Médicos do Algarve em risco de suicídio

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Documento a que o ‘site’ da revista Algarve Vivo teve acesso confirma, uma vez mais, debilidades diversas no sector da saúde. Assistência nesta região “tem-se agravado vertiginosamente” desde a criação do Centro Hospitalar do Algarve.

 

José Manuel Oliveira

Numa altura em que o Algarve recebe milhares de turistas de todo o mundo, a área da saúde continua a expor cada vez mais fragilidades e já há médicos (e enfermeiros) “em situações de esgotamento com “risco de suicídio”, como alertam vários profissionais.

E enquanto no Centro Hospitalar do Algarve, que abrange as unidades de Faro, Portimão e Lagos, começa a surgir contestação ao novo Conselho de Administração por “falta de diálogo” com os clínicos, o secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, garante “resposta eficaz” do Governo para uma época estival tranquila nesta região do Sul do país.

Num documento ligado ao sector da saúde a que o ‘site’ da revista Algarve Vivo teve acesso, uma médica do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, após revelar que “o ano de 2014-2015 foi terrível, suicidaram-se quatro colegas nossos”, lança o aviso: “ser médico mata, se nós não tivermos instrumentos para perceber onde estamos metidos. É uma classe sujeita a altos níveis de ‘stress’ e que raras vezes procura ajuda para lidar com as situações limite. Nessa medida, não é de estranhar que a taxa de suicídio entre os médicos seja mais elevada que na população em geral.”


“O síndrome de ‘Burnout’ pode matar”

Nesse sentido, está em curso, até ao final do ano de 2016, um estudo no país que irá traçar o perfil da classe médica, nomeadamente ao nível da idade, caraterísticas dos profissionais, onde exercem a atividade, a média de horas diária e carga de trabalho, estado em que se encontram, o dia-a-dia de cada um e para saber se existem especialidades mais agressivas do que outras. De acordo com aquele documento, o conjunto de informações recolhido servirá para perceber os níveis do Síndrome de ‘Burnout’ (exaustão), o qual constitui “uma reação ao stress profissional cumulativo e prolongado e configura-se como um indicador robusto do desgaste associado às excessivas exigências sócio-profissionais com que os médicos e  médicas se confrontam”.

“O ‘Burnout’ tem sido estudado nos médicos e médicas a nível internacional, nomeadamente em diversos países europeus, estando contudo por estudar a sua prevalência, antecedentes e consequências na classe médica em Portugal”, acrescenta.

Já a médica do Hospital de Santa Maria, citada naquele documento, após reforçar que esta é uma classe sujeita a elevados níveis de stress e que raras vezes procura ajuda para lidar com as situações limite”, avisa que “o ‘burnout’ “atinge mais os apaixonados pela Medicina, as pessoas que vêm com muita vontade, que trabalham muito e se dedicam muito e que passado algum tempo apercebem-se que a paixão, o esforço, a dedicação não estão a ter recompensa, nem pessoal, nem das instituições onde trabalham. O ‘Burnout’ pode matar.”


Médicos “mais velhos” garantem funcionamento do Centro Hospitalar do Algarve

Por outro lado, numa sessão de boas-vindas aos jovens médicos internos em Faro, um clínico reconheceu que a assistência hospitalar nesta região “têm-se agravado vertiginosamente” desde a “criação do Centro Hospitalar do Algarve (CHA), desprezando as muitas qualidades que tinham por si, sobretudo, os hospitais de Faro e do Barlavento Algarvio, em Portimão, que por sua vez tinha já incluído uns anos antes o Hospital de Lagos.” E apontou como causa desse cenário “a má qualidade da gestão do Centro Hospitalar, assente na deriva economicista das políticas de Saúde que particularmente se verificou nos últimos quatro anos, com a orientação dos dois ministros anteriores, um deles que foi apenas por um mês.”

O clínico aproveitou para dizer aos jovens formandos, que, apesar de tudo, “vão ter ao vosso lado excelentes médicos, muito treinados, às vezes esgotados pelo trabalho, mas competentes e com todas as condições para serem os vossos tutores”. “Têm sido estes vossos colegas mais velhos a garantir que os serviços funcionem, que deem resposta à população e que no Algarve não se tenha já instalado uma situação caótica no plano dos cuidados hospitalares”, adiantou esse profissional, numa critíca ao anterior presidente do Conselho de Administração do CHA, Pedro Nunes.

 

Ortopedia e anestesiologia em risco

Ao mesmo tempo, insistiu que os problemas sentidos pelos serviços do Centro Hospitalar do Algarve se refletiram também na saída de muitos profissionais das unidades, “o que levou à perda de idoneidade formativa em algumas especialidades, como cirurgia”, enquanto, alertou, “a ortopedia está sob uma ameaça séria, tal como a anestesiologia.”

 

Outros riscos nos hospitais públicos da região

No mesmo documento a que o ‘site’ da revista Algarve Vivo teve acesso, um médico frisou que os hospitais públicos do Algarve, através da criação do CHA, são um exemplo de ‘downsizing’, para explicar o emagrecimento de recursos e a consequente diminuição de custos, com eliminação de serviços, despedimentos, reestruturação, fusões, redução do número de camas, integração de unidades hospitalares, contratualização de serviços, privatizações e flexibilidade, entre outros aspetos. Depois de lembrar várias situações dessa natureza em países europeus e do continente asiático, o clínico lamentou: “Assistimos, um pouco por todo o mundo, à implementação de medidas de ‘downsizing’ que são fruto das pressões económicas que todos os países têm sofrido.”

Considerou que perante as consequências nefastas resultantes da aplicação daquele modelo e por tudo apontar para “falhas de regulamentação ou monitorização”, o Centro Hospitalar do Algarve necessita com urgência do sistema ‘upsizing’. “Os estudos disponíveis dos efeitos a médio/longo prazo indicam que, se o ‘downizing’ não é periodicamente avaliado e regulado, existe o perigo da criação organizacional de um ciclo em baixa. Atingir o equilíbrio, ou seja, o ‘rightsizing’, será depois mais difícil e demorado”, frisou esse profissional de saúde do Centro Hospitalar do Algarve.

 

Professor catedrático tentou convencer alunos a não tirarem o curso de medicina

Por seu turno, um outro clínico afirmou ao ‘site’ da revista Algarve Vivo que presentemente são muito poucos os médicos em condições de dar formação aos mais novos: “No Outono de 1975, na primeira aula de anatomia ministrada, um professor catedrático na faculdade de medicina do Hospital de Santa Maria, tentou demover os alunos do 1º. ano através de argumentos vários da ideia de se tornarem médicos, procurando convencê-los a tirar em vez disso cursos paramédicos, como técnico de análises, técnico de radiologia e outros. Chegou ao ponto de os tentar atemorizar com o perigo de chegarem ao fim do curso e não terem emprego e até lhes passou um atestado de mediocridade ao dizer-lhes que o curso não era para qualquer um, tendo ele mesmo tido no seu curso colegas que, apesar de serem filhos de médicos do hospital escolar de Santa Maria, nunca haviam conseguido fazer o curso, o que levara alguns deles ao suicídio. A atual baixa capacidade formativa dos novos internos foi resultante dos ‘numeros clausus’ muito restritivos.”

 

Ou aceitam baixar remunerações ou emigram

Em 2016, segundo a Ordem dos Médicos poderão ficar sem acesso ao internato de especialidade (de Medicina Geral e Familiar ou de qualquer especialidade) 158 médicos. O problema deve-se ao facto de não haver capacidade formativa. “Durante os últimos anos, o  nosso país teve de recorrer ao recrutamento de médicos estrangeiros, nomeadamente do leste europeu, sul-americanos e da América Central, estando muitos deles neste momento a ocupar as vagas da especialidade dos portugueses, alguns dos quais sujeitaram-se a ir estudar para a República Checa e Espanha, numa emigração forçada só para os governos de Portugal pouparem dinheiro nas escolas médicas”, lamentou ao ‘site’ da revista Algarve Vivo um especialista nesta região.

Há a agravante, prosseguiu, de que “sem fazerem uma especialidade qualquer em medicina (geral ou outra), a esses médicos considerados ‘indiferenciados’ não resta outra alternativa senão irem trabalhar nas urgências gerais dos hospitais públicos e privados que os contratam por baixos salários. Muitos deles desempenharão funções por meia dúzia de euros à hora nas urgências como se não passassem de vulgares mulheres a dias. Como tal, ou emigram, ou ficam cá contratados à hora, ao dia ou à semana, por meia dúzia de patacas, como se costuma dizer.”

 

 

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