Luís Encarnação, da hotelaria à presidência da Câmara
Texto e fotos: José Garrancho

Luís Encarnação é o atual presidente da Câmara Municipal de Lagoa, mas antes de ocupar o cargo e de se ter dedicado à atividade política era um fervoroso parchalense. É reconhecido por ser um trabalhador dedicado e eficiente, educado, de bom trato e muito preocupado com as necessidades da sua terra natal, o Parchal, local onde nasceu em 1968. É filho de um pescador e de uma conserveira e recorda a sua terra noutros tempos.
“Aquilo era a Estrada Nacional, mais três ruas para norte e outras tantas para sul. Cresceu muito, a seguir a 1974, com o movimento cooperativo da Che Lagoense, que ali construiu um bairro. Foi a partir daí que o Parchal começou a desenvolver-se”, recorda o homem que fez, em três anos, os quatro da escola primária, na sua aldeia, seguindo depois para o ciclo preparatório, em Portimão, com apenas nove anos.
Franzino, com um metro e trinta e pouco de altura, lá ia para as aulas, quase na Praia da Rocha. “O processo de integração não foi fácil, mas também era isso que nos fazia crescer”, afirma.
Seguiu para o liceu, também em Portimão, onde terminou o 12º ano, o que lhe permitiu arranjar muitos e bons amigos no outro lado do Arade, que ainda conserva. Estudante inteligente, sempre teve boas notas e terminou o ensino secundário com 16 anos.
“Há um momento determinante para a minha vida. O meu pai adoeceu e acabou por falecer, quando eu era um miúdo, ainda não tinha feito os 17 anos. A sua doença obrigou-me a fazer uma escolha, porque a minha mãe já não trabalhava, as fábricas tinham entrado em crise, e o meu pai era a única fonte de sustento. Tive de escolher um curso profissional, em vez da universidade, para começar a trabalhar mais cedo. Fui para a Escola Hoteleira, em Faro, tirei o curso de rececionista de hotel com carteira de primeira e estive sete anos a trabalhar em hotelaria”, explica.
Começou no Hotel Júpiter, a fazer as noites. “Depois, conheci o senhor José Garrancho que me levou para a Aldeia das Açoteias, o maior complexo turístico-desportivo da Europa, onde já se encontrava o meu amigo Salvador, e foi uma grande lição de vida, quer profissional, quer pessoal, pois estava a trabalhar e a viver fora de casa pela primeira vez. Foi uma grande experiência, ajudou-me a crescer e fiz muitos amigos”, salienta.
Foi no período em que apareceram as rádios locais, havia uma com as instalações dentro do aldeamento e Luís Encarnação, com o amigo José Salvador, faziam rádio nas horas vagas.
“Depois fui para a tropa, estive 15 meses em Vendas Novas, porque não me deram o estatuto de amparo de mãe, alegando que o salário que recebia como sargento miliciano (27 500 escudos, cerca de 137,50 euros), era suficiente. No final, recebi um louvor e fui convidado a continuar, mas recusei e regressei à vida civil e às Açoteias, por mais um ano e picos”, recorda. Atualmente, continua a encontrar-se todos os anos num almoço com os seus companheiros de armas, em Vendas Novas.
No regresso a casa, trabalhou nos Apartamentos Sol Vau, ainda esteve na receção do Hotel de Lagos e, depois, foi para os Apartamentos Turísticos Torre da Rocha, onde ocupou o cargo de chefe de receção, naquele que foi o último emprego na atividade hoteleira.
Luís Encarnação trocou ‘as camas pelo dinheiro’ e foi trabalhar num banco, como caixa, prospetor, comercial, até chegar a gerente. “Iniciei-me como gerente em Armação de Pêra. Depois, o banco abriu uma agência no Parchal e, como eu era dali, ofereceram-me o lugar de gerente. E ali terminei a minha atividade bancária, embora ainda esteja ligado à empresa, com uma licença sem vencimento”, afirma. Entretanto, foi para a universidade, à noite e aos fins de semana.
A participação cívica
A intervenção cívica de Luís Encarnação na comunidade começou com a Sociedade Recreativa União Parchalense, atualmente a coletividade mais antiga em atividade no concelho de Lagoa. “O meu avô tinha sido um dos sócios fundadores e eu sentia uma ligação de alguma forma familiar e emocional ao clube. Comecei bem cedo a fazer parte dos corpos gerentes da Sociedade. Com 17 anos, embora os estatutos não o permitissem, fiz parte da Mesa da Assembleia, eu e o Cartucho. E, com 22 anos, antes ainda de casar, fui eleito presidente da Direção, cargo que ocupei durante nove anos, até ir para a Junta de Freguesia”, recorda.
“Sempre tive vontade de fazer coisas pela minha terra, o Parchal está no meu coração e fiz parte da comissão instaladora da Junta de Freguesia do Parchal, da primeira Assembleia de Freguesia, fui o segundo presidente da Freguesia, entre 2001 e 2005. Mas, nas autárquicas de 1993, já tinha feito parte das listas para a Assembleia Municipal de Lagoa, embora num lugar não elegível. Fui segundo-secretário da Mesa da Assembleia Municipal entre 1997 e 2001”, diz o autarca.
Entre 2001 e 2005, voltou a ser presidente da Junta de Freguesia do Parchal e foi três vezes líder da bancada municipal do Partido Socialista. “Só me dá prazer a política autárquica, trabalhar para a minha terra. Não tenho qualquer ambição para além disso, embora acumule alguns cargos por inerência da presidência da Câmara. Aos 56 anos, não tenho qualquer ambição de ocupar um cargo regional ou ser deputado. Estou politicamente realizado e muito feliz por dar o meu contributo para desenvolver o concelho”, sublinha.
“Sou um filho do Parchal, tenho ali todas as minhas raízes e uma grande paixão por aquele território. Houve uma altura em que era um parchalense que passava a vida em Portimão, depois, sentia-me um parchalense que vivia em Lagoa. Hoje sou um lagoense nascido no Parchal”, acrescenta.
Autarca ou bancário?
Entre 2005 e 2009, houve um hiato político na vida de Luís Encarnação, porque o banco onde trabalhava não gostava muito que fosse bancário e presidente de Junta. O diretor regional chamou-o, fez-lhe saber que tinha alguns projetos para ele, mas que tinha de decidir se queria ser autarca ou bancário.
“Porque estava em jogo a minha vida profissional, não apresentei a candidatura à presidência da Junta. Sei que o partido não encarou de forma muito positiva a minha decisão, mas tive de fazer a minha escolha. Para continuar como autarca, não podia ser como presidente de Junta, ganhando 249 euros. Depois foi o amor à minha terra e à minha gente que me levou a aceitar o convite que Francisco Martins me fez para número dois dele na Câmara e, em 2013, 28 anos depois, o Partido Socialista ganhou a Câmara de Lagoa, por duzentos e poucos votos, bem como a União de Freguesias Estômbar e Parchal, Ferragudo, Porches e Lagoa. E ganhámos a Assembleia Municipal. E aí, deu-se a grande mudança na minha vida”, lembra.

“Era gerente bancário, ganhámos as eleições e o banco fez uma tentativa para me demover, mas não conseguiu, porque era algo que eu gostava de fazer. Meti uma licença sem vencimento, ainda tentaram que eu ficasse melhorando as condições que tinha, mas a decisão estava tomada. E quando tomo uma decisão, vou com ela até ao fim. E assim começou a minha aventura como autarca, primeiro como vereador, depois como vice-presidente e, finalmente, como presidente. E, neste mandato, como eleito, tive um processo eleitoral ‘sui generis’, tendo como adversário o anterior presidente. A situação abalou um pouco as nossas relações, mas está resolvido e somos novamente amigos e assim queremos continuar”, garante.
Leitura, uma paixão
Luís Encarnação ainda pode candidatar-se a mais dois mandatos, que espera cumprir. Apesar de o percurso natural de vários presidentes de Câmara ser deputado da Assembleia da República ou administrador da Algar ou da Águas do Algarve, o autarca descarta, desde já, essa possibilidade.
“Quando deixar de ser presidente de Câmara, vou abraçar a minha grande paixão, que é ler e não quero cargos nenhuns. Quando tinha nove ou dez anos já lia livros da maior complexidade. Toda a vida fui um devorador de livros. A 1 de novembro de 2013, quando iniciei funções como vereador, estava a ler um livro que ainda hoje está a meio. A primeira coisa que vou fazer é acabar de o ler e começar de novo, pois já perdi o fio à meada, ao fim de todos estes anos”, assegura.
Salário da Junta para os fregueses
Nos anos em que ocupou o cargo de presidente da Junta de Freguesia do Parchal, ficou muitas vezes sem os 249 euros que na altura recebia pela função. “As pessoas vinham pedir apoio e como em alguns casos a Junta não podia dar, eu dava do que recebia mensalmente da Freguesia. Lembro-me que muitas vezes dei apoio para comprar óculos ou medicamentos a pessoas que necessitavam e não conseguiam encontrar apoio de outras instituições. Foi sempre esta minha vontade e disponibilidade para colaborar com o que era da minha terra, de ajudar os meus conterrâneos”, salienta.
Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher
No seu percurso, Luís Encarnação destaca o papel da sua mulher Rosa Cantinho. “A minha mulher teve um papel fundamental na minha ida para o banco e para a universidade, para a minha formação e cultura. Primeiro, porque não achava piada aos horários da hotelaria, por isso inscreveu-me no banco sem eu saber. Um dia, recebi uma convocatória para ir prestar provas. Nem sabia bem o que era, mas fui e acabei por entrar”, refere. Mais tarde, voltou a ter um papel importante na decisão de estudar. “Pensava que isso já não era para mim, mas ela insistiu, fui e tirei a licenciatura em Gestão de Recursos Humanos. Continuo a fazer parte do Conselho Consultivo do ISMAT, em Portimão. Depois, fui fazer o mestrado em Gestão Empresarial na Universidade do Algarve”, explica.
A ‘oposição’ em casa
A vida de autarca ocupa quase todo o tempo do presidente da Câmara, que é pai de dois filhos e muitas vezes não tem a disponibilidade desejada. E quando a tem, conta com uma verdadeira oposição ‘dentro de portas’. “A minha filha é médica e tem uns ideais políticos um pouco à direita dos meus. Já o meu filho, que é engenheiro aeroespacial, tem um pensamento político muito assertivo e está um pouco à esquerda do pai. A minha mulher Rosa é ‘o meu grilinho falante’, a minha principal crítica. Às vezes, na brincadeira, costumo dizer que ela é da oposição. É uma ajuda preciosa, sempre a chamar-me a atenção para coisas importantes, com a sua sensibilidade feminina. Não sei qual é a sua tendência política, mas é muito importante para mim, sempre a alertar-me para isto e para aquilo”, garante.
DEPOIMENTO
“Sempre defendeu o Parchal e as pessoas”
“Foi sempre muito ativo, desde miúdo. E perder não era com ele. Era bom aluno, mas, quando não havia aulas, o combinado era que quem acordasse primeiro ia a casa do outro. Era sempre eu, porque ele adorava dormir. Com 14 anos, já éramos sócios do Parchalense e fomos a uma assembleia geral. Houve uma votação, pusemos o braço no ar e fomos corridos, porque aquilo não era para miúdos. Ele entrou mais na política, após o serviço militar. Sempre defendeu a freguesia, sempre ao lado dos seus, familiares ou amigos e disponível para as pessoas”
João Cartucho, amigo de infância.