirão presidencial o experiente Martim Gracias.
Morrer na praia
A campanha correu bem e, na noite eleitoral, a surpresa parecia ter acontecido. Ilídio Martins recorda que “contados os votos das freguesias de Portimão e Alvor, o PSD estava na frente por uma margem muito significativa”. Mas depois chegaram os resultados da Mexilhoeira Grande, que anularam essa vantagem e acabaram por permitir que o PS continuasse à frente da Câmara graças a uma diferença de… 47 votos.
Contudo, a vitória na Junta de Freguesia de Portimão acabou por não fugir aos social-democratas, ganhando Ilídio Martins o direito a governar a autarquia ao longo dos quatro anos seguintes. Como, no entanto, não conseguira maioria absoluta, teve que, ao longo desse tempo, ir negociando com os eleitos de outros partidos.
Enquanto presidente da Junta, todos os dias tinha à porta pessoas com problemas de diversa ordem por resolver. Recorda-se, por exemplo, de um casal que cuidava de uma criança cujos pais tinham desaparecido e que há cerca de quatro anos andavam a tentar que lhe fosse atribuído o abono de família. Ilídio Martins contactou a Segurança Social e acabou por desbloquear a situação.
Outro dos casos que lhe ficou na memória foi o de uma senhora que estava separada há longos anos do marido que, no entanto, insistia em não lhe dar o divórcio. Apareceu na Junta, com testemunhas a comprovar a separação, para conseguir uma declaração que lhe desse acesso a descontos nos transportes públicos.
Depois, foi apanhar o comboio na estação de Portimão, mas mesmo com o documento nas mãos não lhe quiseram fazer o desconto. O presidente da Junta lá teve de contactar alguém com responsabilidades na CP para conseguir resolver aquele pequeno problema que, para a pessoa em causa, tinha grande importância.
Em determinada altura chegou ao seu conhecimento o caso de uma senhora que vivia na rua. Depois de se informar, soube que era de Monchique, contactou a Misericórdia local, que a acolheu. Contudo, pouco tempo depois, o presidente da instituição telefonou-lhe a dizer que a mulher tinha voltado para a rua.
Melhor sorte teve com uma outra situação parecida, a de um homem que vivia em condições degradantes, num espaço muito pequeno. Fez diligências para o colocar numa instituição, mas deparava-se com grande resistência da sua parte.
Acabou por pedir a um conhecido que o convencesse a entrar no carro, supostamente para irem dar um passeio. Depois pararam a viatura em frente ao Centro de Apoio a Idosos, com cujos responsáveis já tinha falado, e o homem acabou por lá ficar, embora contrariado.
Uns tempos depois encontrou-o e a sua atitude já era outra, “estava muito satisfeito e dizia que as condições que agora tinha eram muito melhores”. Caso com final feliz, portanto.
‘Entregou’ a Junta à Universidade
Para além destas pequenas vitórias, do seu mandato à frente da Junta destaca o contributo que deu para a instalação de um polo da Universidade do Algarve em Portimão, do aparecimento de uma universidade privada no concelho e do ‘nascimento’ da Associação de Dadores de Sangue do Barlavento do Algarve (ADSBA).
No primeiro caso, o problema maior que se colocava era a falta de um espaço minimamente condigno para acolher a Universidade do Algarve. Posto perante tal situação, Ilídio Martins disponibilizou as instalações da Junta e mudou os seus serviços, de armas e bagagens, para as antigas instalações da Casa da Nossa Senhora da Conceição, onde se manteve durante cerca de metade do mandato. Aliás, depois de ser alvo de uma grande intervenção, aquele imóvel, que está situado ao lado da igreja, voltou, há pouco mais de um mês, a ser a sede da autarquia.
No caso da Universidade privada, também o problema que se colocava era o da falta de instalações. Ilídio Martins indicou aos promotores do projeto um espaço, mas o seu proprietário queria uma renda que era incomportável. Depois de várias insistências da sua parte junto do homem e de um familiar que era seu amigo, lá se conseguiu que a situação fosse desbloqueada.
A Associação de Dadores de Sangue do Barlavento do Algarve foi outra das instituições que ajudou a instalar no concelho, tendo, para o efeito, cedido uma sala da Junta, que funcionou como primeira sede da ADSBA.
O tempo em que havia mesmo combate político
Ilídio Martins foi um dos fundadores do PSD em Portimão e dos primeiros a entrar naquela que foi, durante muitos anos, a sede ‘histórica’ do partido, situada em frente à Igreja Matriz.
Nos primeiros anos viveu alguns momentos mais complicados, no que ao combate político diz respeito. Recorda-se de um confronto com elementos de partidos de esquerda, ocorrido perto do Hotel Globo, em que se chegou a vias de facto e, na mesma noite, de ter seguido para Faro para ajudar a gorar o ‘assalto’ ao Governo Civil, que estava a ocorrer.
Outro dos episódios mais graves dessa altura foi uma tentativa de incendiar a sede do partido, ocorrido durante a madrugada, numa altura em que ninguém lá estava. Passado o susto, verificou-se que, felizmente, os danos e prejuízos tinham sido de pouca monta.
Também no seio do próprio partido, em que com frequência havia desentendimentos entre várias fações, assistiu a discussões mais acaloradas e, inclusivamente, uma vez levou uma pedrada na mão, que lhe fez uma pequena cicatriz que lhe ficou para a vida.
Ilídio Martins diz ter sempre tentado ficar à margem das ‘guerras’ internas, recusando, muitas vezes, lugares nos órgãos locais, sobretudo quando havia várias listas. Dizia que, quanto muito, “se acharem que faço falta, coloquem-me num dos últimos lugares da lista”.
A seriedade não compensa na política
Esse desprendimento trouxe-lhe surpresas aquando da constituição da equipa para a Junta de Freguesia, em que se viu na necessidade de dar frequentes justificações a elementos do seu partido que queriam ter um lugar mais relevante na lista.
Quando terminou o mandato recandidatou-se mas aí o PS já tinha aprendido a lição, fez campanha a sério e recuperou a autarquia. Ainda assim, Ilídio Martins manteve-se na Assembleia de Freguesia, agora como eleito da oposição.
O antigo autarca considera que serão essencialmente os muitos funcionários autárquicos que garantem que a Câmara nunca tenha conhecido outro poder que não o socialista, mas também atribui alguma culpa ao seu partido, por, em certas alturas críticas, não se ter unido e tomado as decisões que poderiam dar-lhe a vitória.
Mas também acha que, na política, “muitas vezes se é penalizado por dizer a verdade”. É isso que diz ter acontecido com Rui Rio, “um homem sério, que apoiei nas eleições internas e nas legislativas”, mas que terá sido prejudicado por não ter cedido à tentação de prometer aquilo que não sabia se poderia cumprir.
Nasceu para o negócio
Para além da política e da família, a grande paixão de Ilídio Martins foi o empreendedorismo. Nasceu no Pechão, no concelho de Olhão, há 83 anos, e ainda jovem mudou-se de armas e bagagens para Lagos quando o pai recebeu um convite para trabalhar na gestão de uma fábrica de conserva que aí abriu.
Desde muito cedo sentiu crescer em si a vontade de trabalhar e ganhar dinheiro. Aos 14 anos, ao mesmo tempo que tirava o curso de comércio, começou a trabalhar no escritório de uma empresa.
Pelo meio teve de cumprir o serviço militar, o que atrapalhou um pouco os seus planos profissionais e empresariais, até porque foi chamado à tropa por duas vezes, a última das quais como militar em Angola.
Mas, tal como em praticamente todas as áreas da sua vida, considera que teve “sorte” durante os cerca de cinco anos em que envergou a farda, nunca tendo apanhado nenhum susto a valer, mesmo em terras africanas.
Depois de Lagos, a sua vida profissional mudou para a Mexilhoeira da Carregação e, mais tarde, instalou-se em Portimão, onde acabou por tornar-se numa espécie de substituto do dono, ao nível da gestão, numa empresa de pesca. Durante algum tempo exerceu também idênticas funções numa fábrica de conservas em Setúbal.
Paralelamente, começou a fazer uns biscates por conta própria, entre os quais o de vendedor de seguros e, com um amigo, entrou no negócio da preparação do apara-lápis, um peixe que começava a ganhar muito valor comercial por ser utilizado no fabrico de óleo e farinha.
O desaparecimento dos apara-lápis
O negócio estava a correr bem e, como há muito tempo que tinha vontade de singrar por conta própria, despediu-se da empresa em que trabalhava e acabou por se ligar, como acionista, a uma fábrica de Olhão.
Um dia foi chamado a uma reunião com o ministro das Pescas, que desafiou a sua empresa a comprar barcos exclusivamente destinados à pesca do apara-lápis, uma vez que entendia que o país tinha um défice grande ao nível da captura do cobiçado peixe.
Acabou por comprar duas embarcações e adaptá-las para a atividade pretendida. Mas nem tudo correu bem, pois eram precisas licenças e, entretanto, o Governo caiu e o novo ministro não parecia nutrir a mesma paixão pelos apara-lápis que o seu antecessor. Para além disso, Ilídio Martins diz que houve uma espécie de boicote de pessoas ligadas a associações do setor, que temiam a concorrência.
Ao fim de quatro anos lá conseguiu a papelada necessária, mas com a condição de ter de pescar em águas marroquinas. Só que, entretanto, os apara-lápis resolveram ir a ‘banhos’ para outras paragens, pelo que a sua empresa teve de encostar os barcos e, mais tarde, de vender um e abater o outro.
Ao mesmo tempo que trabalhava na área da pesca, Ilídio Martins ia, também, investindo no negócio de peças de automóveis, tendo chegado a possuir três lojas e um armazém.
O negócio seguinte foi o da construção civil. Juntamente com um sócio, entrou “na altura certa”, quando aquele setor começou a ‘bombar’.
A sua forma de trabalhar consistia, em primeiro lugar, na compra de um terreno. Depois, pediam empréstimo aos bancos e avançavam com a construção de prédios com o máximo de oito andares, ignorando até os conselhos de gerentes bancários que mostravam disponibilidade para financiar empreendimentos maiores. Mas “nunca quisemos dar o passo maior que a perna e, assim, as coisas correram sempre bem”.
Quando fez 72 anos decidiu que estava na altura de se reformar e deixou o mundo dos negócios. Olhando para trás, garante que gostou de tudo o que fez, inclusivamente, do facto de, ao longo da sua carreira empresarial, nunca ter tirado férias. E, sobretudo, adorou ser presidente de junta, o que lhe permitiu “ajudar as pessoas”.