João Reis: Natal mais espiritual

João Reis | Professor


Quando era miúdo, já lá vão setenta e tal anos (tantos!?!), começávamos a preparar o Natal nos primeiros dias de Dezembro, fazendo o que se chamava “as searas”.

As “searas” eram pratinhos ou latas, geralmente as das conservas de peixe, onde se colocava uma mão-cheia de grãos de cereais – cevada, trigo, milho – que, cuidadosamente regados, germinavam e, pelo Natal, ofereciam-nos graciosas e viçosas verduras com as quais decorávamos o presépio que, entretanto, se “armava”.

Tanto o presépio como as “searas” eram símbolos do Natal – o presépio que, desde o século XIII, teatralizava o nascimento de Jesus Cristo e as “searas” que, provavelmente, significariam “nascer”, “germinar”, ao mesmo tempo que representavam o PÃO (como, ainda hoje, nalgumas regiões do País, se chama ao trigo), “o alimento”, no seu sentido literal e simbólico.

No nosso Algarve, o presépio era ”armado” num “trono”, em escadaria feita de caixas de cartão ou madeira tendo, no degrau mais elevado, o Menino Jesus, de pé, rodeado pelas “searas” e laranjas, fruta local da época. Era daquele “Menino Jesus” que nós, crianças, esperávamos os presentes – simples, modestos, sentidos: duas ou três laranjas, um chocolate (um!), por vezes, um brinquedo (prás meninas, uma boneca), mais uma útil peça de vestuário, geralmente costurada ou tricotada pela Mãe, pela Avó ou pela Tia.

Tudo com muito Amor e enorme sentido de Família, a qual se reunia na sua forma mais alargada – várias gerações e vários graus de parentesco.

E cantávamos as tradicionais “janeiras”, canções típicas da Quadra que nos eram transmitidas pelos mais Velhos.

Outros símbolos foram sendo acrescentados às nossas tradições, ao longo do tempo – “importámos” a “Árvore de Natal” e acolhemos o “Pai Natal”, com renas, saco, trenó e tudo, vindos da Lapónia, aprendemos o “Jingle bells”, traduzimos o “Stille Nacht/Silent Night” e “misturámo-las” com o nosso “Cancioneiro de Évora”, por sua vez traduzido e adaptado a outras línguas. O Natal vai sendo, pois, cada vez mais global. Também mais comercial e consumista…
Este ano, porém, o Natal irá ser diferente – contra as tradições, contra a nossa vontade, mas de acordo com o nosso entendimento. Perante o perigo que, traiçoeiramente, nos assola, há que ser racional para compreender que, independentemente das medidas restritivas de reunião que as autoridades sanitárias e governamentais venham – ou não – a determinar, cabe-nos, individual e colectivamente, defendermo-nos e aos nossos familiares, não dando ensejo à difusão deste malfadado vírus.

O Natal deste “anno Domini” 2020, na sua data habitual, terá de ser vivido mais espiritualmente, mais mentalmente, apelando-se às memórias e à esperança, garantindo-se que o (obrigatório) afastamento físico não significa “esquecimento” ou “abandono”. Por muito que nos custe, por muito que se vá sentir a falta dos abraços, dos beijos, dos risos e dos afectos habituais desta época, teremos de deixar os festejos mais gregários para outra altura. Afinal….

“O NATAL É QUANDO O HOMEM QUISER”

FELIZ NATAL!!!! COM SAÚDE!!!

  • Escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico

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